Moonlight: Sob a Luz do Luar e Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo são dois grandes filmes. De fato, estão entre meus favoritos das últimas décadas, e definitivamente quando falo de vencedores de Melhor Filme do Oscar no século XXI (esse top 3 em específico seria completado por Parasita, é claro). Suas trajetórias até chegarem ao prêmio máximo da Academia, no entanto, não poderiam ser mais diferentes - e essas discrepâncias revelam muito sobre a história da A24, produtora e distribuidora de ambos os longas, e sua relação com o mainstream hollywoodiano.
Quando a empresa anunciou parceria com a Plan B Entertainment (ela mesmo, a produtora comandada por Brad Pitt) para financiar e distribuir Moonlight, em agosto de 2015, foi um marco para a história do estúdio. Era, afinal, a primeiríssima vez que a A24 se envolvia na produção de um filme, em oposição ao seu modelo tradicional de adquirir obras prontas somente para distribuição. Um passo ousado que demonstrava a fé do estúdio na proposta do cineasta Barry Jenkins, mas também revelava a medida de sua ambição no jogo de Hollywood.
Na esteira dessa ambição, a campanha de marketing de Moonlight foi intensa. Já em agosto de 2016, quando o primeiro trailer foi lançado, o Los Angeles Times se referia a Moonlight como “o filme mais antecipado da temporada de premiações”. Os meses seguintes trouxeram exibições de gala nos festivais de Telluride, Toronto, Nova York, Londres e Vancouver, culminando no lançamento de Moonlight no circuito comercial dos EUA - não em um número de salas limitado, como normalmente acontece com draminhas independentes, mas em um circuito que chegou a 650 telas em seu auge de expansão, em meados de novembro.
Aposta alta que deu certo, culminando em US$ 65 milhões de bilheteria ao redor do mundo (em cima de um orçamento estimado de menos de US$ 2 milhões) e três vitórias no Oscar, incluindo um triunfo histórico em Melhor Filme. Afora da confusão com La La Land, talvez o momento de televisão ao vivo mais memorável da história do Oscar, Moonlight foi o primeiro filme com termas LGBTQIA+ a vencer a estatueta principal da noite, e - é claro - o primeiro filme da A24 a alcançar este feito. Uma vitória de planejamento e de campanha, para além da qualidade indiscutível do longa, que Hollywood não deixou de notar.
O contraste entre todo esse esforço, empreendido por um estúdio que claramente buscava a legitimação, e a trajetória calculadamente despojada de Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo até o domínio no Oscar de 2023, somente sete anos depois, é de cair o queixo. O filme dos Daniels estava em produção por outra companhia (especificamente, a Gozie AGBO) há alguns anos quando a A24 topou financiá-lo e distribuí-lo, reeditando a parceria com os cineastas, que tinha resultado em críticas mornas e retornos de bilheteria pífios, mas algum status de cult, em Um Cadáver Para Sobreviver (2016).
Tudo em Todo o Lugar foi exibido em exatamente um festival (o South by Southwest, não exatamente conhecido por revelar gigantes da temporada de premiações) antes de chegar ao circuito dos EUA, em míseras dez salas. Mas os Daniels haviam capturado algo no zeitgeist, combinando uma narrativa de super-herói refrescada por ambições dramáticas elevadas - abordagem que o estúdio já tinha tomado com o horror e a ficção científica, mas não a história de herói - com um elenco de nomes subutilizados por Hollywood que mobilizavam o público cinéfilo. A A24 não demorou a entender isso.
Dos trailers e pôsteres que buscavam sublinhar o caráter caleidoscópico do longa, e sua conexão com o conceito badalado do multiverso, passando por uma bateria de entrevistas e perfis dos astros do filme que posicionavam Tudo em Todo o Lugar como o veículo pelo qual eles passaram uma carreira esperando… a A24 colocou a sua máquina de criação de hype cinéfilo para funcionar, basicamente garantindo que o longa se tornasse um “fenômeno de boca a boca”. Não um blockbuster fabricado, é claro - mas com certeza um clássico cult cuidadosamente cultivado em laboratório, se você pensar bem.
Meses de exibição nos cinemas depois (aquele circuito inicial de dez salas chegou a mais de duas mil em pouco menos de duas semanas, aliás), Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo era um colosso comercial - US$ 139 milhões nas bilheterias mundiais, a partir de um orçamento de menos de U$ 20 milhões, até hoje o melhor resultado comercial da A24. Para além disso, o longa era um fenômeno cultural que uma indústria ainda se recuperando da pandemia de covid-19 não pôde simplesmente ignorar. E o Oscar, na busca de recuperar seu status como indicador de tendências em Hollywood, certamente fez parte desse jogo.
É claro que a A24 ainda investiu bastante dinheiro na campanha de Tudo em Todo o Lugar para o prêmio da Academia. Não é fácil manter um filme na conversa cultural por meses a fio, o que é inclusive o motivo pelo qual a maioria dos estúdios guarda seus “filmes de Oscar” para o fim do ano. Mas o fato é que, lá em 2016, Moonlight venceu o Oscar principalmente porque a A24 sentia que precisava vencer - uma sinalização de presença e robustez, a declaração de uma nova força dentro de Hollywood. Corta para 2023, e Tudo em Todo o Lugar venceu o Oscar principalmente porque o Oscar sentia que precisava premiá-lo - era a Academia perseguindo a A24, e não o contrário.
De aspirante a líder da indústria em menos de uma década, o estúdio é chave para entender a Hollywood da atualidade, e deve continuar sendo chave para entendê-la nos próximos anos. O Oscar está de olho, e nós também.
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