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Contatos Imediatos do Terceiro Grau

35 anos do clássico da ficção científica de Steven Spielrbeg

15.11.2012, às 00H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H16

Tela negra. Uma melodia crescente. Um acorde explode em luzes. Começa Contatos Imediatos do Terceiro Grau (Close Encounters of the Third Kind), a maior sinfonia cinematográfica de Steven Spielberg.

Além de ser um filme com roteiro e estética impecáveis, Contatos imediatos conta com um timing invejável. Em 1977, o mercado estava devidamente aquecido. O extraordinário sucesso de Guerra nas estrelas, de George Lucas, despertou o interesse do grande público pela ficção científica. Todo mundo queria mais histórias numa galáxia muito, muito distante. Por sua vez, Spielberg vinha do estrondoso sucesso de Tubarão (1975), película que o catapultou à fama depois de uma década restrito às pequenas produções e seriados de TV. A nova fita do diretor era aguardada com ansiedade.

Apesar de ser completamente diferente de Guerra nas estrelas, Contatos imediatos conseguiu atrair a mesma audiência e tornou-se o terceiro filme a romper a barreira dos 100 milhões de dólares nas bilheterias (atrás apenas dos já citados Tubarão e Guerra nas estrelas). Algum desavisado pode até achar que Spielberg pegou a onda deixada pela obra de George Lucas, mas tal afirmação é totalmente injusta, uma vez que o futuro criador de ET já estava trabalhando na história havia vários anos.

Contatos imediatos do terceiro grau foi lançado em novembro de 1977, mas a versão que chegou às telas não agradou Spielberg. Mais tarde, o cineasta convenceu o estúdio de que precisava terminá-lo de maneira decente e voltou ao set para rodar cenas adicionais. Uma nova versão foi lançada em 1980, com quinze minutos originais removidos e doze minutos inéditos adicionados (incluindo o interior da nave-mãe no final). A partir daí, o cineasta voltou pelo menos mais quatro vezes à fita, cortando pedaços e incluindo outros, até chegar à versão definitiva - lançada em DVD só em 2001: Close encounters of the third kind (Collectors edition). Foram quase 25 anos para finalmente aceitar que seu filme estava pronto, prova da obsessão do diretor pelos detalhes de sua obra.

O primeiro contato

Contatos imediatos deu a Spielberg a oportunidade de contar uma história que ele desejava mostrar havia muitos anos: como seria o primeiro contato dos terráqueos com seres extraterrestres caso estes fossem benévolos? A idéia - apesar de inspirada em películas como 2001 - Uma odisséia no espaço (2001, de Stanley Kubrik, 1968) e O dia em que a Terra parou (The DAY THE Earth stood still, de Robert Wise, 1951) - vinha carregada de originalidade, uma vez que, na época, os OVNIs ainda não tinham sido transformados em religião Nova Era.

Para imaginar como seria essa chegada, Spielberg buscou a ajuda do Dr. J. Allen Hynek (que faz uma ponta no fim do filme), um dos cientistas mais famosos no campo das pesquisas ufológicas. Hynek, um cético declarado, havia sido contratado pelo Exército americano para o projeto Livro azul, dedicado a investigar os relatos de abduções e objetos voadores não-identificados nos anos 50. Anos mais tarde, o cientista foi despedido por falta de provas e decidiu continuar suas pesquisas por conta própria. É nessa época que ele criou o termo Contato imediato, que seria emprestado para o título da obra de Spielberg, e seus níveis: Primeiro grau - contato visual, Segundo grau - contato com evidências e Terceiro grau - contato físico com um extraterrestre.

A história de Contatos Imediatos do Terceiro Grau

A aventura de Spielberg começa extremamente perturbadora. No deserto da Califórnia, durante uma tempestade de areia, aviões julgados desaparecidos desde a Segunda Guerra Mundial ressurgem impecáveis, sem qualquer explicação. A única testemunha da chegada das aeronaves é um senhor mexicano, que exclama quase em transe: El Sol salió a la noche y mi cantó (O Sol saiu de noite e cantou pra mim). Arrepiante.

Seguem-se aparições de OVNIs nos radares de controladores de vôo (solução barata e de impacto para a cena), um navio desaparecido surge no meio do deserto da Mongólia e, a melhor cena, milhares de indianos cantam em uníssono uma espécie de mantra que acompanharia a produção até o grandioso final: Ré, Mi, Dó, Dó, Sol. De onde veio esse som? pergunta o pesquisador das Nações Unidas Claude Lacombe (François Truffaut, diretor expoente da Nouvelle Vague). A resposta é imediata. Milhares de braços em primeiro plano apontam em direção ao céu, cobrindo as figuras dos cientistas estupefatos ao fundo. Genial.

Depois dos mistérios, somos apresentados aos dois protagonistas que, ao lado de Lacombe, seguirão inabaláveis até o final da trama. Roy Neary (Richard Dreyfuss, de Tubarão), sujeito absolutamente comum, pai de três filhos e típico marido americano, é um técnico da companhia elétrica local. Enquanto procurava um defeito na linha de energia, tem um misterioso encontro com um disco voador numa rodovia deserta. A imagem da poderosa luz incidindo sobre o carro parado na estrada rural entrou para o imaginário coletivo de maneira tão poderosa quanto a idéia da barbatana cortando a superfície do mar em Tubarão.

