O Omelete, em parceira com o Trek Brasilis - o melhor site sobre Jornada nas Estrelas do Brasil - conversou com Leonard Nimoy, o eterno Sr. Spock da série clássica de Star Trek. Confira abaixo como foi a entrevista, conduzida por Salvador Nogueira. |
O homem dispensa apresentações. E, apesar de ser o mais competente e consciente ator a passar por Jornada nas estrelas, não há nada que dê a Leonard Nimoy a aparência de alguém arrogante ou inacessível. Foi com enorme cortesia que acolheu meu pedido de entrevista, na sexta-feira passada, 17 de outubro de 2003, de seu escritório em Los Angeles, na Califórnia. E exatamente às 16h de segunda-feira, meu telefone tocou. Eu sabia quem era.
Olá, é o Salvador?, a voz perguntou.
Sim, sou eu.
Olá, aqui é Leonard Nimoy.
Ele obviamente não precisava ter dito isso. Mesmo assim, foi bom para que eu emergisse mais rapidamente daquele devaneio (Não acredito! O Sr. Spock está do outro lado da linha! Fascinante!) e iniciasse um diálogo inteligível.
Oi, estou feliz de finalmente termos conseguido nos falar, balbuciei.
Sim, aqui estamos nós, ele me respondeu, com enorme simpatia.
Veja o que aconteceu na meia hora seguinte.
Primeiro, eu gostaria de perguntar: o que o traz ao Brasil?
Leonard Nimoy: Eu nunca estive no Brasil antes. Estava na hora, eu acho. Há uma comunidade de Jornada nas estrelas no país que eu gostaria de conhecer. E há alguns novos lançamentos de DVD de filmes de Jornada nas estrelas no Brasil de que falarei também.
Ouvi dizer que também haveria uma exposição de suas fotografias. É verdade?
Não, ela não vai acontecer.
Mas houve algum planejamento inicial para isso, não?
Houve alguma discussão a respeito, mas não a concluímos.
Falando de fotografia, por que o senhor decidiu se voltar para essa arte?
Bem, eu trabalho com fotografia há muitos, muitos, muitos anos, desde que tinha treze anos. Não é algo novo. Para mim, é um projeto de longo prazo.
Seu livro fotográfico Shekhina fez muito barulho entre comunidades judaicas, mostrando nudez feminina combinada a objetos ritualísticos hebraicos. Foi intencional?
Oh, não, não. (Risos) Não era essa a idéia. Eu estava apenas seguindo uma visão artística.
Mas o senhor provavelmente imaginou que pudesse haver algum tipo de...
Bem, durante o processo de fazer as imagens, mostrando parte do trabalho para várias pessoas, comecei a perceber que haveria algumas discussões intensas a respeito.
O senhor tem planos futuros para seus projetos em fotografia?
Sim, estou trabalhando em projetos o tempo todo. Várias galerias nos Estados Unidos estão expondo os trabalhos, museus comprando as obras. O Jewish Museum de Nova York acabou de adquirir uma peça do livro. Outros no país estão comprando fotos para suas coleções, e estou trabalhando em novos projetos o tempo todo.
O senhor sente que a recepção dos críticos e do público tem sido positiva?
Sim, as obras têm sido muito bem recebidas.
Mudando de assunto, seus dias como o Sr. Spock estão mesmo terminados?
Oh, sim. Você quer dizer, como intérprete?
Sim.
Sim, com certeza.
O senhor não consideraria voltar se a Paramount decidisse que Spock deve ter outra chance?
É uma pergunta hipotética, o que a torna difícil de responder. Apenas acho terrivelmente improvável que eu receba esse telefonema. Então, não desperdiço meu tempo pensando no assunto. Eles não me ligam faz doze anos. Duvido que haja muita chance de me telefonarem no futuro.
O senhor não esperava nada, nem do último filme, Nêmesis, que era ambientado em Romulus e tinha uma óbvia conexão com Spock?
Eu não tive notícia alguma deles.
Há outra franquia na qual o senhor esteve envolvido, ainda que indiretamente: O Senhor dos Anéis. É verdade que o senhor gravou uma canção, chamada The ballad of Bilbo Baggins?
Muitos, muitos anos atrás, sim. No final dos anos 1960, início dos 1970, eu estava fazendo algumas gravações, e um produtor me enviou uma música chamada The ballad of Bilbo Baggins, que achei encantadora. Eu tinha muito interesse nas histórias dos Hobbits e acabei fazendo uma gravação.
Alguma chance de relançamento?
