Difícil não sair da projeção de Better Man sem a impressão de que Michael Gracey e Robbie Williams foram feitos um para o outro. O diretor, que vem de uma formação como artista de efeitos especiais e se tornou nome forte em Hollywood após o sucesso de O Rei do Show, divide com o ex-integrante do Take That, que se tornou um dos maiores popstars do planeta (e provavelmente o maior popstar do Reino Unido), uma paixão irremediável pelo espetáculo. O impulso de ambos, como artistas, é mergulhar nos exageros mais cafonas do showbusiness sem lastro de culpa acadêmica, e de alguma forma extrair deles o que há de mais puramente, instintivamente prazeroso como narrativa - e como terapia. Eles estão aqui pelo básico, e chegam no básico pelo caminho mais extravagante possível.
A junção desses dois direcionamentos concomitantes, curiosamente, produz em Better Man um filme que encontra na indulgência o seu charme, e não o seu calcanhar de Aquiles. Até porque, de certa forma, a história de Williams é a mais arquetípica possível quando se pensa em cinebiografias de super-astros da música: o menino que teve os sonhos de grandeza incutidos na cabeça por um pai (Steve Pemberton) que idolatrava Frank Sinatra e abandonou a família para viver seus sonhos pequenos de comediante stand-up, acabou passando no teste para uma boyband gerenciada por um tirano (Damon Herriman) que pouco pagava aos integrantes, se deslumbrou com o mundo de sexo, drogas e (não exatamente) rock n’ roll, aprendeu a se odiar muito cedo e demorou décadas para “se encontrar” como artista solo e homem adulto minimamente funcional - fraturando muitos relacionamentos pelo caminho, é claro.
Como contar essa história familiar de forma que a familiaridade não se torne tédio, mas também de forma que a nossa curiosidade mórbida por ela não se transforme em certa repulsa pelo desrespeito à privacidade de um ser humano? Back to Black perdeu esse segundo balanço, enquanto Rocketman teve a ideia certa ao abraçar certa fantasia para evitar o primeiro. Better Man pende mais para o último desses exemplos (até porque Gracey foi produtor da biopic de Elton John), mas vai mais longe nessa invenção alegórica ao apostar alto em um truque específico: o de substituir um protagonista de carne e osso por um macaco de CGI. É como se, no lugar de Taron Egerton, tivéssemos o Caesar da nova trilogia Planeta dos Macacos - e, de fato, é a mesma WETA que realiza a versão símia de Williams em Better Man.
Até pelo background de Gracey nos efeitos especiais, a integração do protagonista digital no mundo do filme funciona sem muitos obstáculos. Mas é claro que o comprometimento do filme com a fantasia também ajuda: em nenhum momento do longa se reconhece que Williams é o único macaco de CGI passeando por esse mundo de humanos, e Better Man não parece hesitar nem diante da decisão de fazer o tal chimpanzé assumir os muitos visuais que o cantor teve durante os anos. O que a artificialidade do seu protagonista permite a Gracey, enquanto isso, é esticar as suas ideias mais bizarras de continuidade e movimento, armando um filme que é muito mais um espetáculo de cabaré de 2h do que um drama biográfico tradicional.
E não é que Better Man não conte a história de Williams - de fato, o roteiro assinado por Gracey com os estreantes Oliver Cole e Simon Gleeson acerta em cheio ao fazer dos altos e baixos da vida do popstar britânico, que em outras mãos poderia ter virado uma sucessão sem graça de triunfos e revezes que pouco se conectam um com o outro, uma espécie de ode às incongruências da instituição da fama como a conhecemos desde meados do século XX. Narrativamente, Better Man abraça o amor absurdo que temos pela celebridade, a validação que encontramos no aplauso do outro, o anseio insaciável que nutrimos por ouvir que somos especiais, que somos alguém, que nossa identidade existe também nos olhos de quem nos vê.
Williams aceita que, talvez, querer tudo isso - e querer o bastante para se sujeitar às indignidades de uma indústria hostil à humanidade (mas qual indústria não é?) - pode significar que ele é “menos evoluído” do que nós. Mas ele também sabe muito bem que tem as manhas para nos fazer “descer ao seu nível”, e Gracey é o aliado perfeito para montar um espetáculo de vulgaridade que é também - talvez, justamente por ser vulgar - pulsantemente, e irresistivelmente, humano. Puro showbusiness, no melhor sentido possível.
*Better Man: A História de Robbie Williams estreia em 6 de março nos cinemas brasileiros
Ano: 2024
País: Austrália/China/França/Reino Unido/EUA
Duração: 134 min
Direção: Michael Gracey
Roteiro: Michael Gracey, Simon Gleeson, Oliver Cole
Elenco: Steve Pemberton, Alison Steadman, Damon Herriman, Kate Mulvany, Jonno Davies, Robbie Williams