Trem-Bala almeja um cinema de ação popular mas complica na fórmula

Créditos da imagem: Sony Pictures/Divulgação

Filmes

Crítica

Trem-Bala almeja um cinema de ação popular mas complica na fórmula

David Leitch se reúne com Brad Pitt num filme pensado para ser sua consagração

Omelete
4 min de leitura
03.08.2022, às 18H20.
Atualizada em 04.08.2022, ÀS 10H10

Depois de uma longa carreira como dublê, David Leitch fez uma transição bem sucedida para a direção dos filmes de ação, a partir de John Wick em 2014. Sob seu crédito estão apenas cinco longas-metragens - dois deles, continuações de franquias, Deadpool 2 (2018) e Hobbs & Shaw (2019) - mas chegamos agora a Trem-Bala (2022) como se Leitch fosse já um nome de grife, a quem se permite dois caprichos: trabalhar com um elenco estrelado e uma narrativa cheia de idiossincrasias.

A trama é relativamente simples mas vai e volta em digressões de flashback para contextualizar os motivos dos muitos personagens. O mercenário vivido por Brad Pitt é contratado para furtar uma mala dentro do tal trem-bala, que atravessa o Japão. A mala está em posse de dois matadores (Aaron Taylor-Johnson e Brian Tyree Henry) incumbidos de devolvê-la, no ponto final da viagem, ao maior chefe da máfia japonesa, uma figura violenta e misteriosa cuja história se conecta com a dos demais coadjuvantes a bordo.  

Leitch foi dublê de Brad Pitt em seis filmes, então é como se Trem-Bala sacramentasse a carreira do cineasta com esse reencontro (que teve em Deadpool 2 um discreto ensaio). Na tela, Pitt nunca esteve tão à vontade na sua persona desleixada, e o personagem incorpora isso em muitos detalhes, desde o tênis tipo All-Star e o sobretudo folgado até a sua decisão de não mexer mais com armas de fogo. O discurso meio zen meio desconstruído se presta a ser uma variação do velho tropo do matador em fim de carreira, e dá também a senha para que Trem-Bala opere num nível consciente de galhofa que é crucial para seu eventual sucesso.

Obviamente Leitch sabe que, num filme de ação, o que deve ser levado a sério acima do resto é a própria ação. Embora Trem-Bala seja bem econômico na pancadaria em comparação com John Wick, a fisicalidade das cenas é palpável e convincente. Imune à epidemia dos fundos digitalizados dos atuais produtos hollywoodianos, Leitch encena tudo dentro de cenários reais, os vagões do trem, e quando a ação é transferida para o lado de fora percebe-se uma preocupação em manter nesses cenários um certo nível de texturas e camadas para simular um mundo táctil, tangível. O diretor está longe de ser um artista plástico do CGI como Jaume Collet-Serra em O Passageiro (2018), mas Leitch entende o suficiente de iluminação e decupagem para que Trem-Bala e seus impactos nos pareçam reais, mesmo na galhofa.

É uma pena, então, que a narrativa permaneça o tempo todo fugidia. Cada segmento no presente não tem muito tempo para se assentar, porque logo aparecem grafismos na tela chamando um parênteses no passado. O pretexto dos flashbacks é revelar quão intrincada é a rede de relações que envolve uma dezena de personagens, mas ao final dessa enxurrada expositiva fica a impressão de que o roteiro de Zak Olkewicz (baseado no livro de Kotaro Isaka) só conseguiu complicar o que era muito simples e direto. No fim, o vaivém temporal também se presta a ser um alívio cômico, por sua repetição sem freios e seu relativo despropósito.

Não é difícil ver em Trem-Bala um parentesco com Kill Bill (2003-2004) nesses momentos, não só pelas digressões mas também por toda a trama movida a vingança. Enquanto os diretores de Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo, hoje na faixa dos 35 anos de idade, colocam na tela suas referências - o cinema de Spike Jonze e Michel Gondry dos anos 2000 - os dez anos a mais de David Leitch transparecem na influência de Quentin Tarantino. Quando Pulp Fiction saiu em 1994, Leitch começava em Hollywood seu trabalho de dublê. Não é de espantar que ele trate então como um troféu, neste quinto longa, a reivindicação para si de um cinema de ação virtuose, idiossincrático e autoconsciente de suas ironias e reciclagens.

A questão é que David Leitch não é o primeiro candidato a suceder Tarantino, provavelmente não será o último, uma vez que Hollywood não parece hoje capaz de reproduzir com consistência um cinema de ação popular, divertido e ao mesmo tempo sofisticado como foi Kill Bill vinte anos atrás. A despeito de sua ação sem descanso até o último minuto, Trem-Bala não parece o tipo de filme com fôlego o bastante para tomar esse título.

Nota do Crítico
Bom
Trem-Bala
Bullet Train
Trem-Bala
Bullet Train

Ano: 2022

País: EUA

Classificação: 16 anos

Duração: 126 min

Direção: David Leitch

Roteiro: Zak Olkewicz

Elenco: Michael Shannon, Karen Fukuhara, Zazie Beetz, Brad Pitt, Aaron Taylor-Johnson, Bad Bunny, Logan Lerman, Joey King, Brian Tyree Henry, Hiroyuki Sanada, Andrew Koji

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