Para ser sincero, não tenho idéia de onde estão as masters originais. Estou ciente de que, como resultado dos vários filmes de O Senhor dos Anéis, algumas pessoas desenterraram cópias dessa canção e tocaram aqui e ali, mas não espero que a coisa tome grandes proporções. Eu duvido que veremos uma onda da canções Hobbits de Leonard Nimoy ao redor do mundo. Acho que não vai acontecer. (Risos)
Falando da atual mania em torno de O Senhor dos Anéis, como o senhor vê o crescimento assustador do gênero da fantasia, acompanhado pelo declínio da ficção científica, em anos recentes?
Acho que pode ser saudável. A ficção científica, em anos recentes, passou a significar efeitos especiais e explosões. Já as histórias dos Hobbits têm um núcleo de humanidade que acho muito tocante.
De volta ao início, Jornada nas estrelas sempre se preocupou em transmitir mensagens políticas e éticas por meio de suas histórias.
Sim.
Isso foi transportado para os filmes e, de certo modo, para A nova geração. Mas as versões mais novas parecem ter minimizado a importância desta proposta. Como o senhor vê o envelhecimento de Jornada nas estrelas e seu poder metafórico ao longo dos anos?
É uma questão muito boa. Posso responder apenas em parte, porque realmente não tenho prestado muita atenção ao que foi feito nos últimos anos. Eu não sou uma autoridade na história de Jornada nas estrelas. Acredito que, nos primeiros anos, os três em que realizamos a série, e nos primeiros filmes, nós estivemos muito preocupados em tecer comentários sociais e políticos. Acho que isso garantiu grande parte do sucesso. Eu tinha muito orgulho de estar vinculado a Jornada nas estrelas, por causa do conteúdo. Não posso realmente dizer os rumos que a franquia tomou nos últimos anos. Então, seria injusto comentar, porque não vi muita coisa.
O senhor foi convidado para ser o diretor do primeiro filme com o elenco de A nova geração, Jornada nas estrelas: Generations, de 1994, mas recusou, porque foi informado de que não haveria tempo para corrigir os problemas que viu no roteiro. Que problemas eram esses?
Ahhh, faz muito tempo. Estou tentando me lembrar. (Pausa) Eu apenas senti que a história não reunia preocupação alguma que me interessasse. Parecia uma construção mecânica de um conflito com um indivíduo, um indivíduo com quem eu não me importava e que não representava uma força significativa para mim. Eu simplesmente não ligava para ele. Não era algo que me tocasse, ou que eu julgasse acessível.
Fosse o senhor o diretor de Generations, o capitão James Kirk teria morrido?
Oh, outra questão hipotética! (Risos)
Sim, eu gosto de questões hipotéticas, sabe...
(Risos) Eu não sei. Francamente, eu me lembro de ter pensado que era uma morte meio inglória. Era uma batalha no deserto com um cara mau, para quem eu não dava bola, e não havia muita coisa em risco, exceto sua vida, que, claro, é importante, mas... quando Spock morreu, em Jornada nas estrelas II, foi salvando a nave e a tripulação. No caso de Kirk, confrontar essa personagem sem importância e morrer, eu achei terrível. Hipoteticamente falando, se tivesse sido o diretor, teria me esforçado muito para tornar sua morte mais significativa.
Eu acho que a maior crítica com relação à morte de Kirk era de que ela não teve importância, não foi necessária...
Exato.
O senhor e o produtor-executivo Rick Berman mantiveram contato amigável, depois que rejeitou o trabalho em Generations?
Ahhhhnaahhhnaahhh... não tivemos muito contato desde então. Este é o melhor modo de descrever a situação.
Mas o senhor pareceu um pouco hesitante...
Você pode escrever que ele respondeu de maneira hesitante. (Risos) E tem toda razão. Eu hesitei, tentando encontrar um modo de descrever o que aconteceu e a verdade é que não tivemos muito contato.
Entendi.
Para ser sincero, Jornada nas estrelas era o que tínhamos em comum. E como não tive mais relação com a franquia, não é de se surpreender que não tenha tido mais contato com Rick Berman.
Desde então, não houve nenhuma discussão para trazer Spock de volta em outro projeto?
Não. Não que eu saiba.
Para o filme Jornada nas estrelas VI: a terra desconhecida, o produtor Harve Bennett havia sugerido escalar alguns atores para versões mais jovens de Kirk, Spock e McCoy. O estúdio achou que não funcionaria, e o senhor apareceu com outra trama, sobre os Klingons e o fim da Zona Neutra. O que o senhor achou da idéia original de Bennett naquela época, e como veria se a Paramount decidisse trazer um novo elenco para a série original em outro projeto, seja da TV ou cinema?
