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O Signo do Caos | Crítica

O Signo do Caos

10.11.2005, às 00H00.
Atualizada em 10.11.2016, ÀS 06H00

O Signo do Caos
Brasil, 2005
Drama - 80min

Direção e roteiro: Rogério Sganzerla

Elenco: Otávio Terceiro, Sálvio do Prado, Camila Pitanga, Giovana Gold, Eduardo Gabus, Helena Ignez, Freddy Ribeiro, Gílson Moura, Felipe Murray, Vera Magalhães, Anita Terrana, Ruth Mezek, Djin Sganzerla

Na sua vida de cineasta independente, Rogério Sganzerla foi um saudável obsessivo. Um dos seus maiores alvos era o americano Orson Welles - particularmente sua passagem pelo Brasil em 1942, quando tentou filmar o documentário It’s all true. O filme ficou só no ensaio, resultado do repentino boicote pelo Departamento de Imprensa e Propaganda do governo Vargas e pelos financiadores estadunidenses, e se perdeu sem nunca ser finalizado.

O episódio foi assunto de três filmes de Sganzerla - Nem tudo é verdade (1986), A linguagem de Orson Welles (1990) e Tudo é Brasil (1998) - e volta à tona agora. O signo do caos é o último filme do diretor brasileiro, morto em 2004, e finalmente chega às telas, depois de passar anos nos baús e viajar por festivais e retrospectivas desde 2003.

It’s all true é, de certa forma, o grande personagem principal e metalingüístico de O signo dos caos. Ao confiscar os originais do filme wellesiano no cais do porto de um Rio de Janeiro perdido no tempo (mas presumivelmente do Estado Novo), agentes-capangas do DIP levam as latas ao chefe-censor, o Doutor Amnésio, vilão da história, responsável supremo pelo que sai ou não dos porões da censura para o mundo. Amo o que os outros detestam e odeio o que os outros apreciam, é o seu lema.

Dentro de uma sala de projeção, Amnésio julga o filme um perigo, por focalizar muito realisticamente a imagem do Brazil que o governo não quer exportar e ir contra os preceitos carolas da montagem cinematográfica. Ao seu lado, o jornalista Edmar Morel luta pela sobrevivência da película, personificando o bom-senso na eterna discussão com o censor. Se esse filme não serve pra ver, então também a vida não serve pra viver, filosofa.

Essa primeira parte d’O signo foi filmada em preto e branco, película velha e suja como o cenário do debate, e contrasta com o segundo tempo do filme, em cores. Morel se reencontra com sua noiva no cais e os censores se reúnem em uma festa obscena, comemorando a vitória contra a livre expressão da arte, que já se encontra no meio do fogo ou no fundo do mar fluminense. Nada de final feliz por aqui.

Mas uma sinopse linear e simplória como essa é vergonhosa e injusta para descrever O signo do caos. O filme é isso, mas não é - ou pelo menos, não só. A crônica sobre o que aconteceu com o trabalho perdido de Welles nas mãos do governo brasileiro, apesar de traduzir mais uma vez a paixão de Sganzerla, é uma mera superficialidade para discussões maiores.

A fita é uma alegoria agressiva, escarrada pelo cineasta, sobre o estado de dormência permanente do cinema nacional. Classificado como o antifilme de Rogério Sganzerla, O signo do caos é o negativo do adorado superfilme nacional, o cinemão do Brasil-Hollywood que integra as eternas retomadas da nossa produção, sem grandes experimentações ou reviravoltas estéticas.

A censura praticada pelo governo evoluiu e agora é personificada pela indústria, é essa a conclusão que o diretor, que sempre se manteve (ou foi mantido) à margem das engrenagens, quer transmitir. Ele manda seu recado pela boca de seus personagens: hoje qualquer um faz filmes. Ou pensa que faz.

À parte a discussão, o cinema de Sganzerla está todo na tela em sua melhor forma, com o caos semi-ordenado que é sua marca desde O bandido da luz vermelha e A mulher de todos, seus primeiros longas. A montagem fragmentada do cineasta constrói a coerência a partir da incoerência, com fotogramas repetidos, som desencontrado com a imagem, a dublagem fora dos lábios dos personagens.

Referências visuais à obra de Orson Welles (como o amuleto de vidro de Charles Foster Kane, que vai parar nas mãos de Camila Pitanga, presença magistral como a dançarina Furacão de Santos) se misturam a outras influências-obsessões de Sganzerla, como James Joyce e os poetas concretos brasileiros, ao reaproveitamento de clichês nos diálogos e na atuação dos atores (como sempre, em simbiose com o diretor) e à presença debochada da canção Aquarela do Brasil.

Uma labirintite que, como quase nenhum filme nacional, serve para incomodar o espectador - e o capanga desdentado ri nervosa e continuamente da situação e da audiência.

Nota do Crítico
Ótimo
O Signo do Caos
O Signo do Caos
O Signo do Caos
O Signo do Caos

Ano: 2003

País: Brasil

Classificação: LIVRE

Duração: 82 min

Direção: Rogério Sganzerla

Elenco: Helena Ignez, Djin Sganzerla, Camila Pitanga, Giovanna Gold, Otávio Terceiro, Sálvio do Prado

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