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Amanhã Nunca Mais | Crítica

Filme reforça a imagem de São Paulo como a cidade do homem-máquina, onde o trânsito é a suprema castração

10.11.2011, às 20H00.
Atualizada em 07.11.2016, ÀS 09H06

Amanhã Nunca Mais, a estreia em longas do videoartista, curador de exposições, roteirista e diretor Tadeu Jungle, começa com uma imagem familiar aos paulistanos. A câmera colocada na frente de um carro registra a impaciência do trânsito da cidade: o carro acelera, o motor responde forte, mas metros depois precisa parar, processo que recomeça a cada semáforo aberto. São vários planos assim ao longo dos créditos iniciais, vários coitos interrompidos.

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O anestesista Walter (Lázaro Ramos) vive interrupções o tempo todo. O protagonista surge no filme com a família na praia, acuado pela sogra, ignorado pelos homens que flertam com sua esposa, Solange (Fernanda Machado). Quando enfim tem um momento a sós com ela, Walter recebe uma ligação do hospital onde trabalha... E no plantão é humilhado pelo cirurgião que não considera anestesistas médicos de verdade. Walter não tem moral com ninguém.

A imagem do médico workaholic, que abre mão da própria vida em nome dos seus pacientes, é frequente no cinema. Amanhã Nunca Mais lembra não apenas Depois de Horas como também outro filme de Martin Scorsese, Vivendo no Limite, em que o enfermeiro Nicolas Cage atravessa a noite dirigindo sua ambulância por Nova York. No filme de Tadeu Jungle, porém, Walter não tem nenhum traço de abnegação. Não parece ter qualquer interesse em ser médico, aliás.

Na trama, quando Walter decide que conseguirá - apesar do trabalho e do trânsito - buscar o bolo de aniversário de sua filha e chegar a tempo da festa, fica a impressão de que é um esforço de reconciliação com a esposa. Mas ele está atrás, sim, de sua masculinidade perdida. Os personagens que Walter encontra pelo caminho, e a forma como Jungle os tipifica, são projeções dessa emasculação, da ninfeta e da prostituta à bêbada louca. No limite, até mesmo a festa judia, onde o "Dr. Walter" ganha um quipá, é uma representação disso, já que a circuncisão, metaforicamente, não deixa de ser uma castração.

A Nova York de Scorsese sempre foi o lugar das oportunidades, mesmo as perdidas, e quando Cage sai à cata de enfermos em Vivendo no Limite ele encontra redenção porque se identifica como um enfermo dentre os demais. É uma cidade solidária na perdição. A São Paulo de Tadeu Jungle, ao contrário, é a cidade da exclusão: em sua comédia de erros noite afora, Walter evita e renega tudo o que vê. Claro que dá pra dizer que São Paulo vista como um local de confluências impossíveis não é uma imagem rara no cinema; ela esteve presente, recentemente, no filme A Via Láctea, por exemplo. Mas o longa de Lina Chamie ao menos tratava da busca utópica pelo encontro. Amanhã Nunca Mais não se permite encontro algum.

(O parágrafo abaixo contém spoilers, que não entregam o desfecho da festa de aniversário e do filme.)

Diante da histérica inviabilidade do mundo, então, qual seria o único abrigo possível para Walter? O carro. O médico reencontra a esposa com um sorriso triunfante no rosto não porque a procurava, mas porque reconquistou sua hombridade pela máquina - ao livrar-se da colisão no trânsito no clímax do filme e, em seguida, ao transitar livremente na via expressa. Aquele prazer masculino do arranque do automóvel, interrompido pelo tráfego no começo do filme, é tudo de que Walter precisava.

Amanhã Nunca Mais | Cinemas e horários

Nota do Crítico
Regular
Amanhã Nunca Mais
Amanhã Nunca Mais
Amanhã Nunca Mais
Amanhã Nunca Mais

Ano: 2011

País: Brasil

Classificação: 12 anos

Duração: 77 min

Direção: Tadeu Jungle

Elenco: Lazaro Ramos, Maria Luísa Mendonça, Milhem Cortaz, Imara Reis, Fernanda Machado, Luis Miranda, Paula Braun, Anna Guilhermina, Vic Militello, Arthur Koll, Carlos Meceni, Victória Guerra

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