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<i>As Aventuras do Didizinho</i>: O retorno do trapalhão

<i>As Aventuras do Didizinho</i>: O retorno do trapalhão

27.12.2002, às 00H00.
Atualizada em 08.11.2016, ÀS 13H03

Revistas protagonizadas por personagens retiradas do imaginário popular televisivo, cinematográfico ou do mundo de entretenimento em geral sempre foram uma constante na trajetória das histórias em quadrinhos. Já na década de 20, na Inglaterra, a revista Film fun trazia as aventuras dos mais famosos artistas do então cinema mudo, como Harold Lloyd, Laurel e Hardy (O Gordo e o Magro) e Fatty Arbuckle. Na década de 30, o mundo do rádio foi objeto das histórias em quadrinhos inglesas na revista Radio fun, que seguia o mesmo modelo de sua antecessora. E, da mesma forma, o predomínio da televisão como meio de entretenimento familiar preferencial, durante a década de 50, logo fez surgir títulos como TV fun, que tinha, no ambiente criado pelo mundo de artistas e apresentadores dos espetáculos televisivos, o seu eixo temático preferencial. O mesmo, de uma forma ou de outra, aconteceu em todos os países onde as histórias em quadrinhos conviveram em harmonia com as outras mídias.

No Brasil, não foi diferente. Grandes sucessos dos quadrinhos tiveram como protagonistas artistas de televisão ou do cinema, bem como personagens de rádio ou personalidades populares do mundo dos esportes e espetáculos musicais. Foi do rádio, por exemplo, que vieram personagens como Jerônimo, O Herói do Sertão, e O Anjo, este último inicialmente desenhado pelo brilhante Flávio Colin, recentemente falecido, e depois por Walmir Amaral. Os quarentões com certeza podem se lembrar de que, diretamente das telas de TV para os quadrinhos, chegou Carlos, o Vigilante Rodoviário, dirigindo o seu Simca Chambord ou pilotando sua motocicleta Harley Davidson, sempre acompanhado por seu fiel cão Lobo. Do cinema, no tempo das famosas chanchadas, vieram parar nos quadrinhos diversos comediantes populares, como Oscarito e Grande Otelo ou Mazzaropi, além de diversas duplas de palhaços, entre os quais se destacam Arrelia e Pimentinha, Fuzarca e Torresmo e Carequinha e Fred. Se eles faziam sucesso nas telinhas, nas telonas e nas ondas de rádio, certamente tinham cacife suficiente para vender gibis, acreditavam os editores de quadrinhos das décadas de 50 e 60. E com razão. Eles vendiam, sim. E bem.

As últimas décadas do século vinte viram essa tendência de aproveitamento de personagens consagradas sendo buscada com menor ou maior sucesso por diferentes editores de quadrinhos. Até duplas sertanejas como Leandro e Leonardo e apresentadores de televisão como Angélica, Xuxa, Gugu e Faustão acabaram virando títulos de revistas, nem sempre para gostos muito apurados. De todos as personalidades do mundo do entretenimento a irem parar nos quadrinhos, no entanto, talvez os mais duradouros tenham sido Renato Aragão, Dedé Santana, Antonio Carlos Bernardes Gomes (Mussum) e Mauro Faccio Gonçalvez (Zacarias), os quatro comediantes que compuseram o grupo conhecido como Os Trapalhões (o que é até compreensível, pois deles foi também o programa humorístico de mais longa duração da televisão brasileira...).

A LONGA TRAJETÓRIA DOS TRAPALHÕES NO PAPEL

A primeira revista d´Os Trapalhões foi editada pela Editora Bloch durante os anos 70 e 80, produzida pelos Estúdios Ely Barbosa, que também realizou uma outra revista para a Editora, As aventuras de Didi, protagonizada pelo chefe do grupo. Foram quase cem números de episódios humorísticos, similares aos vividos semanalmente pelos artistas nas telas da televisão, reproduzindo nos quadrinhos o mesmo nível de linguagem popular das anedotas televisivas, muitas vezes de conteúdo apimentado ou malicioso. Teve um relativo sucesso, talvez por não ser tão apropriada ao público infantil, para quem era dirigida a revista. A grande virada ocorreria apenas alguns anos depois, com o aproveitamento das figuras famosas por outra editora, a Abril: a partir do trabalho de César Sandoval, as personagens foram rejuvenescidas, sendo retratadas como crianças e vivendo aventuras mais próximas ao cotidiano de seus leitores. Nesse formato, viveram o seu período mais longo e profícuo nos quadrinhos, num total de quatro títulos regulares - Trapalhões, de janeiro de 88 a fevereiro de 93, com um total de 77 números; Almanaque dos Trapalhões, de dezembro de 88 a dezembro de 90, com cinco números; As aventuras dos Trapalhões, de setembro de 89 a janeiro de 94, com cinqüenta números; e Almanaque aventuras dos Trapalhões, de julho de 90 a dezembro de 94, com quatro números -, além de inúmeras publicações especiais, entre as quais se destaca a graphic novel vencedora do prêmio HQMix de 1992, Didi volta para o futuro. Em 1996/1997, a Editora Bloch ainda tentaria relançar sua revista As aventuras de Didi, mas o título não obteve sucesso junto ao público, sendo cancelado em seu terceiro número.

