“A cada três rumores insanos que você ouve sobre Anna, um acaba sendo verdade”, diz a jornalista Vivian Kent (Anna Chlumsky) em uma cena de Inventando Anna. A minissérie da Netflix faz crônica dos anos de luxo de Anna Delvey (Julia Garner), que convenceu a alta sociedade de Nova York de que era uma herdeira alemã com milhões na conta quando, na verdade, vinha de uma família russa de classe média. Pela própria natureza da história, portanto, é um pouco difícil saber exatamente o que é fato e o que é ficção aqui.
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A personagem Vivian é baseada na jornalista Jessica Pressler, que escreveu em 2018 o artigo da New York Magazine (e não Manhattan Magazine, como vemos na série) que levou a história de Anna ao público. No final de seu último episódio, Inventando Anna sugere que todos os detalhes da trama, incluindo aqueles que não estavam no artigo original, foram baseados nas investigações jornalísticas de Pressler, que é produtora da série - mas, se esse é o caso, são informações que ela nunca usou oficialmente em suas publicações (o que é perfeitamente possível, já que matérias investigativas são descartadas o tempo todo no fazer jornalístico).
Dito isso, muitos dos detalhes mais saborosos de Inventando Anna foram confirmados por múltiplas fontes, incluindo a própria Delvey e as pessoas que orbitavam ao redor dela na época. Por exemplo: ela realmente roubou um jatinho particular da empresa de fretamento de luxo Blade, e realmente conheceu Billy McFarland (do Fyre Festival), Martin Shkreli (o “Pharma Bro”) e “um dos irmãos Culkin” em seus passeios pela alta sociedade de Nova York. Além disso, Rachel (Katie Lowes) realmente ajudou a prender a ex-amiga, enquanto Neff (Alexis Floyd) segue próxima a Anna até hoje.
Abaixo, confira alguns outros detalhes que não são tão verdadeiros assim na série:
Não é comprovado: O namorado, o iate e os cartões
A parte mais difícil de se verificar das peripécias de Anna está no começo da série, quando ela passa um tempo morando com uma ricaça que apadrinhou Chase (Saamer Usmani), então namorado da “herdeira”. A própria Anna confirmou, em entrevista ao Insider, que tinha um namorado investidor de tecnologia, com o qual viajou extensivamente em 2016, mas negou, por exemplo, que os dois tenham ficado no iate de uma magnata sem serem convidados, ou que ela tenha roubado milhares de dólares dos cartões da tal ricaça que os hospedou.
É verdade que a vigarista não é exatamente uma fonte confiável, mas o fato é que o material jornalístico pesquisado e publicado por Pressler ou por outros profissionais nos anos desde a prisão de Anna, em 2018, não inclui nenhum desses detalhes. Inclusive, não há evidência de que Chase sabia das trapaças de Anna, como fica claro na série.
É ficção: O grupinho de amigas
As personagens Rachel, Neff e Kacy (Laverne Cox) são todas baseadas em mulheres reais que Anna conheceu e das quais se aproximou durante seus anos de luxo em Nova York - no entanto, a forma como Inventando Anna retrata todas elas como um grupo inseparável de amigas na cena social da metrópole é uma liberdade poética.
Na realidade, as três tiveram amizades separadas com Anna, se cruzando apenas em alguns momentos chave. Rachel e Kacy realmente foram junto com a “herdeira” para o Marrocos, por exemplo, e também se encontraram em algumas sessões de treinamento de Kacy, que era paga por Anna. Neff, no entanto, não fazia parte do mesmo círculo social, e só viu Anna fora do hotel onde ela trabalhava em algumas ocasiões.
É ficção: Todd & Vivian, BFFs
Outra amizade que cai na categoria da ficção é aquela que se desenvolve entre Todd Spodek (Arian Moayed), o advogado de Anna, e a repórter que está cobrindo o caso. Na vida real, Todd e Jessica Pressler não trabalharam juntos em nenhum momento da investigação e do julgamento - ou, pelo menos, é isso que o Todd de verdade disse à BBC.
