O Brutalista

Créditos da imagem: Universal/Focus Features

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O Brutalista é imperfeito, mas precisamos de mais filmes como ele

Conversamos com Brady Corbet e Adrien Brody sobre o épico indicado a 10 Oscars

Omelete
9 min de leitura
20.02.2025, às 07H00.
Atualizada em 20.02.2025, ÀS 09H57

Poucos filmes recentes parecem tão destinados à grandeza quanto O Brutalista de Brady Corbet. É, claro, intencional. Corbet pode não falar publicamente sobre as influências e objetivos de seu épico sobre a relação entre arte e comércio nos EUA pós-Segunda Guerra, mas ele não precisa. As imagens de O Poderoso Chefão, Era Uma Vez em Nova York, O Mestre, O Conformista estão ali, quase transbordando da tela conforme seu diretor anseia por fazer algo digno do cânone, seja ele qual for.

Tão pré-determinadas quanto a discussão sobre a grandiosidade do filme – indicado em diversas categorias no Oscar, incluindo Filme, Direção para Corbet e Melhor Ator para Adrien Brody – são as reações. O marketing da A24, que lançou o filme nos EUA, estampa no trailer e no pôster uma só palavra, usada por diversos veículos: Monumental. Se publicidade oferecesse espaço para sarcasmo, então isso seria uma hilária denúncia da uniformidade que às vezes captura a cobertura de festivais como o de Veneza, onde O Brutalista foi apresentado para o mundo. A verdade, porém, é bem mais simples: Corbet fez algo que a crítica norte-americana, diversos entusiastas de cinema e boa parte da indústria cinematográfica considera um monumento: mas ao que?

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Na melhor discussão sobre o filme até agora, no podcast The Big Picture, o crítico Adam Nayman e Sean Fennessey debateram o mérito de um filme que tão claramente aspira à imortalidade. Há valor na intenção de O Brutalista de virar um clássico que, daqui a 10 anos, vai figurar entre os filmes mais celebrados desta década? O quanto isso supera os problemas do filme, que de forma alguma é perfeito? Essa jogada é um sinal de integridade artística ou só uma expressão de ego? Nayman corretamente identifica o apelo de um jovem cineasta – fissurado em influências que provavelmente estão no Top 250 do Letterboxd e, portanto, em sintonia com o público mais jovem que liga para esse tipo de coisa – que recebeu corte final, em todos os sentidos. Corbet não esconde isso: ele filmou no formato VistaVision, não usado há décadas, usou locações reais e teve total controle da obra, algo que seu protagonista, o arquiteto brutalista László Tóth (Brody), não pode dizer.

No filme, Tóth é comissionado pelo herdeiro Harrison Van Buren (Guy Pearce) para construir um centro comunitário. Além de financiar o projeto, Van Buren oferece ao arqutiteto, um sobrevivente do Holocausto que foge para os EUA, residência, e ajuda a trazer sua esposa Erszebét (Felicty Jones) para o ocidente. Em determinado momento, justificando seu estilo focado em concreto, Tóth diz que suas construções resistiram à erosão dos rios, da guerra e do tempo. Corbet não esconde o desejo de fazer algo semelhantemente duradouro.

Quando eu estou trabalhando em um filme, é importante escolher um assunto ou um tema que nunca não será relevante,” Corbet disse em entrevista com participação do Omelete. “Independente de quando o filme finalmente é feito ou quando é finalmente lançado, quando o assunto é rico o suficiente, ele pode sobreviver e ainda será significativo e rico para os espectadores. Meu amor pela história e meu fascínio com a história, é claro, vem do meu amor pela literatura. Eu estou muito interessado em saber como nós chegamos aqui. E eu acho que para mim é a melhor forma de falar, ou reconhecer, o presente, é com alguma perspectiva que nós não temos no dia atual.

