Finalizado em 2009, o misto de ficção científica e horror Splice - A Nova Espécie finalmente está chegando aos cinemas brasileiros. Foi uma longa espera, mas não tão longa quanto o tempo que o diretor Vincenzo Natali aguentou para realizar este seu quarto longa-metragem, sobre dois cientistas que brincam de Deus, misturam DNA humano com animal e geram uma criatura chamada Dren que cresce perigosamente rápido.
Conversamos por telefone com o diretor, que nasceu em Detroit em 1969 e mudou-se ainda bebê com a família para o Canadá, onde estudou cinema. Natali fala da concepção de Splice, do tempo que levou para executá-lo, do atual momento da ficção científica e também de seu filme mais famoso, Cubo, que o lançou em 1997.
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Eu sei que você tem esperado desde 1999 para fazer esse filme...
Sim, foi um longo caminho.
Por conta disso você pôde utilizar efeitos especiais mais modernos. Você acha que se tivesse feito Splice em 1999 ficaria muito diferente?
Na verdade, fizemos um teste em 1999, com os efeitos da época. E até que ficou bom. Acho que a diferença é que há dez anos teria sido muito mais caro. Poderia ter ficado muito bom, talvez não tão bom quanto agora. A pessoa que estava produzindo na época disse que não conseguiríamos fazer com o orçamento que tínhamos. Então a tecnologia não mudou muito, foram só os preços que cairam. Tudo ficou mais acessível.
Para criar Dren, sei que você utilizou computação gráfica com os olhos e o rabo, mas o corpo era de atrizes com maquiagem e prótese, certo?
Não tanto, depende muito do estágio. Todos os estágios da evolução de Dren são diferentes. A Dren criança tinha, sim, um pouco de maquiagem, algumas próteses. Mas no estágio adulto nós não tinhamos quase nada de maquiagem. Era só uma maquiagem sutil e os efeitos visuais.
Você chegou a utilizar algum tipo de captura de movimento?
Não. Eu tentei utilizar atores tanto quanto pude, e depois aprimorar com efeitos visuais... Nos estágios em que Dren era mais nova existem cenas onde ela é completamente digital, mas eu tentei não utilizar muito isso.
Você trabalhou com o supervisor de efeitos Greg Nicotero, que agora está em alta por causa de The Walking Dead.
Sim. Na realidade, era Howard Berger que estava mais no set. Howard é parceiro de Greg, e eles estão bem famosos por causa da empresa de efeitos de maquiagem... Eles foram ótimos, fizeram coisas maravilhosas.
E quanto ao design da criatura? Eu consigo ver um toque de H.R. Giger. Dren é sensual por ser tão esguia, como o Alien de Giger.
Na realidade, eu trabalhei com vários designers do decorrer do filme, tudo isso durante um longo período de tempo. Então Dren já estava muito bem pensada quando fizemos o filme. Eu diria que ela é filha de muitos pais e muitas mães, todos deram uma contribuição. Mas tenho certeza de que subconscientemente ela é do Giger, por seu trabalho ser tão erótico. As reações de repulsa e atração que temos diante de Dren são uma provocação.
E é bem importante que você mantivesse esse visual sexy para Dren.
Exatamente. Essa foi a questão; achar um modo de ligar sexy e perturbador. Eu nunca quis ir muito longe em nenhuma das duas direções. Acho que o fator que mais contribuiu para tudo isso foi Delphine Chanéac [atriz que interpreta Dren adulta], que foi simplesmente incrível. Ela tem uma presença extraordinária na tela, e ela realmente deu emoções a Dren.
Você comentou que trabalhou com diversos designers. Como foi isso? Cada fase de Dren foi ideia de uma pessoa ou foi mais uma mistura?
É, foi misto, mais ou menos como o DNA da Dren. [risos] Misturamos diversas ideias e as combinamos para transformá-la em algo melhor do que se juntássemos partes diferentes. No começo eu desenhei um pouco do que tinha em mente, depois trouxe um ótimo artista de Nova York chamado Andrew Grant, que fez bastante coisa, e depois mais um cara de Toronto chamado Amro Attia. Até os caras de efeitos visuais deram alguns palpites. Então é difícil realmente responsabilizar alguém pela criação de Dren.
