Não há momento mais propício para fazer um filme ambientado em um período de paranóia da sociedade do que agora. Se a humanidade e o cinema ainda se adaptam à realidade pós-Pandemia, o sentimento de incerteza e medo que vivemos agora ressoa o que o mundo experimentou durante a Guerra Fria. É justamente esse o período estudado no novo filme de Noah Baumbach. Após esmiuçar atritos familiares e geracionais em Os Meyerowitz: Família Não Se Escolhe (2017) e, mais recentemente, versar sobre a judicialização do amor em História de um Casamento (2019), Baumbach está de volta para mergulhar na sociedade americana dos anos 80, com todas as suas paranoias, delírios e, principalmente, desilusões.
Ruído Branco adapta o livro homônimo de Don DeLillo, e conta a história do professor Jack Gladney (Adam Driver), sua esposa Babette (Greta Gerwig) e os três filhos do casal. A típica família suburbana americana à la Simpsons tem sua vida virada do avesso quando um acidente químico coloca em risco a vida de todo o país. A clara alusão ao temor por um acidente nuclear diante das tensões geopolíticas da época não é gratuita, mas também não é esfregada na cara do espectador.
Porque, no fim das contas, Ruído Branco pode até se aproveitar do momento em que o mundo vivia nos anos 80, mas não quer de forma alguma falar sobre a guerra diretamente, e parece buscar muito mais fazer uma investigação do perfil da família suburbana diante do terrorismo das propagandas capitalistas da época. Terrorismo esse que buscava, ao mesmo tempo, criar no desconhecido o demônio a se enfrentar, mas também alienar para qualquer coisa que fugisse da realidade americana da época.
O uso do acidente químico que prenuncia o fim expõe a frivolidade da vida levada por aqueles personagens, como se para além dos jornais, das compras no mercado e da TV colorida no centro da sala, não houvesse muito o que tirar desse mundo. Se na Bíblia o Apocalipse é a Revelação, Baumbach acompanha essa ideia ao usar o fim do mundo como o descortinamento do estilo de vida capitalista, marcando sempre o desespero que preenche o semblante dos personagens quando percebem estar rumando para o nada totalmente desnorteados e alienados, desde antes do grande evento.
Não parece gratuito, por exemplo, que boa parte das cenas que tenham uma televisão ligada tragam os personagens em um estado de inércia, de letargia, como se estivessem apenas absorvendo os estímulos vindos da telinha. Apesar disso não ser discutido diretamente no filme – uma figura central do período como Ronald Reagan é referenciado muito rapidamente, por exemplo –, Baumbach é astuto ao refletir os efeitos dessa situação na forma como os personagens reagem ao que os cerca. Se a hostilidade de um vizinho ou qualquer transeunte impacta os personagens, a violência direta, praticada com armas, nunca é tratada com a mesma seriedade, sendo quase um alívio cômico. Essa violência é tratada com tamanha naturalidade que jamais surpreende os personagens.
Para contar essas histórias sobre a América, Baumbach toma uma decisão bastante audaciosa de fazer um filme cujo ritmo e o tom estão em constante transformação. Entretanto, é nesses momentos que Ruído Branco derrapa, tendo uma quebra de cadência que por pouco não deixa a obra se dividir entre altos e baixos muito distantes. Mas, para além dessa questão, as mudanças propostas prejudicam por não conseguirem balancear as discussões sociopolíticas que Baumbach pretende alimentar. Nada que, no fim das contas, impeça Ruído Branco de ser, no meio de um mar de mesmice e obviedade quando se fala de cinema político (estou falando de você, Não Olhe Para Cima), uma obra digna de boas discussões sobre as suas próprias discussões.
Ano: 2022
Direção: Noah Baumbach
Roteiro: Noah Baumbach
Elenco: Greta Gerwig, Don Cheadle, Adam Driver