O Brutalista
Universal/Focus Features

Escrito durante a primeira passagem de Donald Trump pela presidência dos EUA, quando um mandato “faça os prédios federais grandes novamente” mascarou um ataque à arquitetura brutalista de imigrantes judeu formados pela Bauhaus, como é o caso do fictício (mas inspirado neles) Tóth, O Brutalista parece fadado a refletir o momento, mas a intenção do cineasta não é, necessariamente, fazer algo com uma data. “Nós ainda não temos a perspectiva para realmente entender o presente – na névoa da guerra e tudo que está acontecendo com autocracias em ascensão em todo o mundo,” ele reforça. “No agora, é esperado que tenhamos opiniões sobre questões muito, muito complicadas em uma questão de minutos, o que eu não acho uma ótima forma de operar. Eu preciso de tempo.

Ele teve tempo. O Brutalista está em desenvolvimento há anos. Na entrevista, Jones lembrou que entrou no elenco em 2022, substituindo Vanessa Kirby (Sebastian Stan estava no papel de Brody), e já na época problemas estavam impedindo o filme de ir pra frente. Entre pandemias, greves e problemas pessoais da equipe, a produção do filme demorou ainda mais. ”A coisa toda desmoronou e nós pensamos que não ia acontecer, então voltou tudo de novo. É um testamento para a determinação e vontade de Brady e Mona [Fastvold] para fazer isso acontecer,” Jones lembra.

O lançamento veio em meio à crise no Oriente Médio envolvendo Israel e Palestina. O filme inclui gravações de arquivo sobre a fundação de Israel, e uma personagem coadjuvante é declaradamente sionista (algo que Tóth parece desprezar, mas que não é investigado a fundo), o que levou muitos a taxarem o filme de tal. Corbet foi vocal em premiações sobre seu desejo de ver o documentário No Other Land, sobre a situação de palestinos deslocados por Israel, distribuído nos EUA. O filme, dirigido por um palestino e um israelense, foi lançado nos cinemas pelos próprios cineastas e também concorre a Oscar.

Se as acusações de sionismo parecem equivocadas, as interpretações do filme como um reflexo da própria experiência de Corbet como artista são praticamente inevitáveis, e nem um pouco exageradas. O diretor já admitiu ter tido divergências criativas com os financiadores de seu longa anterior, Vox Lux, e ele e sua esposa Mona Fastvold – também roteirista e produtora de O Brutalista – admitem paralelos entre a empreitada de Tóth, sempre pedindo por mais dinheiro e liberdade contra o magnata Van Buren, com o ato de fazer cinema. “Arquitetura e a tarefa de criar um edifício tem muitas similaridades com a produção de filmes. Então eu acho que também foi uma forma de acessar algo bastante pessoal para nós e falar sobre nossa também,” Fastvold disse, quando questionei a dupla sobre a escolha da arquitetura brutalista. “Nós dois estávamos interessados na arquitetura brutalista. Todos os nossos filmes são peças históricas. Nós olhamos para o passado para tentar de alguma forma entender o presente Eu diria que estávamos interessados em como a psicologia pós-guerra afetou a arquitetura pós-guerra.

O Brutalista
Universal/Focus Features/Montagem

O tema da durabilidade volta a surgir. Olhar o passado para entender o presente. Fazer algo que permanece. Numa palavra: legado. É algo que também está na mente de Adrien Brody, que aqui interpreta, novamente, um sobrevivente do Holocausto. Foi um papel semelhante – o de Wladyslaw Szpilman – que lhe deu o Oscar em O Pianista, e assim como nos discursos de premiações, Brody nos disse em entrevista que não imaginava voltar a esses palcos.

Eu senti muito a responsabilidade de entender e representar as histórias de Szpilman, daquele período horrível na história e suas circunstâncias. Então, o fato de que László, em O Brutalista, suportou dificuldades semelhantes – e tendo suportado, vivido através de campos de concentração e testemunhado a destruição da Europa com tanta tristeza e perda – estava deixando aquilo para trás e começando sua jornada novamente; acho que foi inestimável que eu tivesse retratado esse personagem,” ele me disse. Um recomeço para os dois.