Uma coisa que eu particularmente achei inteligente foi na cena de dança. Parece que ela está usando salto alto, mas na verdade ela tem aquele pé estranho.
[risos] O engraçado é que quando eu desenhei aqueles pés, eu queria que eles parececem com saltos altos, queria que eles tivessem aquele aspecto. E quando estávamos fazendo Dren, colocamos a atriz em vários tipos de engenhocas, e decidimos que qualquer coisa que adicionássemos na atriz limitaria sua movimentação. Então nós acabamos usando saltos altos. [risos] Quer dizer, ela estava usando saltos altos de verdade!
Mas isso é importante, pois é o momento em que ela amadurece de fato.
Sim, exatamente.
No filme, você lida com genética, as possibilidades que ela oferece, o certo e o errado. Você acha que é uma questão de responsabilidade científica ou nunca deveríamos mexer com isso?
Eu não acho que temos escolha, acho que vamos acabar seguindo esse caminho de qualquer forma. Abrimos a Caixa de Pandora e agora temos que explorá-la, e, assim como com qualquer outro tipo de tecnologia, existe um lado bom e um lado que é potencialmente perigoso. Só temos que lidar com isso com responsabilidade, essa é a minha opinião. O que mais temo em termos de tecnologia é a comercialização de tudo isso. Eu vejo grandes corporações que praticamente não têm moral. E sem moral... Eu acho que quando você lida com criação de novas formas de vida ou mesmo alterar aspectos dos tipos de vida que já existem... Isso é uma combinação muito perigosa.
É uma ótima oportunidade para um filme de ficção científica...
Certamente. Eu acho que Splice é apenas uma de várias histórias diferentes que podem ser contadas sobre genética. Eu tive alguns problemas na hora de decidir o caminho do filme, eu poderia ter utilizado outras questões e outros meios de falar nesse assunto. E ainda vamos ver muitos filmes sobre isso. Para mim, é tudo muito parecido com a indústria da informação.
E você ficou com uma porta bem aberta para uma sequência. Você tem planos de fazer uma?
Não. Eu sei que é ótimo que filmes apostem em sequências, mas essa não era minha intenção. Eu realmente penso assim, porque aquele me pareceu o jeito certo de terminar a história. É a história de uma mulher que realmente queria um filho e tinha medo de ter um, e aí meio que criou um filho substituto usando a tecnologia. Eu acho que poderia, sim, existir uma sequência para Splice, eu não impediria de acontecer, mas essa não é minha intenção.
Em que pé está Paris I'll Kill You? Será mesmo uma coletânea de curtas de horror na Cidade Luz?
Sim, vai ser bem divertido.
E como tudo está indo?
Eu acho que eles ainda estão financiando o filme, levantando dinheiro. Então ainda não está indo. [risos] Mas eu sinto que vai dar certo. E se esse for o caso, vamos provavelmente filmar na metade do ano. Eu já havia feito um dos curtas de Paris, Eu te Amo, que é o contrário de Paris I'll Kill You. Vai ser bem divertido pra mim, pois vou voltar ao mesmo assunto. E eu me diverti muito em Paris, Eu te Amo.
E aquele já era um curta de terror...
Exatamente! Pode parecer que eu estou me repetindo, mas eu não podia dizer 'não' à oportunidade. Foi tudo muito divertido.
E aqueles acessos ao lado do Rio Sena são meio sinistros, dá pra fazer muita história de terror por lá.
Eu também acho, realmente é. Eu jantei com alguns dos diretores há alguns meses e todos estão bem empolgados para voltar. E eu acho que vai ser bem divertido.
Vamos voltar um pouco no tópico da ficção científica. Eu acho que depois do sucesso de Star Trek Hollywood e o público estão mais abertos para esse tipo de filme. Você concorda?
Sim. Eu também acho que A Origem explorou bem ficção científica, assim como Distrito 9. Eu concordo completamente, eu acho que estamos criando agora os rascunhos de ótimos filmes de ficção científica. Eu acho que estamos vivendo numa época de ficção científica. O mundo evolui tão rápido e em modos tão inesperados que ainda não estamos certos de pra onde estamos indo. Em alguns sentidos parece mesmo que o presente é o futuro e vice-versa. E tudo isso me deixa bem animado. Vou tentar me manter nesse segmento o máximo que puder. [risos]
Em Splice, você teve a ajuda de Guillermo del Toro. Ele é o cara que está levando pra frente esse tipo de filme de horror em Hollywood, está tentando fazer Lovecraft etc. Como foi a ajuda dele? Foi vital a Splice?
