Numa de suas conversas com a terapeuta – feita por Zoom, no celular e debaixo de uma árvore – Paul (Vincent Macaigne) admite uma curiosa saudade do que está, aparentemente, acabando. Isto é, o isolamento feito durante a pandemia de 2020. Não é que ele deseja que o vírus se perpetue, que as mortes continuem ou que o sofrimento seja contínuo, mas aquele período trouxe para ele uma pausa. Algo que ele define com a expressão que Olivier Assayas então coloca no título de seu delicioso, divertido e perspicaz novo filme: Tempo Suspenso.
Continuando o seu experimento metalinguístico que gerou coisas como Vidas Duplas e a reformulação de seu maravilhoso Irma Vep para ótima minissérie na HBO, Assayas relembra seus meses confinado na casa dos pais no interior da França – ao lado do irmão rockeiro Etienne (Micha Lescot) e suas respectivas namoradas Morgane e Carole (Nine d'Urso e Nora Hamzawi) – através da mais fina lente de ficção. Ele não só reescala Macaigne, que já interpretou uma versão levemente alterada do diretor no novo Irma Vep, como narra todo o filme em primeira pessoa, discutindo os acontecimentos e contextos envolvendo Paul como seus. Nada mais justo, claro. Ele, de fato, viveu aquilo.
Tempo Suspenso, então, parece ser a forma de Assayas processar aquela época. Como artista que é, o cinema é seu jeito de entender os comportamentos e discussões que serão para sempre inseparáveis de um momento sombrio da história moderna. Mas, como o artista que é, Assayas faz isso de maneira bem-humorada, com a piscadela de quem sabe o que faz. Quando Tempo Suspenso começa, inevitavelmente sentiremos uma expectativa sombria. Queremos mesmo encarar um filme de pandemia? Ao ver os créditos rolarem, porém, ficamos com um gosto agridoce. É uma sensação que reflete e justifica a confissão de Paul na terapia – não há como negar as dificuldades inerentes à quarentena, mas ela também ofereceu para parte da humanidade uma chance de pausar. Nós paramos. Tempo Suspenso quer entender o que isso trouxe.
Para Paul e os seus, foi a importância do ar livre, da natureza, dos tempos de reflexão, de enfim encarar aquele livro ou filme que você sempre quis ver. De pensar a fundo. À boa moda francesa, não faltam conversas sobre arte, filosofia e psicologia em Tempo Suspenso, mas o filme presta atenção, também, aos modismos da pandemia. Como esquecer de quando todo mundo fazia uma live? Quando não parávamos de comprar coisas online? Ou de ler pesquisas em diferentes sites sobre o tempo de sobrevivência do Covid-19 em papelão? E das brigas entre os mais cautelosos e os menos preocupados com as normas de segurança? Quem está usando máscara e quem não está? Tempo Suspenso é uma máquina do tempo com olhar atento para as maiores especificidades imagináveis, não só recriando com detalhes os modos de comportamentos do lockdown, como encontrando formas de rir – sem menosprezar – daquilo tudo. Assayas não quer tirar graça de quem deixou as compras por horas do lado de fora da casa, ele quer colocar seu braço em nossa volta e dizer: “nossa, a gente fazia isso mesmo, lembra?”
Tempo Suspenso não tenta embelezar a experiência de 2020, nem ignorar as duras realidades daquele ano, mas encara de forma muito honesta todos os efeitos peculiares de parar a correria do Século 21 e valorizar, por inúmeras razões, o ato de respirar. Assayas, pouco depois daquela conversa franca entre Paul e sua terapeuta, inicia um epílogo que deixa bem claro que a doença não estava acabando, essencialmente concluindo o filme com a consciência de que a pandemia não foi algo bom. Ele, porém, também toma a arriscada postura de reconhecer coisas boas que vem com o ato de se afastar. Quando tudo fica congelado, há tempo para apreciar quem, e o que, está à sua volta.
Tempo Suspenso
Hors du Temps
Ano: 2024
País: França
Classificação: 14 anos
Duração: 105 min
Elenco: Vincent Macaigne , Micha Lescot , Nine d'Urso , Nora Hamzawi
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