Tryne Dyrholm em A Garota da Agulha (Reprodução)

Créditos da imagem: Tryne Dyrholm em A Garota da Agulha (Reprodução)

Filmes

Crítica

A Garota da Agulha faz emulação precisa da linguagem dos filmes de monstro

Diretor sueco Magnus Von Horn sai ganhando no jogo das referências e da narrativa

Omelete
4 min de leitura
19.05.2024, às 13H16.
Atualizada em 24.01.2025, ÀS 09H50

Nos clássicos filmes de monstro da Universal, sempre havia algo de queer na criatura da vez. Seja em códigos visuais (o cabelo engomadinho e languidez bissexual de Drácula) ou narrativos (o status de outsider mal-compreendido de Frankenstein), esses ícones do horror se aproximaram dos públicos marginalizados e, uma vez que reclamados por um movimento LGBTQIA+ ávido por ressignificar ofensas passadas, passaram a representar a “monstrualização” do outro por parte dos defensores do sistema, daqueles interessados em manter as coisas como estão. Quase um século depois, A Garota da Agulha, filme dinamarquês que concorre à Palma de Ouro do Festival de Cannes 2024, chega para se apropriar do léxico visual desses filmes e retorcer um pouquinho essa lógica.

As referências clássicas estão evidentes: o preto e branco em alto contraste da fotografia de Michal Dymek (EO) é o básico, mas ele e o diretor Magnus von Horn (Sweat) também reimaginam enquadramentos e movimentos cênicos dos filmes de monstro em vários pontos do longa. Uma porta que se abre rangendo, revelando o rosto branco de uma senhora idosa, a expressão entre raivosa e assustada; a sombra que se estica nas escadas, remanescente do take emblemático do Nosferatu de F.W. Murnau (o expressionismo alemão ecoou forte nesse segmento do horror estadunidense, afinal); o homem mascarado escondido no escuro absoluto do cantinho do quarto de dormir; o aspect ratio acadêmico que revela apenas a pontinha de uma ossada, de uma mancha de sangue ou de alguma outra visão horripilante demais para os olhos humanos.

Enquanto a trilha sonora pesarosa de Frederikke Hoffmeier ecoa ao fundo, alongada em notas sombrias e graves ou fragmentada em pianos agudos em staccato, A Garota da Agulha vai desenhando o que claramente se pretende como mais uma história de monstruosidade criada pela rejeição, pela exclusão preternatural do status quo. Karoline (Vic Carmen Sonne) é a garota com a agulha do título, uma costureira na Copenhague do início do século XX, que se vê em situação cada vez mais miserável após o desaparecimento do marido em combate na Primeira Guerra Mundial. Do envolvimento com o chefe a uma gravidez indesejada, passando pelo retorno de um fantasma do passado, a trama a coloca para flutuar de uma esperança a outra, e de uma decepção a outra, por pouco menos de duas horas de projeção.

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Poderia ser só uma estrada de agruras angustiante, talvez um pouco condescendente, a essa altura quase um subgênero próprio do circuito de festivais europeus. Mas, justamente pela aproximação do filme de monstro, von Horn e seus colaboradores treinam o espectador para buscar algo a mais, ajustam a frequência na qual o longa opera a partir de todo o histórico que o gênero carrega. Então A Garota da Agulha se torna, inesperadamente, a história de uma mulher esmagada por um mundo onde não é bem-vinda, de sua busca desvairada por uma chance de viver com conforto, em um lugar que tenha espaço para ela, e relutante em aceitar que este lugar é na comunidade dos seus semelhantes. Um filme de monstro sobre o monstro - aquele do Frankenstein, e não o do Drácula - aceitando que é monstro.

E que sorte que o filme teve ao encontrar uma atriz como Trine Dyrholm para expressar esse desajuste, essa busca, essa quebra violenta que, às vezes, é só o que resta para o monstrualizado da sociedade. A estrela dinamarquesa, conhecida pela atuação fria e complicada em Rainha de Copas, brinca de novo com o contraponto entre severidade e sedução ao encarnar Dagmar, que se oferece para ajudar Karoline com sua gravidez e depois acaba contratando a protagonista para dar assistência a outras mulheres. Da postura rígida que se quebra quando o filme toma uma curva para o grotesco ao discurso apaixonado e raivoso no último ato, ela rouba o filme para si no melhor estilo dos monstros da Universal, que nunca eram de fato os protagonistas de seus filmes, mas pareciam ser mesmo assim.

A Garota da Agulha, enfim, é o melhor tipo de emulação de um cinema passado - uma emulação precisa, que não se basta na superfície e não se presta a referências fáceis; e uma emulação com propósito, que adiciona algo de novo, subversivo e vitalmente contemporâneo a um texto enraizado no inconsciente coletivo.

Crítica escrita originalmente em 19 de maio de 2024 no Festival de Cannes, na França. A Garota da Agulha foi lançado no Brasil em janeiro de 2025 pelo streaming da MUBI.

Nota do Crítico
Ótimo

The Girl with the Needle

Pigen med nålen

País: Dinamarca/Polônia/Suécia

Duração: 115 min

Direção: Magnus von Horn

Roteiro: Line Langebek Knudsen, Magnus von Horn

Elenco: Trine Dyrholm , Vic Carmen Sonne

Onde assistir:
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