Música

Entrevista

Bonobo | Inglês fala sobre Damon Albarn e o uso de métodos eletrônicos para fazer música não-eletrônica

Produtor fala com exclusividade sobre processo criativo, tocar com uma banda e seu disco mais recente, Migration

14.03.2018, às 11H32.
Atualizada em 19.03.2018, ÀS 03H01

Bonobo, nome artístico de Simon Green, é um daqueles belos pontos fora da curva. Com uma carreira estruturada ao longo dos últimos 18 anos o inglês é responsável por algumas das mais belas viagens musicais do planeta.

Misturando elementos eletrônicos à uma sonoridade orgânica bem desenvolvida, seus discos conseguem apresentar elementos originais e inesperados, até mesmo para quem já conhece um pouco mais de seu trabalho.

O DJ/músico/produtor, que atualmente mora em Los Angeles, vem ao Brasil para dois shows com sua banda para mostrar seu disco mais recente, Migration, uma obra de arte embalada em atmosferas distintas e que conta com sonoridades tão únicas que cada faixa poderia ser a história de um disco.

Bonobo falou com exclusividade ao Omelete e comentou um pouco sobre o processo de criação do novo disco, para onde deve ir sua carreira e também sobre uma de suas parcerias mais belas, com o cantor Mike Milosh, vocalista do grupo Rhye. Leia abaixo.

Logo de entrada, é quase impossível não falar sobre o lançamento da faixa “Break Apart”, primeiro single de Migration, que conta com a voz de Milosh e foi responsável por um bom primeiro impacto referente ao que o produtor planejava lançar. Sobre o surgimento dessa faixa, Green comenta que a tinha criado há um longo tempo. “Foi uma das primeiras faixas que criei para o disco”.

E segue, “Eu tive a ideia para colocar Damon Albarn para cantar, mas ele estava muito ocupado com o novo disco do Gorillaz. Rhye era alguém que conheci há algum tempo em Los Angeles. Conversamos bastante sobre música antes de partirmos para parceria, até que ele se ofereceu para tentar algo”. Um detalhe interessante, Green comentou em diversas entrevistas que esse disco tem este nome por ter sido quase todo criado na estrada, sem um lugar físico específico e essa parceria também simboliza isso. “Ele estava em turnê quando gravou o vocal remotamente em um telefone de quarto de hotel. Eu meio que criei um encaixe [o vocal] com a natureza transitória do disco e como tudo foi gravado em diferentes partes do mundo”.

Outro detalhe interessante sobre a carreira de Green é que durante o período em que estudou artes, uma das disciplinas na qual se manteve focado foi a de cinema. Sobre como esse conhecimento influencia sua forma de criar e entregar música ele comenta que  sempre associou música como uma justaposição de vídeo e fotografia. “Uma imagem pode dar uma narrativa para a música. Eu tentei manter um tema coerente pra esse disco desde o início. Eu sabia que era sobre paisagens extensas e lugares remotos etéreos”.

No entanto, para chegar a este visual, Green comenta que o artista Neil Krug (que já trabalhou com Tame Impala, Lana Del Rey, Pharell) foi uma parte importante “graças ao trabalho que ele fez para a arte do álbum e para o vídeo de ‘Break Apart’”.

Concebendo um disco na estrada

Sobre grande parte do processo de Migration ter sido desenvolvido na estrada, Green diz que sua relação com as turnês está sempre mudando. “Durante o período no qual eu escrevi a maior parte de Migration eu não estava vivendo/morando em nenhum lugar. Eu estava viajando muito e eu fiquei sem ter uma casa por quase um ano. Foi nesse estado transitório que grande parte do disco surgiu”.

“Eu acho que este é um ambiente válido para criar. Mesmo que um estúdio confortável seja um bom lugar para trabalhar, sua cabeça está em um lugar criativo bem diferente quando você está em um aeroporto e sem dormir depois da festa na noite anterior. Quase sempre as melhores ideias surgem como uma reação ao que te cerca ou a experiências recentes. É bom para a criatividade permanecer estimulado. Você precisa se manter colhendo ideias. Muito tempo isolado em um estúdio e você seca”, enfatiza.

E aí surge a questão, com todo esse tempo “sem casa”, criando em aeroportos e tocando, será que Bonobo tem tempo para ouvir música e se inspirar? “Claro que sim. Tem tanta música nova que eu fico ouvindo o tempo todo. É como eu me mantenho ocupado na estrada. Muitas coisas para ouvir por aí. Eu tenho uma playlist no Spotify chamada Outlier Radio que eu atualizo toda semana com as músicas que eu gosto”. Taí a dica pra conhecer um pouco do que inspira uma das mentes mais interessantes da música atual.

Criar músicas para as pistas e reaprender a tocar como uma banda

Como parte de todas as facetas que Simon Green carrega, a convergência de sua produção para uma banda e a conversa com um público que - muitas vezes - não se interessaria pelo seu som nas pick-ups é um dos grandes trunfos de Bonobo. Sobre essas duas formas de mostrar música, o produtor comenta que quando se apresenta com um DJ set, seu maior interesse está no novo, em músicas inovadoras e na representação musical do que o mantém ligado. “Os shows ao vivo [com banda] são mais focados na minha música e funcionam como uma forma de recriar as faixas que eu faço. As duas coisas são diferentes, mas ambas validam-se por elas mesmas”.