Eu diria que sim. Ele, para mim, é como o padrinho de Dren. Ele estava lá para ajudar quando precisávamos de sua ajuda, mas ele nunca interviu. O envolvimento dele realmente legitimou a produção, e foi isso que nos ajudou a levantar fundos. Splice é um filme independente em uma parceria entre Canadá e França, então ter um nome de peso como Guillermo envolvido no projeto ajudou muito. E durante o processo de criação e de realização do filme ele me deu ótimos conselhos, e até quando o filme saiu ele ajudou a promovê-lo. Ele é uma ótima pessoa, como um personagem mágico. [risos] Ele é bem carinhoso e super inteligente, uma figura muito importante não só no cinema de terror e fantasia, mas também um ótimo empresário e um artista fantástico.
Você também já trabalhou com Joel Silver, que já está tentando fazer Monstro do Pântano há algum tempo. Mencionaram que você poderia estar envolvido no projeto. Você acha que dá certo?
Acredite, eu quero muito fazer, e o único problema é que a coisa, juridicamente, é um pântano em si. Existem muitos problemas legais ligados à propriedade que não serão resolvidos tão cedo. Coisas bem loucas aconteceram, eu acho que alguns dos contratos originais foram destruídos em um incêndio. [risos] Vai realmente demorar um tempo para reorganizar tudo. Mas é algo de que eu quero muito participar. É um dos meus quadrinhos favoritos, particularmente o estilo do Alan Moore que me influenciou muito na minha infância. Eu tenho certeza de que o filme será eventualmente feito, só vai demorar um pouco.
Você acha que depois de Splice as pessoas vão começar a ir atrás de você com ofertas de projetos? Mais do que te procuravam em 2005, 2006?
Sim, acho que vai ajudar um pouco, mas nunca foi muito fácil. É culpa minha, não há muitos projetos por aí que eu gostaria de fazer. Eu sou bem chato, fico escolhendo muito. E eu sempre tenho dificuldade em conseguir que alguém faça minhas ideias loucas.
Mas ser chato e escolher a dedo é uma coisa boa.
[risos] Algumas vezes eu me pergunto isso... Mas obrigado. É que dá tanto trabalho fazer um filme, é uma carga muito grande, que se não existir paixão sobre a ideia vira um trabalho muito árduo. É muito difícil fazer filmes que você não ama. Mas Splice realmente ajudou muito, eu já tenho alguns outros projetos em mão e vamos tentar torná-los realidade.
Alguma coisa que possa nos contar?
Sim, eu só não sei ao certo qual será o próximo projeto, mas um deles é uma adaptação do romance de William Gibson, Neuromancer. Esse é um livro muito importante para mim e um projeto bem empolgante, mas é bem grandioso, um filme de grande escala. Então vamos ver o que acontece. É uma época muito difícil agora para se fazer filmes, seja independentemente ou em estúdio, as engrenagens estão rodando bem devagar. Então vamos ter que ver o que acontece, mas eu ainda tenho esperanças.
Seguir independente é uma boa forma de trabalhar?
A verdade é que a indústria independente de cinema não está em boa forma. A Weinstein Company está com algumas dificuldades, tem estúdios fechando... Não está sobrando quase ninguém. A Lionsgate é um dos últimos estúdios pequenos que pode garantir um filme comercialmente grande, e todo o resto é realmente muito pequeno. Eu acho que isso vai eventualmente mudar, mas no momento é bem difícil financiar um filme pequeno.
A produção entre o Canadá e a França te ajudou, então. Você acha que as pessoas da França são mais abertas a esse tipo de projeto?