Achei que Harve teve uma idéia interessante, mas nunca li o roteiro. Então, não posso falar de seu potencial. Ele apresentou o roteiro ao estúdio. Acabei não tendo acesso, e quando me contataram me contatou, o pessoal do estúdio explicou que haviam decidido não dar seguimento àquele filme específico. Você poderia apresentar uma idéia para outro filme? Então, foi o que fiz. Minha relação com o roteiro do Harve Bennett foi só de ter ouvido falar a respeito, mas nunca o li. Então, não posso julgar. É uma idéia interessante, fazer um filme anterior à série original, mas depende muito da execução.
William Shatner disse ter apresentado recentemente uma proposta à Paramount de uma nova série de Jornada nas estrelas. Já que é amigo dele, o senhor sabe algo a respeito?
Não, nós não discutimos isso.
O senhor trabalharia como produtor de Jornada nas estrelas, se a Paramount pedisse? Outra questão hipotética...
(Risos) Acho que meus dias de envolvimento na produção de filmes e séries de televisão estão terminados. Minha vida é muito mais importante para mim agora. Eu não sou mais tão compulsivo ou obsessivo sobre minha carreira como antes. Temos uma vida muito, muito confortável, minha mulher e eu, viajamos bastante. Minha fotografia é uma oportunidade criativa maravilhosa, particularmente porque não me tira de casa por semanas e meses. Eu posso fotografar à vontade, no meu ritmo. Duvido muito que haja algo nos filmes e na televisão que possa me levar de volta a esse tipo de dedicação.
Qual é a diferença entre dirigir filmes com um elenco que se conhece há tempos, como quando o senhor dirigiu Jornada nas Estrelas III e IV, e trabalhar com um elenco sem relacionamento prévio, como em Três solteirões e um bebê?
Obviamente, há uma vantagem tremenda em trabalhar com atores que conhecem tão bem suas personagens, mas devo dizer que, em Três solteirões e um bebê, os três protagonistas, Ted Danson, Steve Guttenberg e, e, e... Deus...
Tom Selleck?
Tom Selleck, obrigado. Embora fossem recém-chegados às suas personagens, eram profissionais fabulosos que imediatamente pegaram a natureza do trabalho, a natureza das personagens e as interpretaram brilhantemente. De forma bem-sucedida, eles encontraram a relação e a química entre si, bem como o bebê. Foi maravilhoso fazer aquele filme, porque tudo se encaixou no lugar naturalmente.
Mas, em termos gerais, é mais difícil trabalhar com atores que nunca interpretaram seus papéis antes?
Falando de forma genérica, sim. Num sentido muito geral, a dificuldade é maior, porque você está à procura das personagens. Mas o mais difícil para mim foi atuar num filme que eu estava dirigindo. Aquilo era fisicamente muito árduo. E eu tenho grande admiração pelas pessoas que fizeram isso por muitos anos, gente como Clint Eastwood. Tenho muito respeito pelo que isso representa. É uma tremenda quantidade de energia, que leva até a problemas físicos. Por exemplo, nos filmes de Jornada nas estrelas em que atuei e dirigi, minha maquiagem levava cerca de duas horas, e eu tinha de estar no trabalho, como diretor, às sete da manhã, o que significava que tinha de sentar na cadeira de maquiagem às cinco. Descobri que adiar para mais tarde era impossível. Meu dia ganhou assim mais duas horas de trabalho.
Sobre a questão da transição, ser um ator com esse grupo de atores e, de repente, se tornar o diretor... como isso se resolveu no estúdio?
Bem, houve alguma tensão quando me designaram para dirigir Jornada nas estrelas III, meu primeiro trabalho de direção na franquia. Acho que os outros membros do elenco estavam meio curiosos, tentando descobrir se aquele seria um projeto bem-sucedido. Pensavam que talvez eu não soubesse o que estava fazendo, mas tudo se resolveu bem. Descobrimos que era possível, que era viável um de nós dirigir sem ser autoritário, e ainda assim manter laços de amizade, garantindo de forma unida o sucesso artístico e criativo. Acho que funcionou bem.
E como foi com William Shatner, no comando de Jornada nas estrelas V?
A mesma coisa, a mesma coisa. Acho que estava claro que Bill tinha uma visão muito forte do que pretendia fazer, e todo mundo respeitava isso. Bill é um sujeito muito, muito trabalhador, algo que merece respeito.
Shatner escreveu em seus livros de memórias que descobriu tardiamente que alguns dos atores da série não estavam muito felizes com ele. Disse que não soube disso enquanto a produção estava acontecendo. O senhor notou algo durante a produção, que alguns atores, digamos, Jimmy Doohan (o engenheiro Scotty), não estavam felizes com Shatner?
