Ao contrário do Brasil, o serviço de emergência dos EUA tem apenas um número que pode ser acessado não importando se você precisa de um policial ou de um bombeiro. O 911 funciona muito bem desde 1968 (quando tornou-se unificado) e recebe mais de 600 mil chamadas por dia, o que já o identifica como um serviço no qual a população acredita e investe. As ligações – que são gravadas automaticamente – são usadas como evidências judiciais e já ajudaram a resolver crimes. O trabalho dos atendentes e dos profissionais para as quais são transferidas as chamadas precisa ser uníssono. Olhando pela perspectiva do quanto esse tipo de serviço público nutre e propaga grandes histórias, era de se estranhar que nunca tivessem feito uma série sobre isso.
Ryan Murphy não começou na TV com um procedural, mas foi com Nip/Tuck que ele começou a chamar atenção na indústria. A série era sobre dois cirurgiões plásticos inescrupulosos e embora suas vidas pessoais fossem parte importante dos episódios, a cada semana chegavam novos casos, o que fez com que a série ganhasse um lugar no hall dos “pseudo-procedurais” imortalizados pelo que Shonda Rhymes propôs com Grey’s Anatomy. A fórmula sofreu uma mutação natural e quase todos os trabalhos que propõem interações sociais transitórias não falam somente dos casos que se encerrarão ainda naquele episódio.
O showrunner uniu-se a seu companheiro Brad Falchuk e também ao roteirista Tim Minear e os três decidiram entrar no mercado das “séries que se apoiam em serviços públicos essenciais”. 9-1-1 tem histórias muito bem desenhadas em torno de seus personagens centrais, mas o nó dramático que inicia tudo acontece quando Abby (Connie Britton), uma atendente do serviço, mais velha, que dedica sua vida a cuidar da mãe doente, encontra no meio de um atendimento o afoito Buck (Oliver Stark), um jovem bombeiro, apaixonado pela profissão, cheio de anseios, com quem ela desenvolve ela uma relação não-presencial de extrema compreensão mútua.
What’s Your Emergency?
Séries com profissionais da polícia ou dos bombeiros não são novidade nenhuma para o espectador. As fórmulas desses tipos são sempre iguais, mas eles podem sempre oferecer alguma coisa que respire diversidade. Com um trabalho de Murphy isso acontece naturalmente, então para que a série não seja só sobre a fórmula, ele incute em seus protagonistas algumas calculadas problematizações. Peter Krause é um capitão cheio de segredos, Angela Bassett é uma policial que acabou de descobrir um grande e importante segredo do marido e Aisha Hinds vive uma bombeira que tem como lema de vida superar o passado.
É muito satisfatório ver como a temporada evidencia seu planejamento, estudando seus personagens, mas tentando salvar todos eles do lugar-comum, mesmo que a proposta das histórias seja previsível. Num primeiro momento a série surpreende com um nível de diversidade nas tramas. Os procedurais (que antes tinham que levar em consideração que tinham 22 episódios no ano) agora experimentam sua porção contemporânea e podem se dar ao luxo de terem apenas 10. Isso aumenta expectativas e a maior crítica a 9-1-1 está justamente na segmentação de alguns desses poucos episódios, aprisionados em imposições temáticas como lua cheia e karma. Deve haver uns 100 casos de séries que usaram esses mesmos signos.
Seria injusto, contudo, atribuir qualquer crítica severa. 9-1-1 é extremamente bem produzida, ambientada e roteirizada. O texto é cuidadoso ao falar de alcoolismo, suicídio, homossexualidade e alguns outros temas que podem jogar qualquer produto no abismo da breguice e que nesse caso, sustentam-se de forma muito profissional. Alternando entre choque e leveza, a série usa os personagens fixos como arautos que discutem aspectos muito sérios de suas próprias vidas inventadas, justamente porque elas se correlacionam com as do público.
A forma como a história de Abby e Buck evolui é romântica e também engajada. Peter Krause se esforça para delinear as complexidades brutais que constituem a vida de Bobby. Angela Bassett está numa trama onde um homem casado sai do armário, mas a voz que precisa ser ouvida, nesse caso é a dela... São os personagens que alimentam a essência da série; e justamente por causa disso é que quando emergências precisam ser atendidas, é possível entreter o público de verdade. Mesmo que a construção de algumas tensões tenham sido discretas, o último episódio mostrou que foram muito eficientes.
As vidas dos personagens estavam tão mexidas que eles próprios gostariam de ligar para o 9-1-1 para pedir ajuda. Eles atendiam emergências, mas também eram uma. Quando o segundo ano começar, a expectativa é que todo o processo de socorro pelo qual passa a trama faça de 9-1-1 uma pequenina e desatendida pérola da teledramaturgia.