À primeira vista, pode parecer óbvio o poder das animações para criar universos únicos no cinema e na TV. Com a evolução da tecnologia e o apetite pela novidade, é possível fazer virtualmente qualquer coisa, desde emular o estilo vibrante das páginas de histórias em quadrinhos, até dar vida a bonecos criados em massinha de modelar. Sendo assim, é curioso que Wolfwalkers empregue todos esses avanços para voltar ao passado em uma fábula que encanta ao traduzir de forma singela e elegante o estilo e os costumes da Idade Média.
A animação do estúdio Cartoon Saloon conta a história de Robyn, jovem que sonha em ajudar seu pai na caça aos lobos que atormentam a cidade de Kilkenny. Desobedecendo a ordem de ficar em casa, ela vai até a floresta e conhece Mebh, uma selvagem garota que se revela uma Wolfwalker, povo que tem a habilidade de se transformar e se comunicar com lobos.
Logo nos primeiros instantes, Wolfwalkers encanta graças aos seus cenários belamente desenhados. O impacto é imediato e é fácil se ver imerso nesta história antes mesmo de os personagens darem as caras e a trama se desenrolar. Conscientes da qualidade artística que têm em mãos, os diretores Tomm Moore e Ross Stewart dedicam cortes longos para criar a ambientação da floresta e da própria cidade.
Se a mata desperta a curiosidade pela riqueza de detalhes e do design fluído dos animais, que não à toa se fundem à paisagem como um só, Kilkenny é igualmente única. Apinhado de gente em um design fortemente inspirado na iconografia da era medieval, esse local transpira vida em cada canto que se olhe. Com o passar do tempo, assistir a Wolfwalkers se torna quase uma experiência estranhamente agridoce, já que o visual é tão belo e caprichado que há a sensação de nunca estar aproveitando os quadros completamente.
Mas é claro que um filme não é feito apenas de um visual espetacular, e a animação se sai muito bem também na história que se propõe a contar. Com uma forte influência da cultura irlandesa - lar do estúdio Cartoon Saloon, conhecido pelo sucesso O Segredo de Kells, também inspirado pelo folclore celta -, a narrativa sobre o choque de mundos e o escambo cultural pode parecer clichê em uma primeira vista. Mas os caminhos que a trama toma conferem uma identidade própria que faz muito bem ao projeto.
Quando o assunto é fábula que envolve lobo, é fácil pensar em Chapeuzinho Vermelho ou Os Três Porquinhos, cuja moral está ligada à obediência e às recompensas de um trabalho duro. É inteligente e tocante como Wolfwalkers toma o caminho contrário, se questionando quanto aos problemas de uma obediência cega e o propósito de um trabalho incessante do qual nada se pode desfrutar.
Com isso, a produção utiliza de um gênero antigo para trazer reflexões pertinentes ao mundo atual. E o faz sem subestimar a inteligência de seu público alvo. O foco é claramente o público infantil, e Wolfwalkers não chega a ter a pretensão de desenvolver diferentes camadas de entendimento para pequenos e adultos. Assim, quando passa informações através apenas de imagens e sons, a produção confia que a mensagem será captada. E confia tanto que promove um finale grandioso que reúne todos os aprendizados de Robyn e Mebh ao longo da jornada.
Ano: 2020
País: Irlanda
Classificação: 10 anos
Duração: 102 min
Direção: Tomm Moore, Ross Stewart
Roteiro: Will Collins
Elenco: Sean Bean, Simon McBurney, Eva Whittaker, Honor Kneafsey