Apesar de ter gostado muito da série e também ser creditado como consultor, Todd também apontou que não trabalhou para Anna de graça (de fato, ela está pagando as contas de sua defesa até hoje), como a série implica em alguns momentos chave.
É ficção (provavelmente): Todo o processo investigativo de Vivian
Qualquer jornalista que cobre casos judiciais de alto escalão pode confirmar: nenhum repórter é capaz de simplesmente entrar no escritório de um promotor público, como Vivian faz várias vezes com Catherine McCaw (Rebecca Henderson) durante a série.
A parte da investigação jornalística de Vivian e seu envolvimento pessoal com o caso, aliás, é aquela que Inventando Anna parece ter “maquiado” de forma mais óbvia para efeitos dramáticos. Não há evidência, por exemplo, de que Vivian (ou melhor, Jessica) tenha feito uma corrida de emergência para uma loja de departamentos para comprar o “look” de Anna no primeiro dia de seu julgamento, ou que a vigarista tenha usado um vestido que pertencia à jornalista em outro dia de tribunal.
É fato, mas calma aí: Vivian na Alemanha
Aqui as coisas começam a ficar mais complicadas, porque Jessica Pressler foi de fato para a Alemanha visitar os pais de Anna Delvey após entregar o seu artigo inicial, buscando entender melhor a origem dela - e, quem sabe, escrever uma segunda matéria. E, de fato, essa segunda matéria acabou sendo descartada pela jornalista, provavelmente porque ela concluiu que o background da trapaceira não era tão interessante assim.
No entanto, a viagem de Jessica foi muito menos audaciosa do que a de Vivian: ela só foi para a Alemanha porque a própria Anna arranjou o encontro entre ela e seus pais - com quem, inclusive, Anna mantém contato até hoje. “Jessica definitivamente não invadiu a minha casa sem ser convidada”, disse a trapaceira ao Insider, rindo da ideia.
É fato, mas foi ainda mais louco: “Peter Hennecke”
Conforme Anna se aproximava de conseguir um empréstimo milionário para abrir a sua tão desejada fundação, ela inventou um personagem para convencer os banqueiros de que sua herança era legítima: Peter Hennecke, o suposto administrador das propriedades de sua família. “Hennecke” (na verdade, Anna operando um e-mail do AOL e usando um cartão virtual e um aplicativo de distorção de voz ao telefone) conversou extensivamente com alguns dos maiores banqueiros de Nova York, e passou perto de conseguir o empréstimo para sua “cliente”.
Tudo isso é mostrado na série, mas Inventando Anna esconde uma segunda reviravolta na história: quando o e-mail de Hennecke no AOL foi fechado, Anna mentiu para todos ao seu redor e disse que ele tinha falecido. A partir daí, ela inventou uma segunda identidade: Bettina Wagner, que passou a responder às questões dos banqueiros sobre a suposta fortuna dos Delvey.
É fato, mas foi ainda mais louco: Moda no tribunal
É verdade que Anna Delvey contratou uma personal stylist para o seu julgamento, e que se recusou (várias vezes) a entrar no tribunal com as roupas providas pelo governo. E de fato a stylist em questão era Anastasia Walker, amiga próxima de Neff e responsável por looks de celebridades como Courtney Love e Madonna.
Apesar de nunca terem se visto pessoalmente, Anna e Anastasia conversaram extensivamente ao telefone (se Anna trocou suas ligações em Rikers por potes de Cup Noodles é outra história…) sobre as roupas que a ré queria usar em seu julgamento. Quando perguntada sobre o motivo de aceitar o trabalho, Anastasia disse: “Nós tínhamos uma amiga em comum, e eu sempre gosto de ajudar as pessoas. Amo o que faço”.
Segundo o advogado de Anna, Todd, o trabalho de Anastasia foi inteiramente pago, assim como o aluguel das peças que ela usou no tribunal (registradas no Instagram @annadelveycourtlooks), por um “benfeitor secreto”. Parece que os mistérios sobre Anna Delvey nunca vão acabar mesmo.