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Quando está livre das amarras dos grandes estúdios e operando de forma independente, o cinema estadunidense apresenta filmes que parecem tudo, menos feitos nos Estados Unidos. Sai o produto, fica o cinema.
O plano inicial de A sensação de ver (The Sensation of Sight) convida justamente a esta reflexão. Durante longos minutos a câmera fica imóvel, mostrando um homem caído num gramado. Ao fundo, uma construção rústica de pedras. Aos poucos passa um lixeiro, que prefere não mexer com o homem. Depois, uma menina com algumas ovelhas, que também deixa pra lá. Por último, um menino de bicicleta, que apenas rouba o chapéu do sujeito e se vai. A lentíssima cena pede paciência e, apesar do silêncio, grita: este não é seu filme hollywoodiano de fim de semana.
O homem no chão é Finn, um professor de inglês atormentado por uma tragédia. Em busca da resposta para uma pergunta aparentemente subjetiva - por quê? - ele abandona sua vida e família, entregando-se a um ofício totalmente novo e completamente ultrapassado, a venda de enciclopédias.
O solitário circula por sua pacada cidadezinha puxando seu carrinho. Conforme encontros acontecem, vendas são realizadas e a audiência se aproxima da resposta, mesmo sem entender completamente a pergunta.
David Strathairn vive o protagonista de maneira assombrosa. É quase impossível acreditar que o mesmo ator que vive o determinado jornalista de Boa noite e boa sorte - olhar penetrante, voz firme - transforma-se aqui no vendedor franzino, inseguro e curvado, com um jeito que lembra até Peter Sellers em Muito além do jardim. Ele é acompanhado por um elenco igualmente competente, vivendo suas próprias buscas, sendo que um dos rostos é bastante conhecido do público, o de Ian Somerhalder. O Boone de Lost também realiza um ótimo trabalho como um jovem macambúzio, cumprindo pena comunitária e carregando suas próprias cruzes.
O diretor e roteirista estreante Aaron J. Wiederspahn aproveita muito bem os talentos e recursos que tem em mãos e entrega um drama sensível e equilibrado. Não deve demorar muito e algum estúdio o tentará e o colocará no regime hollywoodiano, com um produtor nas costas, dizendo que a tal cena inicial - aquele belo atestado de independência comentado acima - é muito longa, que os 130 minutos não dão boa bilheteria, que a história é mal explicada, que precisa de um final feliz, de censura mais baixa...
Ano: 2006
País: EUA
Classificação: 16 anos
Duração: 134 min
Direção: Aaron J. Wiederspahn
Elenco: David Strathairn, Ian Somerhalder, Daniel Gillies