A outra personagem principal é Jillian Guiler (Melinda Dillon), uma mulher cujo filho Barry, um garotinho de apenas três anos, é abduzido pelos seres do espaço numa das mais intensas cenas do filme, que mais tarde seria copiada exaustivamente tanto no cinema quanto na televisão.

Lentamente, Roy e Jilliam começam a enlouquecer. Ela desenha frenéticamente uma montanha, enquanto ele - para o desespero de sua família - empenha-se em tentar esculpir a formação. O grau de obsessão atinge um nível tão alto que Roy, depois de esculpir um prato de purê de batatas, transforma a sua sala de estar em uma gigantesca maquete, destruindo móveis, janelas e até mesmo o cercadinho de patos da vizinha. O descontrole é demais para sua esposa e filhos, que o abandonam à própria sorte. Felizmente, ele é salvo pela mesma imagem que tentava reproduzir. Aparece na televisão a Torre do Diabo, uma montanha no Wyoming que está sendo evacuada pelo exército americano por causa de um suposto vazamento de um vírus letal... claro que se trata apenas de uma manobra do governo para retirar os civis dali, uma vez que o lugar foi escolhido pelos alienígenas para ser o local do primeiro encontro entre humanos e extraterrestres.

Sem pensar nos perigos, Roy e Jilliam partem para a Torre que vêem de maneira tão vívida em suas mentes, buscando desesperadamente a resposta para uma pergunta que nem ao menos sabem qual é.

Parte do fascínio por Contatos imediatos vem do fato de que, até o fim, ainda não conhecemos as reais intenções dos alienígenas. Algumas cenas sugerem brincadeiras, outras o mais puro terror. É só mesmo no clímax, quando Spielberg finalmente revela seus seres do espaço que percebemos que a frase Não estamos sozinhos, utilizada na promoção do filme, não significa que corremos perigo, e sim, que temos um irmão mais velho com quem podemos contar.

Aliás, é esse mesmo clímax que transforma a película numa experiência sensorial incrível. Esqueça os militares paranóicos da ficção científica de hoje em dia. O exército está presente em Contatos imediatos como um mero apoio logístico. São os cientistas que comandam o encontro. A razão predomina sobre a guerra e o resultado é maravilhoso. Raças diferentes se encontram num intercâmbio de culturas baseado no princípio mais óbvio e mais subestimado no mundo moderno: A comunicação. Por meio de uma linguagem formada por cores, luzes e sons, humanos e ETs estabelecem uma relação de confiança que prenuncia um futuro brilhante para a humanidade. Sobre isso, Spielberg comenta: Olho para trás e vejo minha ingenuidade, meu otimismo exagerado. Infelizmente.

Sinfonia técnica

Mas, se a visão de Spielberg de um mundo no qual as pessoas conversassem primeiro para não atirar depois não se concretizou, suas inovações técnicas tiveram um destino muito mais feliz. Em Contatos Imediatos, o cineasta - ao lado do especialista Douglas Trumbull (2001, Jornada nas estrelas, Blade Runner) - realizou algumas das primeiras experiências das modernas técnicas de filmagem, que culminariam em obras como O senhor dos anéis e os novos Star wars.

Pra começar, os primeiros testes de computação gráfica para um longa-metragem foram realizados para Contatos. Na pré-produção, uma enorme nave espacial foi aplicada sobre um campo de futebol. Entretanto, como a técnica ainda estava em seu berço, nenhuma dessas imagens foi utilizada no filme por não transmitir a sensação de verossimilhança desejada. Em seu lugar, entraram as boas e velhas maquetes.

Todavia, como as cenas imaginadas por Spielberg exigiam que as câmeras se movessem em sincronia com os elementos que seriam aplicados mais tarde - como discos voadores e luzes brilhantes -, foi necessário desenvolver uma técnica que guardasse todas as imagens de forma a facilitar seu manuseio mais tarde. Assim, Contatos imediatos foi o primeiro filme a ter gravação digital de imagens em tempo real. No caso, armazenagem em fitas cassete!

Outro importante aspecto criativo foi a opção de Spielberg em transformar o trabalho do compositor John Williams em uma personagem principal da fita. Sem as famosíssimas cinco notas - escolhidas entre mais de 300 combinações -, não haveria o alfabeto básico da conversa no clímax. De fato, esse foi o ano de Williams, quando ele concorreu ao Oscar 1977 com dois trabalhos: Star wars (que venceu) e Contatos imediatos.

Enfim, essa brilhante ficção científica é uma das maiores obras do gênero e, sem dúvida, um dos melhores trabalhos de Spielberg. Uma película gerada numa época em que o cineasta parecia gostar mais de deixar o público abalado a simplesmente entretê-lo com uma diversão leve. Não é por acaso que os maiores filmes do cineasta são aqueles que ocupam as primeiras linhas de sua carreira...

Artigo originalmente publicado em maio de 2004

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