Acho que um dos momentos mais divertidos de que ouvi falar, que o próprio Bill me contou, foi quando ele confrontou, finalmente, Jimmy Doohan, depois de ter sabido de seu aborrecimento. Bill o confrontou e disse: Está bravo comigo?. Jimmy disse: Estou. O que foi que eu fiz? Com que você está bravo? Pode me dizer o que é?. Jimmy Doohan respondeu: Esqueci. (Risos) Acho que esse é um comentário maravilhoso sobre a história toda.
E seu projeto radiofônico, Alien voices? O que o motivou originalmente?
Eu adoro rádio. Cresci com o rádio, ouvindo rádio, ouvindo dramaturgia radiofônica. Tenho grande respeito pelos clássicos que se tornaram a base da literatura de ficção científica. John de Lancie, que interpretava Q na série A nova geração e é um homem muito talentoso, veio a mim com a idéia de que podíamos gravar produções de rádio desses grandes clássicos. Fiquei empolgado com a idéia, levamos à divisão de áudio da Simon & Schuster, e eles concordaram em patrociná-la. E fizemos um total de, eu acho, seis produções.
O projeto ainda está ativo?
Não, já fizemos tudo que queríamos fazer.
Então, não haverá novo confronto de Q e Spock?
Oh não, acho que não. Realizamos o projeto com muito sucesso, nos divertimos, interpretamos várias vezes em muitos eventos de Jornada nas estrelas e gravamos para a Simon & Schuster, e é isso.
Houve alguma influência da adaptação de Orson Welles do clássico A guerra dos mundos, de H.G. Wells, para o rádio, em 1938?
A primeira vez que John de Lancie e eu trabalhamos juntos, ele estava dirigindo a produção de A guerra dos mundos e pediu para que eu fizesse o papel que havia sido originalmente de Orson Welles. Isso foi para uma transmissão da National Public Radio. Gravamos, então, e foi o começo do nosso relacionamento.
O senhor aprecia trabalhos de voz, não? Já fez vários para desenhos animados, como Atlantis, da Disney...
Eu gosto muito, e uma das coisas que aprecio é que não envolve grande permanência em locações, não envolve aplicações pesadas de maquiagem, não há preocupação com vestuário, é tudo na imaginação. Eu gosto desse tipo de trabalho.
Ninguém tem a resposta perfeita para isso, mas, para o senhor, o que tornou Jornada nas estrelas tão especial e perene todos esses anos? Todo mundo tem uma explicação. Qual é a sua?
Bem, acho que é uma combinação de coisas. Como disse antes, há um conteúdo, um assunto que tem ressonância, que ecoa em nossa sociedade, e nas sociedades ao redor do mundo. O conteúdo humano, o comentário social, e assim por diante. Também acho que a química do elenco foi muito bem-sucedida, e nós tínhamos um tipo de humor que os espectadores apreciavam. É uma mágica que acontece ou não acontece. Não é algo que se possa projetar cientificamente.
Falando sobre ciência e credibilidade, Spock pode ser lembrado como uma das primeiras, se não a primeira, personagem alienígena verossímil da história da TV. Mas claro que, a princípio, o senhor não sabia que a idéia daria certo. O senhor se preocupou quando Gene Roddenberry convidou-o para fazer o papel?
Eu estava preocupado. Tinha uma carreira razoavelmente bem-sucedida e ativa. Temi que, se a personagem fracassasse, prejudicaria minha carreira. Em um ponto, até considerei a possibilidade de fazer uma maquiagem que me disfarçasse tanto que, quando saísse do trabalho, as pessoas não me reconheceriam. Assim não haveria um efeito lesivo à minha carreira. Mas acabou tudo correndo bem.
O que, naquele momento, fez o senhor pensar que a audiência talvez comprasse aquela personagem?
A coisa que eu mais gostei na personagem foi sua luz interior, porque Gene Roddenberry me disse imediatamente que Spock tinha uma herança dupla, meio humana, meio vulcana. Havia conflito íntimo - ele tentava ser vulcano e controlar suas emoções enquanto seu lado humano continuava presente. Havia a noção de alienação, o fato de que, quando criança, criado em Vulcano, ele não era totalmente aceito, porque as outras crianças sabiam que era um mestiço de mãe humana. Como ator, achei esses traços muito úteis e empolgantes de se explorar.
