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A Travessia | Crítica

Teste de tolerância, filme redefine as noções de vertigem no cinema

03.10.2015, às 10H42.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H37

É comum nos filmes do diretor Robert Zemeckis, de Forrest Gump e Náufrago ao recente O Voo, que a jornada de superação de seus heróis se confunda com um senso de espetáculo e de individualismo. Nesse sentido, A Travessia (The Walk, 2015) é um dos seus filmes mais radicais, porque Zemeckis praticamente abre mão da jornada em nome do show.

O filme reconta a performance do equilibrista francês que atravessou as Torres Gêmeas andando em um cabo de aço em 1974, já mostrada no premiado documentário O Equilibrista. Embora Zemeckis reconte a juventude de Philippe Petit (interpretado por Joseph Gordon-Levitt com dedicado sotaque francês), não dá pra dizer exatamente que A Travessia é um filme sobre a sua vida; o diretor evita problematizar os motivos de Petit, seus relacionamentos, e encontra no personagem apenas um voluntário para a verdadeira história que quer contar, a das Torres Gêmeas.

Assim como no documentário, Petit e WTC se confundem como símbolos do empreendedorismo e da superação, e o aspecto humano dessa história ganhou uma inegável dimensão dramática depois do 11 de Setembro. Em A Travessia, longa ambientado na época da inauguração das Torres, Petit é o homem que batiza os edifícios, até então vistos como dois gabinetes gigantes sem personalidade pelos novaiorquinos. Zemeckis não se preocupa com sutilezas na hora de mexer com as cores dos seus cenários digitais, e substitui o cinza da cidade pelo pôr-do-Sol mais alaranjado para se despedir das Torres Gêmeas quando a travessia se completa.

Até que isso aconteça, porém, temos Petit. Desde o começo, o cabelo estranho, as lentes de contato azuis e o esforço bilíngue de Gordon-Levitt tornam o personagem uma figura estranha, e A Travessia tratará de afastá-lo ainda mais de nós. Ele surge como narrador desde a primeira cena, contanto a posteriori tudo o que veremos ao longo do filme, e ao se "descolar" do que assistimos Petit fica mais alheio - como se fosse mesmo só o condutor da homenagem.

Nada isola mais Petit do contexto, porém, do que o chroma-key e o 3D nas cenas quem envolvem equilibrismo, mesmo quando ele treina em cordas esticadas entre árvores num parque. Nessas horas a impressão é de que A Travessia mantém seu herói sobre a corda e só vai substituindo os fundos. O colorido bucólico artificial do começo do filme na França, saído diretamente da paleta de Amélie Poulain, não ajuda a dar a esse personagem um lugar no mundo além desse lugar de sonho.

Bem, no seu radicalismo, talvez Zemeckis esteja fazendo mesmo um filme todo delirante, um capricho onírico que encontra no clímax sua expressão plena. A piada que já se conta é que não vemos a hora de Petit subir logo nas Torres, e quando ele chega lá pedimos pelo amor de Deus para ele descer. A Travessia redefine as noções de vertigem no cinema, e nessa hora até parece justo que esse filme exista apenas em função do milagre tecnológico que torna a façanha de Petit tão desesperadora para o espectador. (Parece redundante sugerir, mas prefira ver o filme em 3D, na maior tela possível.)

Nota do Crítico
Bom
A Travessia
The Walk
A Travessia
The Walk

Ano: 2015

País: EUA

Classificação: LIVRE

Duração: 100 min

Direção: Robert Zemeckis

Roteiro: Robert Zemeckis, Christopher Browne

Elenco: Joseph Gordon-Levitt, Ben Kingsley, Charlotte Le Bon, Ben Schwartz, James Badge Dale, Steve Valentine, Sergio Di Zio, Mark Camacho

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