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Crítica

Convenção das Bruxas

Com apenas pretensão de ousadia, nova adaptação de Roald Dahl não tem coragem de tratar crianças com inteligência

19.11.2020, às 10H32.

Existe um elemento comum em todas as histórias clássicas de Roald Dahl, visível em James e o Pêssego Gigante, A Fantástica Fábrica de Chocolate, Matilda e, principalmente, em Convenção das Bruxas: um tom juvenil macabro. Por isso, todas as vezes que Hollywood adaptou a obra do autor, o resultado é medido, em grande parte, na fidelidade em relação a essa peculiaridade. O novo Convenção das Bruxas, que chega 30 anos depois do lançamento da primeira adaptação cinematográfica, pretendeu fazer isso ao desenvolver sua história de modo mais fiel ao livro do que o filme de 1990. Mas sem ousadia para manter um clima sombrio, o filme comandado por Robert Zemeckis perdeu a oportunidade de tirar proveito do universo, resultando em uma adaptação muito mais infantil, sem sagacidade ou inovação. 

Isso não quer dizer que Zemeckis não tenha feito escolhas surpreendentes. Levando a história de Dahl para os EUA nos anos 60, o novo Convenção das Bruxas é protagonizado por uma família negra, formada pelo recém-órfão (Jahzir Bruno) e sua avó (Octavia Spencer), ambos não-nomeados, como no livro. Ao trazer o foco da história para o passado segregacionista americano, esperava-se que Zemeckis ou seus parceiros roteiristas - Kenya Barris e Guillermo Del Toro - buscassem inserir algum toque de crítica social, que apesar de insinuada nunca realmente se encontra. Não há nada de errado na escolha do elenco, que poderia manter-se independentemente do contexto da narrativa. Mas levar um conto distintamente britânico para o coração do passado racista americano sem explorá-lo soa, no mínimo, como um desperdício. 

Depois de aprender sobre a existência de bruxas pelos contos de sua avó, nosso herói protagonista e a matriarca fogem do Alabama para um resort buscando se distanciar de uma feiticeira que passou pela família em um encontro rápido. Pouco sabem eles que neste mesmo hotel está para acontecer a reunião da Sociedade Contra a Crueldade às Crianças - na realidade, um grupo de bruxas liderado pela Grande Bruxa (Anne Hathaway). Não demora para que o garoto se encontre no meio da assembleia, e, ao ser descoberto, seja transformado em rato. A partir daí, o filme se assemelha a Stuart Little, com o protagonista acompanhado de seus amigos ratos, partindo para malabarismos de CGI com a intenção de divertir baseando-se na fofura dos animais. 

É difícil não comparar o novo Convenção das Bruxas com o longa de 1990, até porque muito do que se vê na tela na nova versão é uma emulação do que já havia sido criado por Nicolas Roeg. Apesar do contexto absolutamente diferente e o tom oposto, o filme de Zemeckis reúne as bruxas do mesmo modo e constrói o seu ápice - na Convenção em si - quase que quadro a quadro com o primeiro longa. Vale notar que esta cena é um forte do filme: a remoção dos disfarces das bruxas é bem feito e o visual segue aterrorizante. Mas no meio de um filme com um humor fácil e doçura demais, a sequência só se torna destoante. 

Mas o que mais chama atenção na versão de Zemeckis - além de um novo vacilo do diretor, que tinha uma obra quase absolutamente perfeita até a virada do milênio - é a falta de coerência entre o tom de seus personagens. A avó de Spencer é por vezes rígida, às vezes fofa, e nunca sabemos ao certo quem precisamente ela é. A Grande Bruxa está absolutamente descolada de seu contexto, não por falha de atuação de Hathaway, mas talvez porque a grandiosidade pretendida pela atriz simplesmente não encaixa no tamanho do filme. Stanley Tucci está no escanteio tentando acertar o passo de um humor nunca em harmonia com os outros ao seu redor. E o protagonista vive para explicar o que vê em voz alta, enfatizando nesse didatismo a infantilização da trama a todo momento. Tudo isso resulta em um filme desnorteado, cujas falhas talvez passassem despercebidas para o público mais infantil, impedido de ver o filme por sua censura para maiores de 10.

Para arrematar, a decisão do novo Convenção das Bruxas de manter o final do livro, apesar de aparentemente acertada, também não se sustenta. Encerrando a jornada do protagonista com uma conclusão amarga demais para um filme doce demais, o longa precisa forçar a barra para não entregar diretamente a simples realidade traumática de seu desfecho. Aqui, tudo bem que você ficará traumatizado para a vida inteira. É como se o filme apresentasse uma tragédia mas desviasse a atenção gritando bem alto que está tudo bem, para que o público se tranquilize.

Não há nada de errado em contar histórias infantis para crianças, claro. Mas subestimar a inteligência do seu público, sim. Perder a oportunidade de inserir o humor perverso de Dahl e de entregar algo que leve a esperteza das crianças a sério é um desperdício. Se o filme conseguisse se sustentar em personagens carismáticos, um visual estiloso ou (pelo menos) um roteiro bem construído, é possível que a simplificação de Dahl fosse justa. Mas aqui, nada disso compensa.

Nota do Crítico
Ruim
Convenção das Bruxas
The Witches
Convenção das Bruxas
The Witches

Ano: 2020

Classificação: 10 anos

Direção: Robert Zemeckis

Roteiro: Kenya Barris, Robert Zemeckis, Guillermo del Toro

Elenco: Anne Hathaway, Stanley Tucci, Octavia Spencer

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