De uma certa forma, apesar da malograda tentativa de reviver o sucesso anterior das personagens, os títulos baseados nos Trapalhões praticamente tiveram suas carreira encerrada com a dissolução do grupo, em 1994. Parecia, assim, que não havia mais nada a esperar para eles em termos de histórias em quadrinhos no novo século, ainda que o líder do quarteto, Renato Aragão, continuasse bastante ativo na televisão brasileira. Ledo engano, no entanto. Neste início de dezembro, a Editora Escala, de São Paulo, coloca nas bancas a revista em quadrinhos As aventuras do Didizinho, um dos títulos de um pacote de publicações que engloba também revistas de atividades, com um grupo de personagens especialmente criado para acompanhar o protagonista, a maioria deles baseada em criações suas para seus programas humorísticos, em quarenta anos de vida artística.

A TRUPE DO DIDI

A troupe do Didi, denominação geral para o grupo de personagens que debuta em As aventuras do Didizinho, foi criada pelo Twister Studio, sob a coordenação geral do jornalista Paulo Aragão, da Renato Aragão Produções Artísticas. Desta vez, buscou-se uma vertente criativa diferente daquelas anteriormente adotadas: nem se manteve o padrão de personagens adultas, nem se desenvolveram protagonistas infantilizados. De uma certa forma, o Twister Studio buscou o equilíbrio entre ambas as possibilidades e criou um grupo de personagens em idade adolescente (ou pré-adolescentes, se quisermos ser mais rígidos), vivendo as situações típicas dessa idade. Tal mudança, muito provavelmente, visou atingir o público que anteriormente lia as revistas dos Trapalhões retratados como crianças: teoricamente, esses leitores, contemporâneos às personagens de então, também envelheceram e são hoje adolescentes, constituindo prováveis compradores da nova revista em quadrinhos. Se a estratégia foi corretamente pensada, o sucesso - ou o insucesso - da revista irá demonstrar.

O primeiro número de As aventuras do Didizinho começa com a história O mais esperto, especialmente preparada para apresentar aos novos leitores as personagens que protagonizam a revista. A apresentação é feita por Psite, o amigo virtual do Didizinho cujo nome faz um jogo de palavras com as expressões psit, criada por Renato Aragão em seu show televisivo, e site, espaço virtual na Internet. A personagem, em formato de extra-terrestre, sai diretamente de um computador e começa a apresentar as demais: o jovem Bonga (que não é a personagem da revista Pelezinho...), um menino de bom coração; o Ananias, pequeno e bem intencionado; a Sabe-Tudo, uma nissei com alto QI e devotada aos estudos; Joana e Livinha, duas meninas atiradas, a primeira retratada como uma mulata alta e sensual e a segunda como uma loira mignon; o exótico Mãozinha, um garoto meio desatinado, trazendo na cabeça um chapéu em formato de luva; e Sonacaxa, o DJ da turma, sempre ligado em música.

Nessa primeira história, o jovem Didizinho demonstra ao grupo sua esperteza superior. O mesmo tema aparecerá em outra história da revista, A Aposta, em que o protagonista prevalece sobre Mãozinha e Sonacaxa, que lhe tentam pregar uma peça.

Na segunda história, O resgate, aparece aquele que provavelmente será o grande oponente do protagonista, o Dr. M. Leka, acompanhado de seu ajudante Cabeleira, que raptam o Didizinho com a finalidade de lhe roubar a juventude, mas têm que enfrentar os amigos do garoto, que buscam salva-lo. Em O biscoito da sorte, Didizinho e Bonga tentam atingir sorte e riqueza seguindo os conselhos que acreditam estar em um bolinho chinês, enfrentando animais selvagens e subindo montanhas íngremes. A revista encerra-se com a história Mentindo na escola, a única em que não aparece o protagonista, que gira em torno de situações escolares vividas por Livinha e Joana.

HISTÓRIAS PREVISÍVEIS

A revista As aventuras do Didizinho é pequena, colorida, 36 páginas e tem um preço acessível (R$1.50). A criação de um grupo de jovens adolescentes, embora não seja uma iniciativa pioneira - outros títulos, como a extinta revista Turma do Barulho, publicada em 1996 e 1997 pelas editoras Abril e Press, respectivamente, tentaram a mesma coisa -, merece ser louvada como uma proposta de ampliação do mercado de quadrinhos no país. Na busca de um novo público, no entanto, a revista ainda parece resvalar em temáticas singelas e histórias totalmente previsíveis, o que pode diminuir um pouco o entusiasmo pelas personagens, passada a novidade do lançamento. Em termos gráficos, o modelo deixou o Didizinho mais próximo dos Trapalhões adultos do que dos infantis; ainda que não sejam tão desengonçados quanto os primeiros, infelizmente não atingiram a singeleza que nos últimos foi obtida pela preciosidade dos desenhos de Gustavo Machado, Paulo Borges e Marcelo Cassaro, entre outros. Mas sempre é possível que os próximos números possam esconder gratas surpresas e a revista consiga ampliar aos poucos o seu público, abrindo caminho para outros títulos de quadrinhos direcionados aos adolescentes brasileiros. Por enquanto, o maior trunfo que talvez ela tenha com vista ao futuro é o fato de apresentar um conjunto heterogêneo de representações sociais, buscando, desta forma, retratar a diversidade da população brasileira. A Trupe do Didi, como foi denominada, acabou constituindo, talvez até mesmo por acaso, um grupo politicamente correto de personagens. E isso costuma ter alguma ressonância na sociedade. Resta esperar que funcione para o bem.

As aventuras do Didizinho
Twister Studios
Coord. Paulo Aragão

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