ATENÇÃO: Spoilers de Pinguim a seguir!
Se Colin Farrell e a HBO forem espertos, “Bliss” será o episódio submetido para representar o protagonista de Pinguim na votação do Emmy 2025, no ano que vem - a famosa Emmy tape, para os mais versados no universo das premiações hollywoodianas. O terceiro capítulo da série derivada de Batman representa uma culminação inesperadamente doída da performance de Farrell como Oz, a transformação do personagem de uma caricatura esboçada do vilão das HQs em um protagonista masculino de televisão apropriadamente machucado, uma desconstrução do gângster anti-herói das histórias do gênero, uma reimaginação do Pinguim na forma de efígie do sonho americano (Gotham também é parte dos EUA, afinal de contas).
E Farrell atinge cada uma dessas notas com a obstinação de um ator que sabe estar diante de um papel emblemático para a sua carreira. De meados do episódio, quando Oz está conversando com Victor (Rhenzy Feliz) no restaurante e ouvindo a história trágica do pai do garoto, que nunca venceu na vida apesar de trabalhar duro, até o confronto com o aprendiz dentro do banheiro da boate chinesa, onde ele pega o fio da meada daquele diálogo inicial para completar a sua destilação raivosa da lógica mate-ou-seja-morto do capitalismo tardio, o arco desenhado pelo roteiro de Noelle Valdivia (Smash) é percorrido pelo protagonista através de um entendimento profundo dos ressentimentos, das verdades e das mentiras que o formam.
Por isso que, quando Oz finalmente aparece à beira das lágrimas, do lado de fora da boate conversando com Sofia (Cristin Milioti), não parece um momento fora da curva para a caracterização do personagem - Pinguim, e especialmente Farrell, fizeram por merecer (ou fizeram por entender) essa fragilidade. Enfim, se o primeiro capítulo de Pinguim se apoiou no bom humor para nos lembrar de sua origem quadrinística, e o segundo quase derrapou ao tentar transformar esse impulso em uma narrativa sustentável, “Bliss” chega para provar que a série da DC tem substância como drama de personagens, e diligência retórica para chegar, pelo caminho da caricatura e do discurso pop, nas realidades humanas que nos envolvem de verdade em qualquer narrativa.
Os dividendos dessa diligência aparecem com Oz na segunda metade do episódio, sim, mas também já se mostram evidentes quando “Bliss” abre com um flashback de Victor durante o dia do ataque terrorista do Charada, que inundou as vizinhanças mais pobres de Gotham - incluindo o apartamento de sua família. Pinguim toma tempo para criar dinâmicas simples e convincentes para esta outra vida do personagem, que não só ampliam o impacto emocional do momento em que ela desmorona, como também endossam e dão peso à sua hesitação na parte da narrativa ambientada no presente, no dilema entre uma vitória “fácil” e uma construção de vida “difícil” que se apresenta diante dele quando confrontado por Oz.
E o diretor Craig Zobel, que nesses três primeiros capítulos se mostrou um facilitador essencial para os paralelos dramáticos de Pinguim, trata de cortar entre o perfil de Victor e o perfil do Pinguim nos momentos mais intensos desse dilema. Alinhados assim, eles são - ou estão a caminho de se tornar - mais parecidos do que à primeira vista. Eu nunca disse que a série da HBO era sutil, mas ela certamente funciona.