Em tradução literal, o nome em inglês de Mogari no Mori (2007), The Mourning Forest, significa "floresta do luto". Mas não há como ignorar a poesia da versão em português, A Floresta dos Lamentos. Porque com o formidável trabalho de som e fotografia do filme da japonesa Naomi Kawase, vencedor do Grande Prêmio do Festival de Cannes ano passado, o vento que embala a tal floresta parece mesmo uma elegia.
A princípio, Machiko (Machiko Ono) não sabe chorar a sua dor. Depois de perder um filho, ela vai trabalhar em um asilo de idosos no meio do campo. Lá, passa a cuidar de um senhor, Shigeki (Shigeki Uda), que há 30 anos sofre a morte da sua esposa, Mako. Apenas uma sílaba separam os nomes das duas mulheres, e Shigeki precisa de cuidados como uma criança. É por instinto, mais do que necessidade, portanto, que a enfermeira e o velho se aproximam.
floresta dos lamentos
floresta dos lamentos
No dia do aniversário de Shigeki, Machiko o leva para passear de carro, mas um acidente faz com que eles se percam. Estamos na metade do filme, e não convém detalhar mais da história.
Inevitável é comentar como Kawase usa de artifícios simples para transformar a floresta do título em um cenário transcendental (um cenário, se interpretarmos que o funeral que abre o filme é o de Mako, que permaneceria imutável com as décadas, indiscernível, não fosse a presença do homem). O artifício básico é contrapor o cinema de montagem - as internas no asilo são imediatistas, quase só plano e contraplano - versus o plano-sequência, que toma conta do filme depois da metade.
É com a câmera em movimento e poucos cortes, em panorâmicas e close-ups, que a cineasta nos permite acompanhar a dança de redenção de Machiko e Shigeki. A longa duração dos planos e a fluência da câmera no meio do mato dão um tom de importância, ou mesmo de ritual, a essa imersão na floresta. E ali, entre chuva e choro, é que o luto se consuma.
Não por acaso, no último plano do filme, Kawase tira a câmera do lado do rosto de Machiko e vai lá pra cima, quase na copa das árvores, enquadrá-la em plongée, de cima pra baixo. Há um sentido de divino, de místico, nesse primitivismo que A Floresta dos Lamentos sugere, e não é todo filme que, a partir de uma mise-en-scène minimalista, consegue almejar e chegar a um resultado poderoso assim.