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O Segredo de Vera Drake | Crítica

<i>O segredo de Vera Drake</i>

12.05.2005, às 00H00.
Atualizada em 06.11.2016, ÀS 19H01

O segredo de Vera Drake
Vera Drake
Inglaterra, 2004
Drama – 125 min

Direção e roteiro: Mike Leigh

Elenco: Imelda Staunton, Jim Broadbent, Phil Davis, Peter Wright, Adrian Scarborough, Heather Craney, Daniel Mays, Alex Kelly, Sally Hawkins, Eddie Marsan, Ruth Sheen, Helen Coker, Martin Savage, Sinead Matthews, Fenella Wollgar

O segredo de Vera Drake (2004), Leão de Ouro em Veneza em 2004 e indicado a três Oscar, pode até não ser o melhor filme do ano (chega muito perto), mas é certamente um dos mais intrigantes.

Antes, voltemos um pouco na filmografia recente do roteirista e diretor inglês Mike Leigh. Dois de seus dramas mais aplaudidos, Segredos e mentiras (1996) e Agora ou nunca (2002), possuem estrutura similar. Tratam de famílias afetadas por um certo descompasso social - sejam convenções morais ou problemas reais como alcoolismo e desemprego - que prejudica a sua convivência. A princípio só o espectador nota, já que os personagens se acostumaram à rotina. Mas a tragédia anunciada funciona como um infarto: uma hora as artérias, cada vez mais entupidas, vão arriar.

Os dois filmes têm finais iguais: a lavagem de suja roupa íntima serve como uma desobstrução vascular, um diagnóstico salvador no último momento. As famílias sobrevivem porque abrem corações, intimidades e confidências. O segredo de Vera Drake também é sobre uma intimidade escancarada, mas no sentido totalmente inverso. Mike Leigh não quer dar uma lição em seus personagens, mas na audiência. De curiosas testemunhas oculares viramos cúmplices.

O tal segredo do título não é segredo para nós. No dia-a-dia Vera (a excelente Imelda Staunton) é esposa dedicada, mãe de dois filhos, se empenha em casar logo a mais nova. Toda semana, porém, sai de casa escondida para realizar abortos em meninas desesperadas e mulheres descuidadas, muitas das quais não conseguem pagar uma clínica clandestina decente. Vera age de modo maternal mas não se abate. Está lá só para livrar a sujeita do inconveniente. Faz o serviço por caridade e não ganha dinheiro por isso.

Será só por caridade mesmo? A mocidade dela não nos é explicada, muito menos seu casamento precoce. Ao contrário de seus trabalhos anteriores, Leigh começa a negligenciar informação. Diante do espectador Vera Drake mantém a mesma postura fina, polida (e hermética) que conserva diante das visitas a quem serve chá. Ela É o segredo. Nós ficamos sabendo só um pouquinho além do que a família de Vera sabe. E a família não sabe nada.

Podemos até não perceber, mas por curiosidade - seja mórbida, seja natural, seja moral, seja científica - não vemos a hora dessa misteriosa benemerência ser desmascarada - e finalmente explicada. É com misto de terror e gozo que recebemos a notícia de que Vera foi descoberta pela polícia. E estamos na Inglaterra do pós-guerra, tempos conservadores e hipócritas. O destino dela não é dos mais ensolarados.

Aí o filme está só na metade. Leigh então dá o passo de mestre, a apunhalada fatal. "Miseráveis, queriam desvendar todo o mistério de Vera Drake? Pois agora aguentem!", é como se dissesse às nossas costas. Não vale contar o processo pelo qual ela passa, mas tem muito em comum com a crueldade de um Dançando no escuro (2000). A cada evidência apresentada no tribunal, em detalhes doídos, pausados, Vera parece se corroer por dentro, mas é para a platéia que o dedo é apontado de verdade.

Daria para criticar o filme pelo uso pouco humano que Leigh faz de sua personagem. Mas é justamente essa sua intenção: pegá-la como ferramenta, como marionete, para criticar a ânsia reveladora do melodrama, o apego que nós temos pelas vísceras abertas das pessoas. Apego esse, diga-se novamente, que o cineasta soube alimentar muito bem até hoje. Mas com O segredo de Vera Drake é diferente. No fundo Mike Leigh a expõe como mártir para defender o direito à privacidade.

Nota do Crítico
Ótimo
O Segredo de Vera Drake
Vera Drake
O Segredo de Vera Drake
Vera Drake

Ano: 2004

País: Reino Unido, França

Classificação: 14 anos

Duração: 125 min

Direção: Mike Leigh, Mike Leigh

Elenco: Imelda Staunton, Richard Graham, Eddie Marsan, Alex Kelly, Daniel Mays, Phil Davis, Lesley Manville, Sally Hawkins, Simon Chandler, Marion Bailey, Chris O'Dowd, Adrian Scarborough, Sinead Matthews, Leo Bill, Gerard Monaco, Ruth Sheen, Elizabeth Berrington, Fenella Woolgar, Allan Corduner, Lesley Sharp, Liz White, Peter Wight, Martin Savage, Craig Conway, Jake Wood, Jim Broadbent

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