Poucos filmes recentes parecem tão destinados à grandeza quanto O Brutalista de Brady Corbet. É, claro, intencional. Corbet pode não falar publicamente sobre as influências e objetivos de seu épico sobre a relação entre arte e comércio nos EUA pós-Segunda Guerra, mas ele não precisa. As imagens de O Poderoso Chefão, Era Uma Vez em Nova York, O Mestre, O Conformista estão ali, quase transbordando da tela conforme seu diretor anseia por fazer algo digno do cânone, seja ele qual for.
Tão pré-determinadas quanto a discussão sobre a grandiosidade do filme – indicado em diversas categorias no Oscar, incluindo Filme, Direção para Corbet e Melhor Ator para Adrien Brody – são as reações. O marketing da A24, que lançou o filme nos EUA, estampa no trailer e no pôster uma só palavra, usada por diversos veículos: Monumental. Se publicidade oferecesse espaço para sarcasmo, então isso seria uma hilária denúncia da uniformidade que às vezes captura a cobertura de festivais como o de Veneza, onde O Brutalista foi apresentado para o mundo. A verdade, porém, é bem mais simples: Corbet fez algo que a crítica norte-americana, diversos entusiastas de cinema e boa parte da indústria cinematográfica considera um monumento: mas ao que?
Na melhor discussão sobre o filme até agora, no podcast The Big Picture, o crítico Adam Nayman e Sean Fennessey debateram o mérito de um filme que tão claramente aspira à imortalidade. Há valor na intenção de O Brutalista de virar um clássico que, daqui a 10 anos, vai figurar entre os filmes mais celebrados desta década? O quanto isso supera os problemas do filme, que de forma alguma é perfeito? Essa jogada é um sinal de integridade artística ou só uma expressão de ego? Nayman corretamente identifica o apelo de um jovem cineasta – fissurado em influências que provavelmente estão no Top 250 do Letterboxd e, portanto, em sintonia com o público mais jovem que liga para esse tipo de coisa – que recebeu corte final, em todos os sentidos. Corbet não esconde isso: ele filmou no formato VistaVision, não usado há décadas, usou locações reais e teve total controle da obra, algo que seu protagonista, o arquiteto brutalista László Tóth (Brody), não pode dizer.
No filme, Tóth é comissionado pelo herdeiro Harrison Van Buren (Guy Pearce) para construir um centro comunitário. Além de financiar o projeto, Van Buren oferece ao arqutiteto, um sobrevivente do Holocausto que foge para os EUA, residência, e ajuda a trazer sua esposa Erszebét (Felicty Jones) para o ocidente. Em determinado momento, justificando seu estilo focado em concreto, Tóth diz que suas construções resistiram à erosão dos rios, da guerra e do tempo. Corbet não esconde o desejo de fazer algo semelhantemente duradouro.
“Quando eu estou trabalhando em um filme, é importante escolher um assunto ou um tema que nunca não será relevante,” Corbet disse em entrevista com participação do Omelete. “Independente de quando o filme finalmente é feito ou quando é finalmente lançado, quando o assunto é rico o suficiente, ele pode sobreviver e ainda será significativo e rico para os espectadores. Meu amor pela história e meu fascínio com a história, é claro, vem do meu amor pela literatura. Eu estou muito interessado em saber como nós chegamos aqui. E eu acho que para mim é a melhor forma de falar, ou reconhecer, o presente, é com alguma perspectiva que nós não temos no dia atual.”
Escrito durante a primeira passagem de Donald Trump pela presidência dos EUA, quando um mandato “faça os prédios federais grandes novamente” mascarou um ataque à arquitetura brutalista de imigrantes judeu formados pela Bauhaus, como é o caso do fictício (mas inspirado neles) Tóth, O Brutalista parece fadado a refletir o momento, mas a intenção do cineasta não é, necessariamente, fazer algo com uma data. “Nós ainda não temos a perspectiva para realmente entender o presente – na névoa da guerra e tudo que está acontecendo com autocracias em ascensão em todo o mundo,” ele reforça. “No agora, é esperado que tenhamos opiniões sobre questões muito, muito complicadas em uma questão de minutos, o que eu não acho uma ótima forma de operar. Eu preciso de tempo.”
Ele teve tempo. O Brutalista está em desenvolvimento há anos. Na entrevista, Jones lembrou que entrou no elenco em 2022, substituindo Vanessa Kirby (Sebastian Stan estava no papel de Brody), e já na época problemas estavam impedindo o filme de ir pra frente. Entre pandemias, greves e problemas pessoais da equipe, a produção do filme demorou ainda mais. ”A coisa toda desmoronou e nós pensamos que não ia acontecer, então voltou tudo de novo. É um testamento para a determinação e vontade de Brady e Mona [Fastvold] para fazer isso acontecer,” Jones lembra.
O lançamento veio em meio à crise no Oriente Médio envolvendo Israel e Palestina. O filme inclui gravações de arquivo sobre a fundação de Israel, e uma personagem coadjuvante é declaradamente sionista (algo que Tóth parece desprezar, mas que não é investigado a fundo), o que levou muitos a taxarem o filme de tal. Corbet foi vocal em premiações sobre seu desejo de ver o documentário No Other Land, sobre a situação de palestinos deslocados por Israel, distribuído nos EUA. O filme, dirigido por um palestino e um israelense, foi lançado nos cinemas pelos próprios cineastas e também concorre a Oscar.
