Em outubro de 1928, Virginia Woolf publicou o ensaio A Room of One's Own, defendendo que, para tornar-se uma escritora, uma mulher precisa ter o seu próprio dinheiro e um quarto particular (com chave). O texto, apresentado um ano antes em duas faculdades femininas da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, é considerado um marco do movimento feminista, expondo as diferenças educacionais e civis entre homens e mulheres. Mais de 80 anos se passaram e dinheiro ou a chave de um quarto não são mais obstáculos à emancipação feminina - hoje os problemas são outros.
não sei como ela consegue
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Em Não Sei Como Ela Consegue (I Don't Know How She Does It, 2011), filme baseado no best-seller da escocesa Allison Pearson, Sarah Jessica Parker vive as desventuras da mulher moderna que, além de cuidar dos filhos e do marido (Greg Kinnear), precisa manter uma carreira de sucesso como executiva financeira. Sua personagem, Kate, concilia profissional e pessoal como ninguém (levando diversas pessoas à conclusão do título), mas ainda assim sofre com preconceitos de todos os lados: dos homens no trabalho, que veem a maternidade como uma fraqueza profissional, e das mulheres na escola dos filhos, que consideram que o trabalho prejudica a maternidade.
As intenções do filme são louváveis - a protagonista é suficientemente segura de si para não ver a maternidade como uma ameaça à sua capacidade profissional - mas a execução do diretor Douglas McGrath e da roteirista Aline Brosh McKenna é falha. Não Sei Como Ela Consegue parece um piloto de série de TV; ou melhor, é o piloto de Sex in The City se o seriado de Carrie Bradshaw substituísse a obsessão por sexo pelo desespero de ser mãe. O resto está lá: a narração em off da personagem principal, os depoimentos dos coadjuvantes, a derrubada da quarta parede, a tipificação das mulheres (a protagonista é acompanhada de uma ruiva, uma morena, uma loira...). Os recursos de discurso, que deveriam dinamizar e trazer humor à trama, dão apenas a sensação de que já vimos isso antes.
O filme mistura um espírito "quero ser Woody Allen", com quem McGrath co-escreveu Tiros na Broadway, à ideia de mulher moderna do novo milênio apresentada em O Diabo Veste Prada, filme também baseado em um best-seller e adaptado ao cinema por McKenna. Se fosse vendido como projeto de série de TV, Não Sei Como Ela Consegue sem dúvida se encaixaria no formato de sitcom de meia hora, com os problemas de Kate - questões complexas como educação dos filhos, feminismo, carreira, crise no casamento e traição - tratados com superficialidade e coroados com uma claque no final de cada piada.
O discurso proto-feminista do filme resume-se a dizer que os tempos são outros, que as mulheres não estão mais condenadas a ficar em casa cuidando dos filhos e que são tão capazes quanto os homens para o trabalho. A maternidade, contudo, continua a ser o estado absoluto da plenitude feminina. Quando a assistente workaholic Momo (vivida pela musa nerd Olivia Munn) descobre uma gravidez indesejada, é o nascimento do filho que vai redimensionar sua humanidade, levando emoção a uma personagem que antes parecia um androide. Ou seja, não há opção. A mulher de Não Sei Como Ela Consegue parece muito moderna, mas continua presa a noções de gênero que vigoram desde os tempos de Virginia Woolf.
Eu Não Sei Como Ela Consegue | Cinemas e horários
Ano: 2011
País: EUA
Classificação: 10 anos
Duração: 89 min
Direção: Douglas McGrath
Elenco: Sarah Jessica Parker, Pierce Brosnan, Sarah Shahi, Busy Philipps, Olivia Munn, Jessica Szohr, Kelsey Grammer, Christina Hendricks, Greg Kinnear, Jane Curtin, Seth Meyers, Michael Dean, Ronald Scott Maestri, Mark Blum