Eu trabalho hoje com jornalismo científico, e talvez Jornada nas estrelas tenha tido muito a ver com minha escolha profissional. Mas uma coisa interessante que me foi dita é que Jornada nas estrelas pode produzir efeitos danosos no modo como as pessoas encaram a ciência. Certa vez, um astrônomo chamado Donald Brownlee me disse que as pessoas esperam naturalmente (e acho que o papel de Spock enquanto personagem verossímil tem muito a ver com isso) que encontraremos alienígenas com os quais poderemos nos relacionar. Quando dizem talvez haja algumas bactérias em Marte, as pessoas pensam ah, que chato, eu gostaria de encontrar um alienígena com quem pudesse conversar. Como o senhor vê Spock criar a imagem de como deveria ser um alienígena real?
Essa é a primeira vez, desde 1965, quando tomei parte de Jornada nas estrelas... então, faz uns 38 anos... a primeira vez, em 38 anos, que ouço alguém, especialmente um cientista, falar que Jornada nas estrelas ou Spock foram prejudiciais à ciência. Acredite, é a primeira vez. Em compensação, já ouvi inúmeras vezes dizerem que Jornada nas estrelas e Spock estimularam a imaginação das pessoas, a reflexão sobre o Universo, a questão da história e do futuro da humanidade. Temos aqui em Los Angeles um observatório, um grande observatório conhecido como o Griffith Observatory, que está passando por uma reforma enorme. Lá, estão construindo um teatro, a ser usado para apresentações, apresentações ao vivo, palestras, demonstrações, filmes, vídeos, slides, e assim por diante. Será chamado de Leonard Nimoy Event Horizon Theater. Por serem uma instituição renomada, não acho que seus integrantes aceitariam a identificação com Jornada nas estrelas, se acreditassem, por um instante sequer, que a série traz algo lesivo para a ciência. Então, fico profundamente chocado em saber que alguém fala sobre os malefícios de Jornada nas estrelas à ciência. Tive a chance de conhecer Phillip Morrison, do Instituto de Tecnologia da Massachusetts, quando estava preparando a história para o quarto filme, Jornada nas Estrelas IV: a volta para casa, que acabou sendo a película com as baleias. Tivemos uma conversa fascinante. Há um filme chamado O dia em que a Terra parou. Perguntei se ele o conhecia. Você o conhece, Salvador?
Sim, é um filme de Robert Wise.
Exatamente. E perguntei se ele o conhecia. Morrison disse que se lembrava vagamente. Eu o lembrei de uma cena em que a personagem interpretada por Sam Jaffe, uma espécie Albert Einstein, um grande cientista nos Estados Unidos, lutava com um problema no quadro negro, uma equação muito complexa para a qual não havia achado uma solução. Quando o homem de outro planeta interpretado por Michael Rennie viu a expressão matemática inacabada, deixou, no quadro, a resposta correta. Quando se deparou com a solução, Sam Jaffe entendeu que alguém com conhecimento superior ao seu havia estado ali e colocado a resposta. Assim que descobri que foi Michael Rennie, ele lhe diz: Há algumas questões que eu gostaria de lhe fazer. A idéia é que o cientista perguntaria coisas que vêm assolando a humanidade. Então, indaguei a Morrison: Se você estivesse na presença desse alienígena, o que gostaria de saber?. Morrison, um astrofísico respeitado, me disse: Não funcionaria assim. Se - e quando - contatarmos uma inteligência alienígena, levaria um tempo incomensurável, talvez uma eternidade, para comunicarmos idéias como essas. Ele acredita que a ficção científica sugere que há outro mundo, cem anos, talvez várias centenas de anos, à nossa frente, e que estamos todos correndo num traçado similar, paralelo. Simplesmente, não deve ser assim. Os alienígenas podem ser construções orgânicas totalmente diversas, suas mentes podem funcionar de maneira diferente, talvez nem consigamos dialogar com eles. E foi esse papo que me ajudou a entender que, sim, há, na ficção científica, a sugestão de que encontraremos um meio de falar com os alienígenas e que alguns deles seriam mais primitivos, outros mais sofisticados do que nós. E essa conversa me levou ao uso das baleias e do canto delas em Jornada nas estrelas IV: a volta para casa. Comecei a entender que, naquele canto, havia uma comunicação que não era projetada para os humanos, que nós talvez nunca a entenderemos. Então, essa é minha longa resposta ao seu comentário de que a ficção científica foi prejudicial à ciência. Não acredito nisso. Há diferenças entre ficção científica e ciência, mas, por outro lado, há grandes cientistas que me disseram que sua imaginação foi despertada pela ficção científica.
Entrevista realizada em 20 de outubro de 2003.
Para saber tudo sobre Jornada nas Estrelas visite o TREK BRASILIS.