Quando o primeiro Homem de Ferro deu o pontapé inicial no Universo Cinematográfico da Marvel, em 2008, ele veio com um potencial tremendo para estabelecer uma franquia que colocava o peso na importância da música. O personagem, claro, não poderia ter um nome melhor, e o filme soube utilizar bem o clássico “Iron Man” do Black Sabbath, além de ter apostado nas faixas de AC/DC para o protagonista. Mas, infelizmente, não foi sempre que a Marvel Studios soube utilizar a música para acompanhar suas histórias.
A Marvel já foi criticada diversas vezes por não dar devida importância à criação e uso de trilha sonora original (veja mais). E no caso de trilhas sonoras não-originais, apesar de ter sido inconstante neste sentido, o estúdio já provou que tem a capacidade de criar momentos musicais. Em seus projetos mais recentes, a Marvel tem investido muito mais nisso, e principalmente desde Guardiões da Galáxia, o estúdio parece ter percebido o valor que o rock pode acrescentar à cena. Mas o caminho trilhado faz parte de todo um contexto que entregou nas mãos de cada diretor, uma liberdade maior para criação de seu próprio tom, inserido no universo compartilhado.
Depois do primeiro e segundo Homem de Ferro, onde a Marvel investiu muito bem no rock, a primeira fase do MCU – O Incrível Hulk, Thor, Capitão América: O Primeiro Vingador e Os Vingadores – e até o primeiro filme da segunda fase, Thor: O Mundo Sombrio, o rock foi absolutamente deixado para trás, como uma decisão válida do estúdio. Mas desde Capitão América: O Soldado Invernal, quando a Marvel colocou novamente o pé na música, os filmes ganharam muito com isso.
O Soldado Invernal já começa com o interesse de fazer a música chamar mais atenção ao inseri-la diretamente na narrativa. A partir do momento em que Sam Wilson indica o álbum Trouble Man, do Marvin Gaye, para que Steve Rogers se atualizasse no mundo de hoje, a Marvel fez uma nova introdução ao mundo da música nos filmes.
Guardiões da Galáxia foi o símbolo maior da música na Marvel até hoje, e ele veio em um momento bem claro em transições da Marvel Studios, e do estabelecimento de uma nova hierarquia dentro da empresa. O afastamento do CEO Ike Perlmutter (leia mais) foi, provavelmente, o que causou uma movimentação dentro da chefia que possibilitou mais liberdade aos diretores. Em uma matéria da Vanity Fair, James Gunn, explica os efeitos que o comitê criativo antigo da Marvel teve sobre o filme, relembrando com rancor como o braço de executivos quis que o diretor abandonasse a ideia de faixas dos anos 70 no filme: “eles eram um grupo de escritores de quadrinhos e brinquedos, que davam recomendações aleatórias”. Na mesma matéria, Feige explicou que Guardiões da Galáxia provou exatamente o que a empresa sabia que daria certo, mas não havia testado até então: “Guardiões foi provavelmente o melhor exemplo do público aprovando os nossos instintos mais peculiares”.
A liberdade dos diretores ficou muito clara nos filmes da terceira fase da MCU, que incorporaram novos estilos e abraçaram novamente uso de música popular, e em especial o rock. Homem-Formiga (ainda da fase dois) já trazia o som mais popular, tocando Commodores e The Cure, e Doutor Estranho já começa abrindo o caminho musical. O Dr. Stephen Strange já é introduzido como um fã de música, ouvindo Earth, Wind & Fire, e ouve Pink Floyd pouco antes de sofrer seu acidente de carro. Depois de Guardiões da Galáxia, Doutor Estranho foi o filme que mais usou a música como um modo de caracterização do protagonista no estúdio, e mesmo assim, deixou claro que ainda havia muito espaço para crescer.
Homem-Aranha: De Volta ao Lar e Thor: Ragnarok continuaram e se aprofundaram na empreitada. O filme solo de Peter Parker no MCU fez a utilização da música muito bem e, apesar de usar o óbvio hit dos Ramones, “Blitzkreig Bop”, ele também introduziu belas faixas, desde Spoon a The Rolling Stones, com destaque a “Save It For Later”, do The Beat, na cena em que o herói se prepara para o baile da escola. Thor: Ragnarok, obviamente, dispensa recordações; desde o trailer o herói apostou e abusou muito bem de “Immigrant Song”, do Led Zeppelin, faixa que faz diversas referências à mitologia nórdica e há muito fazia falta na jornada do herói.
Pantera Negra foi um caso à parte, inovando em diversos sentidos e trazendo para o projeto um dos maiores nomes na música atual, Kendrick Lamar. E apesar de O Homem de Ferro também ter lançado um álbum de músicas inspiradas no herói, Black Panther: Music From and Inspired By trouxe artistas emergentes em uma curadoria especializada no filme, e permanece no top 10 da Billboard até hoje, sua oitava semana na lista. Pantera Negra foi o caso único de ter casado a história do herói com a sua trilha sonora, e a empreitada foi mais uma inovação da Marvel Studios na música que se provou bem-sucedida.
A evolução do uso de trilha sonora não original na Marvel passou por obstáculos mas parece fortemente sustentada atualmente. E se o histórico da terceira fase prova algo, é que a música popular tem tudo a ver com seus protagonistas – e ainda guarda boas promessas para o futuro.