Sobre essa ampliação da maneira de chegar às pessoas, Green confessa ter percebido que para quem não está tão familiarizado com a cultura dos clubes, se apresentar dessas duas formas pode ser um pouco confuso. “Quando eu saio para ver meu DJ favorito que também cria músicas, eu não espero que ele só toque músicas dele. Eu estou mais interessado em ouvir coisas novas que eu ainda não conheço”, confessa. Bem, isso explica a forma como ele enxerga seus DJs sets (quando se apresenta sem banda), uma maneira de construir um momento com as faixas que ele escolhe para tocar.

Com essa preocupação em destaque, Green comenta que a apresentação de suas faixas com a banda pede algumas mudanças. Ele confessa que para mostrar suas criações nesse formato é necessário reaprender a tocá-las. “Quase sempre, quando eu faço música no estúdio eu estou tocando parte da faixa apenas uma vez e editando em samplers e sequenciadores. Isso significa que na hora de trabalhar no formato do show com a banda eu tenho que aprender o que eu toquei uma única vez há cinco meses. O mesmo para os músicos que tocam comigo. Eu preciso decidir o que eles irão tocar e mostrar para eles como tocar isso um bom tempo depois do disco estar pronto”.

E claro, nem tudo que ele cria como parte de seus discos funciona no formato que os músicos entregam. “Às vezes existem faixas que simplesmente não funcionam para o show. Tem momentos os quais eu acho que vão funcionar até eu tentar tocar com o grupo e perceber que não vai acontecer. Mas em outros momentos, algumas faixas ganham vida quando eu toco com a banda. São faixas que depois de tocar por algum tempo, elas começam a mudar o formato e ganham vida nova na estrada”, destaca.

Mas no meio dessa “tradução” de um formato para outro, será que Green se cobra para que as faixas mantenham uma alma de pista? “Eu acho que isso [a alma de pista] acontece, basicamente, a partir do processo. Eu sempre digo que eu uso métodos eletrônicos para fazer música não-eletrônica. Uma vez que algo é sampleado, looped ou sequenciado isso pode soar como dance music, mesmo que a fonte seja um som acústico”, detalha.

E segue, “Basicamente todos os sons que eu uso foram originados a partir de uma fonte acústica. Em algum ponto isso viajou pelo ar até o microfone antes de terminar em um sample ou em uma drum machine. É isso que faz a coisa ser humana, eu acho”.

O que mudou: Depois de um ano na estrada com Migration e 18 anos de música

Arte, em todas as suas vertentes, é algo que inspira mudança. E Green comenta que em todo esse tempo que está na estrada, tudo mudou. “É difícil não mudar. Eu não consigo me imaginar fazendo a mesma coisa depois de 18 anos. Eu fico constantemente empolgado com novas ideias e novos movimentos na música. Tudo que eu faço é uma reação a isso”.

Em conjunto com essa necessidade de inovação Green também coloca em evidência algo realmente importante para suas criações: “Uma coisa muito importante pra mim é continuar aprendendo. Musicalmente falando, eu preciso ficar empolgado com o processo como no primeiro dia. Uma forma de fazer isso é me forçar para tentar algo novo e criativamente diferente”.

Partindo para um recorte mais recente de sua carreira, depois de tantos discos lançados, e com Migration há mais de um ano disponível no , como a maturação do novo projeto está acontecendo na cabeça de Green? Sobre esse tópico ele é categórico: “A melhor parte pra mim é o momento que antecede o lançamento do disco. Quando somente eu e alguns amigos conhecemos o álbum, antes da Internet e da mídia musical terem a chance de dar opinião sobre. É tão intensamente pessoal por tanto tempo e de repente isso pertence a todo mundo a partir do momento em que é lançado. Isso faz com que minha relação com o disco mude constantemente”.

E por fim, com todo esse tempo na estrada, uma sequência de criações que sempre despertou interesse de pessoas que gostam de música em suas diversas expressões, Green confessa que está muito feliz com a forma que tem desenvolvido sua carreira e sua arte. “Eu sou extremamente grato por estar há tanto tempo na estrada, poder desenvolver meu som por todos esses anos e também por todos que vieram comigo durante esse processo”. Mas como tudo tem um preço, Bonobo se apressa para dizer, “Isso se transformou muito mais do que eu imaginava quando comecei há anos atrás. No entanto, eu acho que preciso de um tempo de descanso depois desse disco. Eu nunca parei realmente em todo esse período (18 anos de carreira) e, talvez, usar o tempo para fazer algo diferente pode ser uma coisa boa”.

Então, antes que Green saia de férias, você pode vê-lo - pela primeira vez com banda - no Brasil em apresentações no dia 16 na Audio em São Paulo (saiba mais) e no dia 17 no Circo Voador no Rio de Janeiro (saiba mais).

Omelete no Youtube

Confira os destaques desta última semana

Omelete no Youtube

Confira os destaques desta última semana

Ao continuar navegando, declaro que estou ciente e concordo com a nossa Política de Privacidade bem como manifesto o consentimento quanto ao fornecimento e tratamento dos dados e cookies para as finalidades ali constantes.