Roland Emmerich amaria The Moon: Sobrevivente. O cineasta sul-coreano Kim Yong-hwa, que está fazendo blockbusters na sua terra natal há mais de uma década, parece ter visto e revisto filmes como Independence Day, O Dia Depois de Amanhã e 2012 antes de escrever e dirigir esta história de uma missão espacial para a Lua que falha devido a explosões solares, deixando somente um de seus três tripulantes vivo… o que dá a largada na corrida para encontrar uma maneira de salvá-lo, é claro. Durante as 2h10 do épico sci-fi dramático que Kim tirou dessa premissa, The Moon emerge muito mais como um filme desastre do que qualquer outra coisa - e serve como lembrete do por quê o subgênero fascinou e fascina tanto o público até hoje.
O primeiro acerto do longa, e talvez o mais fundamental, é entender que o filme catástrofe é essencialmente uma corrida de obstáculos: tudo o que pode dar errado no caminho do protagonista precisa dar errado, porque a graça é acompanhar, com aquele interesse meio angustiado e meio anestesiado de uma matinê de sábado a tarde, como ele consegue fugir de cada arapuca do destino. The Moon, que não tem o orçamento de um blockbuster de Emmerich (o longa foi feito por 18 bilhões de won, o equivalente a aproximadamente US$ 19 milhões), manda bem também ao decidir concentrar esse dinheiro nos momentos de fuga mais fundamentais da trama - a tomada quase contínua do astronauta sobrevivente Sung-soo (Do Kyung-soo) escapando de uma chuva de meteoros é impressionante, mas o primeiro vislumbre dos paineis solares da nave sul-coreana… nem tanto.
Essa priorização de recursos é justamente o que faz com que a limitação do orçamento se torne um detalhe fácil de ignorar. Nas mãos capazes de Kim, The Moon ganha a qualidade fluída e desinibida de um arrasa-quarteirão que não precisa pensar sobre as possibilidades de produção, e assim vai desenvolvendo de forma bastante solta tanto as dificuldades enfrentadas por Sung-soo no espaço quanto o drama político e familiar que acompanha sua conexão com a Terra. Como nos filmes de Emmerich, os personagens deste épico sul-coreano servem mesmo como avatares do espectador, espelhos onde podemos identificar atos de covardia e coragem, altruísmo e mesquinhez, diante de situações extraordinárias. É um jogo emocional barato, é verdade, mas não significa que não funciona - e The Moon executa este passo na cartilha do subgênero com mais dignidade do que o normal.
Daí a necessidade de desenhar as conexões familiares dos personagens, por exemplo. Emaranhar tanto o astronauta Sung-soo quanto o cientista que tenta resgatá-lo no histórico da missão espacial que o precedeu (e que terminou em tragédia) ajuda The Moon a ensaiar uma reflexão sobre os objetivos científicos da humanidade, como eles se entrelaçam com nossas ambições econômicas e com a lógica de competição do capitalismo contemporâneo, e quais são as vidas que ficam para trás quando decidimos persegui-los. Há algo que piegas no apelo à universalidade e à valorização da vida humana acima de tudo que encarna o discurso dos heróis dessa história, é claro, mas o roteiro de Kim também mergulha na decisão difícil que se apresenta diante deles: modificar o sistema por dentro, na medida do possível, ou se refugiar longe de tudo quando o peso das próprias decisões se torna demais para carregar?
A força das performances do elenco atesta, acima de tudo, a efetividade dessa construção dramática de The Moon. Do Kyung-soo (também conhecido como D.O., do grupo de k-pop EXO) se prova um protagonista de cinema catástrofe pelo qual é fácil torcer, equilibrando expressões de ingenuidade e determinação que nunca puxam o personagem demais para um dos lados - no meio campo entre eles, o intérprete acha uma humanidade bastante convincente. Ele também segue a intensidade ditada por Sul Kyung-gu, nome forte do cinema sul-coreano por títulos como Memórias de um Assassino e Inimigo Público, que faz um esforço extraordinário para encontrar variações do mesmo olhar de choque diante das complicações espaciais da missão, mas brilha na hora das grandes revelações dramáticas que o roteiro guarda até o seu terceiro ato.
É claro que há algo de cafona em The Moon, como há também no cinema de Emmerich que parece tê-lo inspirado. O épico de Kim Yong-hwa, no fim das contas, escolhe se estruturar como entretenimento em cima de uma fundação fácil, e não vai atrás de grandes inovações estéticas ou narrativas que o diferenciem tanto assim da massa da qual é feito. O que ele faz, no entanto, é executar essa receita com precisão e um toque de insight, garantindo não só a simpatia dos nostálgicos, como também o respeito de quem procura por 2h e alguns minutos de bom cinemão comercial.
Ano: 2023
País: Coreia do Sul
Duração: 129 min
Direção: Kim Yong-hwa
Roteiro: Kim Yong-hwa
Elenco: Kim Hee-ae, Do Kyung-soo, Sul Kyung-gu