O Brutalista
Universal/Focus Features

Descendente de húngaros que fizeram essa mesma jornada, Brody tinha uma conexão pessoal com a história de Tóth. Para ele, o principal ponto a acertar foi o dialeto húngaro, o que até mais que a questão do sionismo representou a grande polêmica do filme. Dias depois de nossa entrevista, foi revelado que um sistema de IA foi usado para aprimorar, na pós-produção, na pronúncia de algumas (poucas) palavras em húngaro. De qualquer forma, Brody fez questão de destacar a importância do falar para ele: “O principal requisito técnico deste filme era o dialeto. O sotaque húngaro é bastante específico, e havia uma abordagem muito específica que eu queria dar – esta formalidade de um homem nos anos 50 e como isso hum, como afetou sua capacidade de se expressar em inglês.”

Antes de todas as polêmicas, que não parecem ter afetado demais a recepção do filme – Corbet explicou o uso de IA aqui – O Brutalista iniciou sua caminhada em direção a Oscars, listas de “melhores do ano” e comparações com clássicos quase imediatamente depois das primeiras sessões. Jones lembra de ter essa impressão já em Veneza, e para Guy Pearce, isso veio ainda antes: “Você certamente tinha um senso, bem cedo como Felicity indicou, que isto é um projeto especial. O roteiro era realmente bom. Brady é um cara muito maduro, que é fácil de estar por perto. Ele é divertido e ele é leve e ele é fácil, mas ele leva o trabalho muito a sério. Nós sentimos que éramos parte de algo que era sério e adulto,” disse o ator.

O Brutalista
Universal/Focus Features

Sério e adulto.” Circulamos novamente para a proposta de O Brutalista. Por mais que ninguém proclame, abertamente, que o filme foi feito pensando nas listas de favoritos, nas coleções da Criterion, nos outros épicos que pautaram o cinema norte-americano, essa missão está tão presente no texto e subtexto do longa quanto na mente de seus realizadores. O brutalismo é uma escola onde a forma segue a função, e o filme – com três horas e meia e um intervalo de 15 minutos – segue esta linha. Ele é, do formato ao estilo, feito para ser um épico. Mas, para permanecer nas comparações à arquitetura, outra característica do brutalismo é sua clareza. Os materiais expostos e superfícies uniformes significam que qualquer poluição visual se torna gritante, e decisões de roteiro na segunda metade do longa prejudicam significativamente a obra inteira.

Talvez inseguro quanto à mensagem do seu filme, Corbet decide externalizar todos os seus temas – o domínio de um homem sobre o outro, o estilo de vida destrutivo e a presença do trauma na arte – com cenas didáticas, se não gritantes. O epílogo do longa, outra cena apontada como sionista por alguns, mostra Tóth novamente silenciado por um agente externo, mas dessa vez o capitalista americano dá lugar a uma israelense. O poder temático do momento é traído pelo diálogo expositivo que pouco agrega ao filme. Na hora de aprofundar as discussões que levanta, Corbet fica aquém dos exemplos que quer seguir.

Ainda assim, é difícil não sair do cinema inspirado. Não é todo dia que se vê um filme tão ambicioso. Essa ambição pode ser lida como arrogância, particularmente devido ao quão fácil ela é de identificar, mas graças ao formato atual da indústria cinematográfica, filmes independentes como esse raramente têm a chance de mirar nas alturas. O mercado não facilita as coisas. Feito com US$ 10 milhões, ele parece maior em escopo do que algo com dez vezes seu orçamento, e suas ânsias são igualmente enormes. e com a exceção de Francis Ford Coppola, ninguém está fazendo algo por US$ 100 milhões sem, primeiro, pensar em vender brinquedos. O Brutalista é, acima de tudo, uma grande exceção à regra contemporânea. Ele não é um monumento como O Poderoso Chefão, mas quão bom seria ter mais filmes com esse desejo.

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