Quando Suzanne Collins anunciou um quinto livro para a saga de Jogos Vorazes, em 2024, logo após o sucesso comercial de A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes nos cinemas, a notícia foi recebida com compreensível ceticismo quanto às intenções da autora. Depois de tantas críticas sociais incluídas em suas obras, será que agora ela estaria lançando um livro que continua narrando os horrores da constante morte de crianças... apenas por fins comerciais?
Claro que é muito difícil fugir totalmente disso, especialmente pelo lado da editora e da distribuidora cinematográfica — que já confirmou a adaptação para o cinema de Amanhecer na Colheita, marcada para novembro de 2026. Felizmente, no entanto, Collins fez também um livro que não só se aprofunda nas críticas e reflexões da autora, como também parece uma conclusão apropriada para as ideias levantadas em todos os seus antecessores (apesar de se passar no meio deles).
O protagonista desta vez é um personagem bem conhecido do público: Haymitch Abernathy (vivido por Woody Harrelson nos filmes), mentor de Katniss em Jogos Vorazes. No novo livro, voltamos para a 50ª edição dos jogos, marcada por um dos Massacres Quaternários, em que o dobro de tributos foi enviado à arena. Como já sabemos, o famoso bêbado descompromissado do Distrito 12 foi o grande vitorioso.
É interessante que, mesmo que o público saiba exatamente qual é o final dessa história, a autora consiga nos levar em uma jornada na qual sofremos do mesmo jeito – talvez, até mais. Ver os passos percorridos pelo protagonista, sabendo exatamente onde ele vai parar no futuro, é de partir o coração. Sua personalidade leve e divertida, as pessoas por quem tinha apego, mas que depois o tornaram o homem mais solitário do Distrito... e, até suas ambições, ali, que sabemos terem levado 25 anos para serem concretizadas, são traços que tornam a obra ainda mais triste.
Mas, novamente, Suzanne Collins não deixa a história ser apenas tragédia pela tragédia. Ela usa Amanhecer na Colheita para relembrar que o presidente Snow, que quase caiu nas graças do público depois de A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes, é um dos vilões mais implacáveis de todos os tempos, e aproveita para acrescentar à história ideais do filósofo e historiador David Hume. É aqui que Collins insere pela primeira vez a fagulha da revolução que toma a história de Katniss. Ela se questiona sobre como a população dos Distritos é muito maior que a da Capital e os apoiadores do presidente e, mesmo assim, eles continuam sendo subjugados. Por que esse receio em pegar em armas?
Em um âmbito menor, a discussão continua até dentro dos próprios Jogos Vorazes de Haymitch. Por que os Carreiristas (tributos dos Distritos 1, 2 e 4) estão sempre fadados a vencer enquanto todos os outros são Azarões, sendo que eles representam a minoria? E se o outro lado se unir também com um objetivo em comum? Soma-se a isso ideias fortes de George Orwell sobre a propaganda e como as imagens podem ser manipuladas para contar uma história.
A 'verdade' que Katniss sabe no futuro sobre Haymitch, por exemplo, é muito diferente da realidade. Ele era – e continua sendo, até a história dela – muito mais engajado politicamente do que qualquer leitor jamais imaginou. E é por isso que a autora deixa claro que essa narrativa não é apenas um fan-service (apesar de ter muitos inseridos ali no meio), mas também uma história que precisava ser contada.
Amanhecer na Colheita se passa 40 anos depois de A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes e 24 anos antes de Jogos Vorazes. Ainda assim, é o livro que mais se parece com uma despedida. Ele amarra as ideias de Suzanne Collins e também todas as pontas soltas das histórias que ficaram para a imaginação dos leitores. É um presente para os fãs, mas também muito mais do que isso.
Roteiro: Suzanne Collins
Ano: 2025