Sim, só conseguimos fazer Splice por ser uma produção francesa. Nenhum estúdio nos EUA faria o filme. É possível, especialmente se você está fora dos Estados Unidos. Eu tenho sorte de ser canadense, pois existe um forte incentivo fiscal e várias formas de se arrecadar dinheiro com filmes canadenses. Eu nunca teria isso disponível se fosse estadunidense. E também a tecnologia está se tornando tão acessível que é possível fazer um filme sozinho. Se você é um cineasta iniciante, isso de certa forma é bom, pois você pode investir pouquíssimo dinheiro e fazer um filme completo sozinho. Isso é uma coisa que não era possível há cinco anos. O mais caro é conseguir um lançamento em cinema nos Estados Unidos. Então você pode até fazer um filme pequeno, conseguir uma distrubuidora, mas suas chances de ter esse filme exibido em 1.000 ou 3.000 cinemas são muito pequenas.
Ao mesmo tempo, se você já tem o filme completo, fica bem mais fácil vendê-lo do que no estágio conceitual.
Absolutamente. Eu acho que, nesse sentido, hoje é uma ótima época. Acho que a Internet também tem ajudado muito. Teve um cara do Uruguai que fez um curta de cinco minutos sobre uma invasão alienígena que ficou incrível, e ele colocou o vídeo na rede e depois de um tempo conseguiu um acordo para dirigir um filme com Sam Raimi, o que é fantástico. Isso não teria sido possível há cinco anos. Nesse ritmo... Nós temos boas coisas acontecendo agora.
Já faz quase 15 anos que você realizou Cubo. E se alguém sugerisse um remake?
Eu não me importaria [se alguém fizesse]. Na verdade, existem rumores sobre isso atualmente e eu realmente não me importaria. Eu acho que uma coisa como essa seria um elogio, porque isso significaria que o filme original ainda permanece presente. E até as sequências do filme, nas quais eu não tive envolvimento, de uma certa forma me deixam feliz, pois não teriam acontecido se o público não tivesse gostado do primeiro. Então eu aceitaria um remake facilmente. Eu não me envolveria. [risos] Um Cubo já é o suficiente, mas eles teriam minha bênção.
Hoje, vendo o filme, ele é meio um precursor de Jogos Mortais, tem até um pouco de A Origem. Nesse sentido, permanece moderno.
Puxa, obrigado. É uma daquelas ideias pelas quais você fica meio reticente de assumir o crédito, eu sinto que ela meio que caiu no meu colo. É como se tudo já existisse antes mesmo de eu tê-la achado. Foi uma coisa meio mágica, e eu já sentia naquela época que seria uma coisa muito especial e atemporal. Então obrigado por dizer isso.
E eu concordo com você, também acho que um único Cubo é suficiente.
[risos] É uma história bem limitada, já foi bem difícil conseguir transformá-la em um único filme, conseguir que o conceito se esticasse por 90 minutos foi bem desafiante. Qualquer coisa a mais que isso eu já não sei. [risos]E já foi bem duro de fazer. Na verdade, filmar dentro de uma caixa é uma coisa realmente difícil, tanto técnica quanto fisicamente. Não é muito divertido...
Mas como você filmou? Você tinha um cenário só?
Bem... Sim, nós construímos um cubo e meio. O mais difícil era lidar com a iluminação. E nós tivemos pouco tempo de filmagem e pouco dinheiro, então... Na verdade, foi a coisa mais difícil que eu já fiz na vida. [risos] Quando chegamos no final, eu estava quase morto, eu parecia um cadáver. [risos]
Em comparação, como foi o processo de Splice?
Splice também foi bem difícil, todos eles são difíceis. Splice também quase me matou, mas de uma maneira diferente. Foi mais o tempo. Splice levou muito tempo para ser feito. O estresse veio do fato de termos muito pouco dinheiro e Dren precisava ficar perfeita. Levamos literalmente anos para terminar o filme, então durante esse período eu realmente fiquei cansado. Mas é isso que se tem que fazer. É como ter um filho, exige muito de você, mas em compensação você recebe tudo de volta depois.
Muito obrigado pela atenção.
Eu que agradeço. Realmente espero ir ao Brasil algum dia. Nunca tive a oportunidade, e eu realmente gostaria de conhecer o país.
Eu não sei se o Brasil é um bom set para um filme de horror, mas nunca se sabe.
[risos] Talvez para um filme de ficção científica. Mas eu realmente gostaria de visitar o país, deve ser um lugar incrível.
Splice - A Nova Espécie estreia nesta sexta-feira no Brasil.