É difícil saber para onde olhar quando o Super Junior está no palco, a poucos metros de distância, em meio a uma performance de “Sorry Sorry”, “Bonamana” (versões metal!) ou qualquer outra canção icônica de seus 18 anos de carreira no k-pop. Visualize a cena: enquanto um dos integrantes toma a frente para entoar a parte da música que lhe cabe, tirando o melhor do seu momento sob os holofotes com poses e expressões bem ensaiadas, outros quatro ou cinco membros do grupo se organizam em alguma formação complexa para executar seus próprios passos de dança, e os dois ou três que restam correm pela passarela à frente do palco, interagem com o público de um dos lados da plateia, trocam brincadeiras ou olhares cúmplices entre si…
Enfim, o espetáculo dado pelo grupo no Unimed Hall, em São Paulo, na noite de ontem (9), certamente faz jus ao epíteto de Super Show, utilizado pelo Super Junior para designar suas turnês desde a primeira, em 2008. O giro global que acaba de passar pelo Brasil já é o nono da carreira do grupo, evidente ao observar o conforto com o qual os integrantes encaram o palco - o que poderia entrar em conflito com o nível de detalhe empregado na direção, habitualmente assinada pelos membros Shindong e Eunhyuk, tendo em vista quantos artistas tropeçam no equilíbrio entre movimentos excessivamente ensaiados e a espontaneidade necessária para a magia da música ao vivo.
Não é o caso aqui, no entanto. Apesar de planejado com minuciosidade, e realizado com senso de teatro impecável - especialmente nas primeiras canções, apresentadas através de truques de luz e trocas de roupas abundantes -, o Super Show 9 não fica devendo em vitalidade, humor ou autoconsciência. Um dos trunfos do Super Junior, até diante de seus colegas de k-pop (certamente, dos grupos de gerações mais novas), é a honestidade quase satírica com a qual encaram o próprio papel de entertainers: há sempre um sorrisinho de lado, uma piscadela literal ou metafórica, subentendida no tom de voz das declarações de amor e pedidos de casamento falsos declamados pelos artistas.
A deixa é dada pelo líder Leeteuk, dono daquele tipo de carisma que costumávamos exigir dos nossos apresentadores de programa de auditório (não à toa, posição que ele ocupa frequentemente na TV sul-coreana), misturando escárnio aberto e abraço entusiástico do completo absurdo do mundo do entretenimento. Por isso, o Super Junior não tem medo nenhum do ridículo, e nenhuma intenção de sanitizar a cafonice do próprio passado - vide o fato que todos os passos de dança que fariam os idols supercool da 4ª geração rangerem os dentes ainda estão lá, do body roll mal executado de “Lo Siento” às jazz hands estendidas diante do corpo como barbatanas em “Mamacita”.
Não que o Super Show 9 não seja um espetáculo populista na mesma veia deliciosamente desavergonhada daqueles que são entregues por outros grupos de k-pop, como o Seventeen e o NCT 127. De fato, muitos dos chavões desse estilo de show se repetem com o Super Junior: na parte final, por exemplo, os integrantes voltam ao palco trajando camisetas brancas “casuais” (mas, claro, minuciosamente estilizadas) e carregando lightsticks iguaizinhos os dos fãs; e o repertório montado para o espetáculo busca sempre frisar o ecletismo da produção do grupo, criando um ritmo flutuante entre baladas emocionais, canções pop maduras que cairiam bem na programação da Antena 1 e pancadões eletrônicos.
Há algo além do comum aqui, no entanto - ou, melhor esclarecer, além do comum no pop coreano, que já é extraordinário o bastante para quem está acostumado com a dieta pobre do ocidental. E a origem desse je ne sais quois do Super Junior só me atingiu mesmo lá no finalzinho do espetáculo, quando o grupo se jogou em um cover de “Ai Se Eu te Pego”, aquela mesmo, do Michel Teló. Escolha antiquada, fácil pensar, mesmo se (como eu, confesso) você não soubesse que o grupo já havia cantado esta mesma pérola musical brasileira em sua passagem anterior pelo país, em 2013.
Mas é também uma escolha genial, porque o sucesso global da canção de Teló (#1 nas paradas em 23 países além do Brasil) ilustra o mesmo ponto que construiu a carreira do Super Junior: o estrelato não tem nacionalidade, língua ou cor. Mesmo se você não soubesse coreano, “Sorry Sorry” era virtualmente inescapável em 2009, e se provou mais uma vez inegável no palco do Unimed Hall, quase uma década e meia depois. É uma obra pop de impulsão irresistível, que abraça os próprios ganchos melódicos e os multiplica com um sorriso anárquico no rosto, e cuja consciência da própria genialidade só a faz ainda mais genial.
Se é cafona celebrar a música, e principalmente a música pop (não importa em qual ginástica intelectual você quiser se engajar, essa é a verdade), como a linguagem que une pessoas que seriam incapazes de se comunicar sem ela… bom, f*da-se. O Super Junior certamente não liga, como Leeteuk mostrou ao declarar, no fim do show, que aquela noite havia “diminuído um pouco a distância entre Coreia e Brasil”. Por que eu ou você deveríamos?