Se as acusações de sionismo parecem equivocadas, as interpretações do filme como um reflexo da própria experiência de Corbet como artista são praticamente inevitáveis, e nem um pouco exageradas. O diretor já admitiu ter tido divergências criativas com os financiadores de seu longa anterior, Vox Lux, e ele e sua esposa Mona Fastvold – também roteirista e produtora de O Brutalista – admitem paralelos entre a empreitada de Tóth, sempre pedindo por mais dinheiro e liberdade contra o magnata Van Buren, com o ato de fazer cinema. “Arquitetura e a tarefa de criar um edifício tem muitas similaridades com a produção de filmes. Então eu acho que também foi uma forma de acessar algo bastante pessoal para nós e falar sobre nossa também,” Fastvold disse, quando questionei a dupla sobre a escolha da arquitetura brutalista. “Nós dois estávamos interessados na arquitetura brutalista. Todos os nossos filmes são peças históricas. Nós olhamos para o passado para tentar de alguma forma entender o presente Eu diria que estávamos interessados em como a psicologia pós-guerra afetou a arquitetura pós-guerra.”
O tema da durabilidade volta a surgir. Olhar o passado para entender o presente. Fazer algo que permanece. Numa palavra: legado. É algo que também está na mente de Adrien Brody, que aqui interpreta, novamente, um sobrevivente do Holocausto. Foi um papel semelhante – o de Wladyslaw Szpilman – que lhe deu o Oscar em O Pianista, e assim como nos discursos de premiações, Brody nos disse em entrevista que não imaginava voltar a esses palcos.
“Eu senti muito a responsabilidade de entender e representar as histórias de Szpilman, daquele período horrível na história e suas circunstâncias. Então, o fato de que László, em O Brutalista, suportou dificuldades semelhantes – e tendo suportado, vivido através de campos de concentração e testemunhado a destruição da Europa com tanta tristeza e perda – estava deixando aquilo para trás e começando sua jornada novamente; acho que foi inestimável que eu tivesse retratado esse personagem,” ele me disse. Um recomeço para os dois.
Descendente de húngaros que fizeram essa mesma jornada, Brody tinha uma conexão pessoal com a história de Tóth. Para ele, o principal ponto a acertar foi o dialeto húngaro, o que até mais que a questão do sionismo representou a grande polêmica do filme. Dias depois de nossa entrevista, foi revelado que um sistema de IA foi usado para aprimorar, na pós-produção, na pronúncia de algumas (poucas) palavras em húngaro. De qualquer forma, Brody fez questão de destacar a importância do falar para ele: “O principal requisito técnico deste filme era o dialeto. O sotaque húngaro é bastante específico, e havia uma abordagem muito específica que eu queria dar – esta formalidade de um homem nos anos 50 e como isso hum, como afetou sua capacidade de se expressar em inglês.”
Antes de todas as polêmicas, que não parecem ter afetado demais a recepção do filme – Corbet explicou o uso de IA aqui – O Brutalista iniciou sua caminhada em direção a Oscars, listas de “melhores do ano” e comparações com clássicos quase imediatamente depois das primeiras sessões. Jones lembra de ter essa impressão já em Veneza, e para Guy Pearce, isso veio ainda antes: “Você certamente tinha um senso, bem cedo como Felicity indicou, que isto é um projeto especial. O roteiro era realmente bom. Brady é um cara muito maduro, que é fácil de estar por perto. Ele é divertido e ele é leve e ele é fácil, mas ele leva o trabalho muito a sério. Nós sentimos que éramos parte de algo que era sério e adulto,” disse o ator.
“Sério e adulto.” Circulamos novamente para a proposta de O Brutalista. Por mais que ninguém proclame, abertamente, que o filme foi feito pensando nas listas de favoritos, nas coleções da Criterion, nos outros épicos que pautaram o cinema norte-americano, essa missão está tão presente no texto e subtexto do longa quanto na mente de seus realizadores. O brutalismo é uma escola onde a forma segue a função, e o filme – com três horas e meia e um intervalo de 15 minutos – segue esta linha. Ele é, do formato ao estilo, feito para ser um épico. Mas, para permanecer nas comparações à arquitetura, outra característica do brutalismo é sua clareza. Os materiais expostos e superfícies uniformes significam que qualquer poluição visual se torna gritante, e decisões de roteiro na segunda metade do longa prejudicam significativamente a obra inteira.
Talvez inseguro quanto à mensagem do seu filme, Corbet decide externalizar todos os seus temas – o domínio de um homem sobre o outro, o estilo de vida destrutivo e a presença do trauma na arte – com cenas didáticas, se não gritantes. O epílogo do longa, outra cena apontada como sionista por alguns, mostra Tóth novamente silenciado por um agente externo, mas dessa vez o capitalista americano dá lugar a uma israelense. O poder temático do momento é traído pelo diálogo expositivo que pouco agrega ao filme. Na hora de aprofundar as discussões que levanta, Corbet fica aquém dos exemplos que quer seguir.
Ainda assim, é difícil não sair do cinema inspirado. Não é todo dia que se vê um filme tão ambicioso. Essa ambição pode ser lida como arrogância, particularmente devido ao quão fácil ela é de identificar, mas graças ao formato atual da indústria cinematográfica, filmes independentes como esse raramente têm a chance de mirar nas alturas. O mercado não facilita as coisas. Feito com US$ 10 milhões, ele parece maior em escopo do que algo com dez vezes seu orçamento, e suas ânsias são igualmente enormes. e com a exceção de Francis Ford Coppola, ninguém está fazendo algo por US$ 100 milhões sem, primeiro, pensar em vender brinquedos. O Brutalista é, acima de tudo, uma grande exceção à regra contemporânea. Ele não é um monumento como O Poderoso Chefão, mas quão bom seria ter mais filmes com esse desejo.
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