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Festival de Cannes | "A delicadeza feminina encara o lado sombrio de um homem", diz Sofia Coppola

Gótico, sexy e violento, O Estranho Que Nós Amamos aquece debate sobre feminismo na Croisette

24.05.2017, às 08H34.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H37

Na lógica do "mexeu com uma, mexeu com todas", as personagens do febril O Estranho Que Nos Amamos - filme que tem tudo para dar a Sofia Coppola o prêmio de melhor direção no Festival de Cannes - se unem de formas nas raias da morbidez para dar conta de um soldado enfermo acolhido entre elas por pena. Apesar da perna ferida e de estar num ambiente de seus inimigos, o povo sulista dis EUA, o soldado ianque McBurney (vivido por um Colin Farrell no limite da excelência) pode ser uma ameaça às alunas e professoras da escola para moças onde foi acolhido, inclusive para sua reitora, Sra. Martha (Nicole Kidman em seu melhor trabalho em anos).

Ele é perigoso não por ser da facção riva, nem por ser homem - como fica sugerido de início -, mas sim por ser uma figura de caráter dúbio. É uma história sobre aparências que enganam, tirada de um romance focado no lado B da Guerra Civil em solo americano, publicado em 1966 por Thomas Cullinan, e filmado em 1971 por Don Siegel, com Clint Eastwood. Aquele era um filme de meninos sobre meninas imprevisíveis. Este é um filme unissex sobre a ambiguidade - mas feito com a delicadeza de uma cineasta em evolução.

"Existe um ambiente gótico no imaginário do Sul dos EUA que eu quis explorar para retratar o contraste entre a delicadeza de um mundo feminino e o exotismo de um homem sombrio cuja masculinidade é aparente", disse Sofia ao Omelete, ressaltando o processo libertador que foi trabalhar com o fotografo francês Philippe Le Sourd (de O Grande Mestre). "Ele me trouxe uma atmosfera de sombras".

Cannes já vaiou Sofia - o xodó de seu pai, o mítico Francis Ford Coppola, diretor de Apocalypse Now - no passado, em 2006, quando ela veio em concurso com Maria Antonietta. Mas isso não arranhou o prestígio desta ganhadora do Leão de Ouro (por Um Lugar Qualquer) e do Oscar de melhor roteiro (pelo seminal Encontros e Desencontros). Porém, como ela é pop e tem uma legião de fãs, muitas vozes na Croisette se põem a criticar seu novo trabalho comparando-o com a versão seca de Siegel. A dele foi considerada mais precisa nos enquadramentos e mais patológica em seu olhar para as entranhas da América. Mas Colin saiu em defesa de sua diretora.

"Existem remakes que são memoráveis, como o Scarface (de Brian De Palma). Eu vi o original, com Clint, anos atrás, mas aqui me interessou o olhar de Sofia. E o que ela quis foi falar de um mercenário que tem um preço a pagar por suas escolhas", diz Farrell, o único capaz de tirar o prêmio de melhor ator deste festival de Louis Garrel, impecável em Le Redoutable.

Nicole também desponta na briga pelo prêmio de melhor atriz, fazendo de Martha uma figura mais maternal. "Ela é uma mulher que quer proteger sua prole", diz.

Na mais concorrida coletiva de imprensa de Cannes, Sofia repetiu mais de uma vez que esta é uma leitura do ponto de vista feminina do livro de Cullinan, não feminista. "Quero que cada espectador tire suas conclusões sobre esse universo", disse a realizadora. E sua atriz assinatura, Kirsten Dunst, sua parceira desde o cult Vigens Suicidas (1999), ressaltou o lado reflexivo da representação das mulheres. "Estamos falando sobre a conexão feminina", disse a eterna Mary Jane da franquia Homem-Aranha dos anos 2000, que vive uma professora de francês enredada pelo charme de McBurney.

Outra parceira de Sofia, Elle Fanning, vive uma aluna que se deixa encantar pelo estranho. "Fiz este filme chegando aos 18 anos e foi algo novo não precisar ter a minha mãe me fazendo companhia no set", disse Elle.

Sexy do começo ao fim, O Estranho Que Nós Amamos pode mudar a configuração das apostas na premiação em Cannes, a ser anunciada neste domingo, tendo 120 Batimentos Por Minuto, de Robin Pompillo, e The Square, de Ruben Ostlünd, como favoritos. E mesmo que não leve a Palma, já sai com a vitoria de ser o longa mais perturbador de todo o evento em 2017.

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