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Criou-se nos últimos anos uma daquelas verdades absolutas que surgem periodicamente, vaticinando desta vez que nossos hermanos argentinos vêm produzindo um cinema muito superior ao nosso. Tal teoria ganhou ainda mais força após o polêmico artigo publicado na Revista de Cinema por um de nossos maiores estudiosos, Jean-Claude Bernardet, intitulado nada sutilmente Os argentinos dão um banho nos brasileiros.
O fato é que, se temos a sensação de excelência do cinema argentino, isso se deve porque esse cinema a que temos acesso é apenas um pequeníssimo recorte da enorme produção daquele país. O que chega ao Brasil, na maioria dos casos, é o que de melhor se produziu em nosso vizinho. O argentino que só tivesse acesso a filmes como O Invasor, Lavoura Arcaica, Madame Satã e Cinema, Aspirinas e Urubus, por exemplo, certamente afirmaria o alto nível dos filmes brasileiros, em detrimento da pobreza de sua produção média.
Para cada filme de Lucrecia Martel, Pablo Trapero ou Lisandro Alonso, a Argentina produz - assim como o Brasil - uma infinidade de filmes medianos ou até mesmo medíocres, comédias de costume que visam o grande público e que em pouco ou nada contribuem para a cinematografia argentina.
Herencia, longa de estréia da diretora Paula Hernandez, é um desses filmes que, de tempos em tempos, irrompe por estas paragens, derrubando a tese comum e demonstrando que os argentinos também sofrem de muitos dos males de nosso cinema. Trata-se de uma típica comédia dramática onde dois estrangeiros (ele, um jovem recém-chegado da Alemanha em busca de uma garota pela qual se apaixonou há dois anos; ela, uma sexagenária italiana que veio para a Argentina durante a 2a Guerra Mundial e por lá se estabeleceu) se encontram por acaso e acabam construindo uma amizade - aos trancos e barrancos - com a qual irão aprender e amadurecer. Uma história que já foi contada uma infinidade de vezes, o que leva o espectador a uma contínua sensação de déjà vu ao longo da projeção, embora isso não seja algo que desabone o filme inicialmente. O problema, no caso do filme de Hernandez, é que essa história é narrada através de uma infinidade de clichês e lugares comuns, tanto no roteiro quanto na linguagem utilizada.
Como bem apontou o crítico Eduardo Valente, Herencia pertence à mesma linhagem de O Filho da Noiva - um melodrama com pitadas de comédia, apelo popular e linguagem clássica - mas em tudo perde na comparação para o filme de Campanella. O enredo previsível, os momentos cômicos mal construídos (concentrados em sua maior parte no personagem alemão), a trilha sonora completamente equivocada, a fotografia simplória, tudo contribui para afastar o espectador do drama daqueles personagens.
Há, na verdade, uma bela história soterrada sob o filme de Hernandez, que é a história de Olinda, a imigrante italiana que precisa resolver a decadência de seu restaurante e a nostalgia de sua terra natal. Há em alguns momentos de Olinda - não em todos, mas alguns - uma verdade, uma vitalidade, uma crença por parte de Hernandez naquele personagem, que não existe em nenhum outro do filme. Ajuda a explicar esses lampejos de vida e interesse da personagem o fato de que Olinda, segundo a própria diretora, foi inspirada em sua avó, logo após seu falecimento. Tal proximidade de um fato trágico, vinculado a uma pessoa tão próxima, pode ter ajudado a diretora a se envolver e superar o esquematismo com o qual construiu todo o restante do filme.
O fato é que, infelizmente, a inexperiência de Paula Hernandez pesou, e muito, nessa sua estréia, fazendo com que mesmo uma despretensiosa comédia terminasse pesada, sem ritmo e desinteressante. Diferentemente da sabedoria popular, os argentinos também erram em seu cinema.
Ano: 2001
País: Argentina
Classificação: 12 anos
Duração: 90 min
Direção: Paula Hernández
Elenco: Rita Cortese, Adrián Witzke, Martín Adjemián