A certa altura de O Passageiro - Profissão Repórter (1975), quando o personagem de Jack Nicholson tenta entrevistar o líder rebelde Achebe, este responde: "A sua pergunta revela muito mais sobre você do que minha resposta revelaria sobre mim". É o mesmo princípio que pontua, do começo ao fim, o documentário Maradona - que em inglês se chama, apropriadamente, Maradona By Kusturica.
O filme começa não com o maior ídolo do futebol argentino (e que no filme é tido como o maior jogador de todos os tempos), mas com a banda de Emir Kusturica, a No Smoking Orchestra, comparando no palco o guitarrista e cineasta iuguslavo com Diego Maradona, para logo em seguida Kusturica, na narração em off, traçar paralelos entre a vida do jogador e alguns eventos narrados em seus filmes - como o sujeito que morre e retorna à vida em Gata Preta, Gato Branco (1998), associando-o à crise cardíaca que quase matou o argentino em 2004.
maradona
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Desde esse começo Kusturica planeja uma homenagem que não tem nada de isenta, mas um relato personalista de um fã do jogador (e que visivelmente tem prazer nos gols que a "colonial" Argentina fez sobre a Inglaterra "imperialista" na Copa de 86). Quando a câmera se volta para o filho de Emir, o baterista Stribor Kusturica, só consegue perguntar: "E aí, ansioso para encontrar deus?". Encantado com o perfil de rebelde-marginalizado do documentado, com quem os ciganos dos filmes do diretor de fato se identificam, Emir só assiste para Diego chutar.
Uma vez entendido que essa tietagem é uma premissa, dá pra reparar mais nos insights que Kusturica alcança no seu texto em off e nas suas imagens, no decorrer do filme. Cineasta de idealizações, de fantasias, o iuguslavo tenta entender e explicar Maradona comparando-o a divindades gregas, a arquétipos do teatro... Não é, em outras palavras, um exame clínico desse argentino-modelo - que sobrevive hoje de lamentar ou se gabar dos velhos tempos de boleiro, enquanto reclama da política do continente - mas de um exame filosófico, quase metafísico.
Não por acaso, Kusturica pontua momentos-chave da narrativa com um paralelo com a Igreja Maradoniana - culto de fãs do jogador que realiza até cerimônias de casamento dentro de campo. Quando o caminho normal de um documentarista seria driblar esses misticismos para tentar encontrar o Maradona "verdadeiro", um utópico caminho de dentro para fora do objeto de estudo, Kusturica faz o oposto: aceita o mito como sendo o Maradona real, de fora para dentro.
É por isso que cenas como a perseguição de fãs e da mídia numa visita a Nápoles, por exemplo, ou os golaços, ou as músicas sobre Maradona que se entoam na rua ou em karaokês, são a expressão mais real do que ele é e representa. Releve toda a militância chavista-castrista. Kusturica abraça a patacoada ideológica de carona no ídolo, mas ao mesmo tempo seu entendimento do que é ser um ícone da imagem e uma lenda popular é bastante certeiro.
Aliás, isso já estava dito desde a epígrafe que abre o filme, de Charles Baudelaire: "Deus é o único ser que, para reinar, sequer precisa existir".
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Ano: 2008
País: Espanha, França
Classificação: 14 anos
Duração: 90 min
Direção: Sam Blair