Filmes

Entrevista

Alemão 2 | Vladimir Brichta e Digão Ribeiro detalham colaboração no set do filme

Conversamos com os astros do filme nacional, que formam dupla improvável na tela

Omelete
5 min de leitura
19.04.2022, às 17H15.
Atualizada em 03.05.2022, ÀS 22H22

No coração de Alemão 2 está o emprego de um tropo frequente do cinema de ação para comunicar uma verdade silenciosa sobre a problemática do crime organizado no Rio de Janeiro. Na pele de um policial e de um traficante, respectivamente, Vladimir Brichta e Digão Ribeiro se veem em uma situação onde precisam juntar forças para garantir ou a própria sobrevivência ou a sobrevivência daqueles que amam. O que o longa-metragem visa comunicar com isso é como esses aparentes polos opostos, a polícia e o crime, atualmente operam em um sistema maior e mais perverso que alimenta e se alimenta do ciclo de violência perpetuado nas favelas por forças como o tráfico de drogas e as milícias.

Em entrevista concedida ao Omelete (assista acima), Brichta e Ribeiro contaram sobre os bastidores dessa relação de inimizade que tornou-se aliança nas telas, da amizade que aflorou fora delas, bem como de outros aspectos da colaboração por trás das câmeras em Alemão 2. O diretor José Eduardo Belmonte e a produtora Marília Garske complementam a conversa (assista abaixo), destrinchando os elementos que organizaram para construir a crítica social contundente e o entretenimento envolvente do filme.

Na pele de Soldado, Ribeiro teve a árdua tarefa de construir um personagem envolto no crime que comunicasse tanto a dimensão de suas atividades à margem da lei quanto de uma humanidade raramente presente em retratos de homens pretos, favelados e ligados ao tráfico de drogas, no cinema nacional. Ele consegue. Seu trabalho em Alemão 2 é multi-facetado e imbuído de sensibilidade, servindo como grande resposta à visão maniqueísta que desumaniza os criminosos mesmo que nunca justifique suas atividades.

"Isso foi um trabalho muito em dupla", lembrou o ator, referenciando a dobradinha com Brichta. "A gente entendeu que precisava humanizar esse personagem... Quando a gente conseguiu identificar isso no roteiro e eu consegui, na minha vida, identificar isso no meu cotidiano, enquanto moro da Cidade de Deus, foi só entender o B.O, e abraçar". Segundo Ribeiro, o caminho foi "tentar fazer isso com responsabilidade", uma vez que Soldado "é um dos mais complexos [personagens] de defender, porque ele ainda é um personagem que está dentro do tráfico". Funciona, ele explica, porque "o filme tenta trazer uma reflexão de que não é sobre isso. Que ele é para além dessa camada de separar quem é um bandido [de quem é gente]".

Em uma das cenas-chave da produção, um Soldado rendido e ferido é covardemente torturado por um policial sádico, vivido por Gabriel Leone. É uma passagem que questiona a ideia de que os fins justificam os meios -- ideia essa que é combustível para máximas fascistas que pregam que "bandido bom é bandido morto". Como pontuou Brichta: "Se você comete um crime, você tem que pagar por esse crime. Agora, você não paga com a vida. Esse é o 'x' da questão. A gente não pode fomentar um Estado que acha que a forma de combater a violência é por meio de mais violência, combater o crime com matança, porque isso não dá certo em lugar nenhum do mundo e nunca dará".

"Então, é por isso que é importante ler o filme assim. Ele [Soldado] é o bandido. Ele realmente é o bandido", adicionou Brichta. "No entanto, é inadmissível a tortura. Ninguém pode ser torturado. Não existe isso. E o filme ele deixa claro". Ribeiro completou: "A gente conseguiu criar um gênero para esse tipo de filme, o Favela Movie, só que esses filmes lidam com uma questão muito delicada, que é a realidade. Quando você tem um filme e não assume a responsabilidade de falar [amplamente] sobre o que você está dando voz ali, você tem um bloco lucrando em cima de uma questão que não deveria. Eu acho que Alemão 2 vem na proposta de quebrar isso".

Para Belmonte, muito dessa quebra está no constante desafio à expectativa proposto pela trama do filme. "Você acha que cê vai ver uma situação, depois, como costuma ser aqui no Brasil, nada é o que parece", explicou o cineasta. "Você vai vendo outras camadas da história, outras camadas vão se revelando, as coisas vão mudando". Para Garske, a subversão de expectativa foi norma também para o desenvolvimento e a integração dos elementos de ação no drama vivido pelos personagens.

"Tem também uma evolução, né? Dos gêneros. Não existe mais esse empacotamento tão forte entre um filme de ação e um filme de drama. Está cada vez mais híbrido, principalmente no cinema brasileiro", definiu a produtora. "Entre uma coisa e outra, é um aspecto que o Zé sempre teve: essa preocupação de não fazer mais um filme de ação com essa temática, e foi um sucesso, na minha opinião".

É ecoando as alianças entre inimigos vistas em superproduções hollywoodianas como Os Indomáveis (2007) e Protegendo o Inimigo (2012) que Alemão 2 incorpora boa parte de seus elementos mais "cinema-pipoca". Entretanto, segundo Brichta, não foi de nenhum desses filmes que ele tirou parte da inspiração para atuar na produção. "Eu lembrei e comentei com o Digão sobre o Inimigo Meu, que é um filme antigo", relembrou o ator. "É a história de dois caras que estão em guerra, é uma ficção científica e eles caem em um planeta, onde tentam matar um ao outro. Só que, de repente, eles descobrem que precisam da ajuda um do outro".

Ribeiro, que também se lembrou da referência trazida pelo colega, atribuiu à química com o ator o desenvolvimento orgânico da relação improvável, mas plenamente convincente, de seus personagens. "Eu lembro do Vlad ter comentado sobre essa referência que ele trouxe para gente. Mas, para mim, do meu coração, foi tudo [a partir d]o que a gente teve lá no set", afirmou o ator. "Gente, era com Vladimir Brichta que eu estava, entendeu? Então é isso aí: tinha um lugar de ser um um trabalho com um artista que... conseguiu ter uma humildade de troca, sabe?".

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