Taylor Swift sequer precisava dizer com todas as letras que as madrugadas são suas tardes em “Anti-Hero”. Há anos ela escreve sobre suas noites sem dormir, ilustrando tanto sua sensibilidade aguçada, como sua inquietude enquanto cantora e compositora. Logo, não é surpreendente que ela tenha dedicado um álbum inteiro para 13 das suas meia-noites ruminativas. É curioso, porém, que em Midnights sua insônia seja dançante, mais próxima dos já distantes 1989 e Lover do que verdadeiramente introspectiva e sóbria, como no duo recente folklore e evermore.
Talvez “Anti-Hero”, o primeiro single do disco, seja o exemplo máximo disso. Por mais duras que sejam algumas das suas realizações sobre si mesma, a exemplo do verso honesto — ou seria severo? — “Did you hear my covert narcissism I disguise as altruism”, a atmosfera da faixa se anuncia bem menos autodepreciativa. Ela é, na verdade, divertida e efervescente. Porque, embora toda lamentação que vem no meio da noite seja horrível, sim, é inegável também que existe um prazer na vergonha. Quer dizer, há um caráter aconchegante nessa aspereza, e ainda assim uma tristeza disfarçada na ironia — sensações universais que, mais uma vez, Swift traduz nas especificidades das cenas que pinta.
Quebra de expectativa semelhante vem com “Karma”, faixa que poderia facilmente ser amarga, sobretudo considerando todo o burburinho que a cantora e o fandom retroalimentaram nos últimos anos ao redor deste termo, por si só, já carregado. Entretanto, o desejo de vingança aqui é bem mais cintilante e agradável, como se a promessa de uma justiça cósmica fosse a garantia de que se fechou um capítulo, mas a história está bem longe do fim. Por isso, se o karma tira o sono de Swift é não por aborrecimento, mas pela empolgação do que está guardado para o adversário. No final, é “Vigilante Shit”, cujo nome sugere um desdém que beira o juvenil, que interrompe o disco com um quê dançante, mas impiedoso, sensual e quase fora do tom. É o ápice da sua acidez e maldade aqui, mas, como uma imagem intrusiva, é tão breve quanto inebriante.
Essa alegria pouco cristalina e cheia de nuances divide espaço em Midnights com um clima nebuloso, também muito característico das madrugadas, criado graças à predominância dos sintetizadores e de uma Taylor Swift sussurrante. Assim, da mesma forma que as noites em claro lhe trouxeram epifanias, a cantora assegura que também veio uma boa dose de distorções.
“Midnight Rain” e, mais tarde, “Labyrinth” encapsulam bem o espírito deste tipo de diálogo interno, às vezes tão cheio de insegurança, arrependimento e receio. Em ambas, a voz distorcida da cantora surge como um pensamento indesejado, que vem e vai de supetão. Mas, enquanto em “Midnight Rain” existe um embate entre as verdades tortas dessa consciência e a história como foi — que, em última instância, declara vitória para sua própria sensatez —, em “Labyrinth” essa intromissão aparece como fato incontornável: quer queira ou não, ela está se apaixonando novamente, e é melhor se preparar para a nova montanha-russa de emoções. Trata-se, portanto, de um conceito interessante, expresso de forma esperta. Entretanto, o incômodo que essa voz distorcida causa vai além do que canta o eu lírico. É inoportuno sonoramente, como uma peça que não se encaixa de fato no quebra-cabeças.
De forma semelhante, "Snow on the Beach" é também agridoce. Única colaboração de todo o álbum, Lana Del Rey surge eficiente enquanto uma presença fantasmagórica nesta música que, temática e melodicamente, combina tão bem os estilos das cantoras. É uma pena, porém, que acabe sobrando certa decepção, não pela performance dela, mas pela limitação de tê-la apenas como uma presença periférica à faixa.
Ainda assim, Midnights é imersivo, como se espera de madrugadas ruminativas, tamanha sua coesão, da premissa à execução. Ainda que sua produção acene para uma Taylor Swift do passado, o álbum traz uma compositora madura que, até quando resgata artifícios anteriores, como o jogo com os tons avermelhados em “Maroon” — ora denotando intensidade, ora o enferrujado da memória —, traz a sofisticação que vem com a experiência. Como de costume, a cantora entrega mais um projeto minuciosamente pensado que, até no pior, é competente. Mas, no fundo, são poucos os pontos baixos. Seja falando de amor, vingança ou se martirizando, Swift segue afiada e, como bem pode ser a insônia, estimulante.
Ano: 2022
Produção: Jack Antonoff, Taylor Swift