A Netflix virou uma das bases de fãs mais aguerridas do Brasil de cabeça pra baixo ao anunciar uma série original de Cavaleiros do Zodíaco. Conhecida por seu cuidado com os fãs na hora de “resgatar” produções do passado, a gigante do streaming se vale dessa reputação ao anunciar uma temporada de doze episódios que deve recontar a clássica história criada por Masami Kurumada.
Com a notícia, vêm também muitas dúvidas e desafios acerca dessa nova empreitada. Na esteira do sucesso da animação de Castlevania, a Netflix certamente viu no mercado de animes um filão com muito potencial de crescimento, e é bem clara a estratégia da empresa de se tornar um ponto central para os fãs de anime que não vivem no Japão.
Por outro lado, o novo anime vem com uma composição inédita de equipe criativa dentro da franquia, com roteiristas ocidentais trabalhando ao lado de diretores, produtores e animadores japoneses. Embora o principal público ocidental de Cavaleiros se concentre na América Latina (e, em especial, no Brasil), o batalhão de escritores com animações de super-herói americanas no currículo também dá a entender uma intenção de tentar, mais uma vez, emplacar Cavaleiros do Zodíaco no lucrativo mercado dos Estados Unidos, onde a série nunca fez sucesso por vários motivos.
Por enquanto, são poucas as informações que temos a respeito dessa nova produção, mas o que já foi divulgado é o suficiente para imaginar o principal desafio que a Netflix terá com essa nova série de Cavaleiros: escolher qual caminho tomar na encruzilhada entre apresentar a série a um novo público e agradar os fãs. E, ao contrário de séries como Castlevania, essa decisão pode não ser tão fácil assim.
Fidelidade ao material original
A primeira temporada adapta, em animação 3D, a Guerra Galáctica e vai até o início da luta contra os Cavaleiros de Prata (via CavZodiaco). A quantidade de episódios (12 no primeiro ano) provavelmente sugere uma adaptação direta do mangá, sem os fillers (episódios com história original que não existe no quadrinho) criados quando a história foi adaptada para o anime.
Na série clássica, os Cavaleiros de Prata só são colocados como adversários de Seiya e cia. após 23 episódios, enquanto a obra original de Kurumada os apresenta formalmente após a derrota de Ikki e dos Cavaleiros Negros. Esqueça Dócrates, Gisty e os Cavaleiros Fantasmas, e o Cavaleiro de Cristal, o mestre de Hyoga (e discípulo de Camus de Aquário). Se a história do mangá for levada à risca, eles devem ser cortados.
Ao longo dos anos, os fillers foram mal-vistos pelos fãs pela qualidade das histórias apresentadas, o que fazia parecer que a animação estava “enrolando” para dar fôlego ao mangá. Mas Cavaleiros do Zodíaco traz consigo alguns exemplos de fillers que deram certo, e esta primeira parte conta com alguns exemplos.
Embora alguns personagens e arcos extras sejam dispensáveis (oi, Gisty), esse pedacinho de história traz uma transição muito mais suave e coerente da história do que no mangá, onde Seiya é literalmente teletransportado do Monte Fuji aos pés de Misty de Lagarto.
E mesmo que todos os fillers sejam cortados, podemos esperar que a história contada pela Netflix seja ainda mais sucinta. Se desconsiderarmos todas as histórias extras deste início de Saga do Santuário, o anime clássico leva cerca de 15 episódios para chegar ao mesmo ponto da trama. Então, podemos esperar que a trama seja ainda mais direta (em um estilo similar ao filme hollywoodiano perfeito que imaginamos no OmeleTV - se você não viu, veja abaixo).
Este é o primeiro grande desafio que a empresa de Reed Hastings terá de enfrentar ao adaptar CdZ. Uma versão mais próxima do mangá de Kurumada certamente se encaixa melhor número de episódios da primeira temporada, mas a versão do anime é mais conhecida - especialmente no Ocidente - e, nela, as liberdades tomadas ajudaram o ritmo da história a fluir melhor.
Para qual público será a adaptação?
A fidelidade ao material original nos leva ao principal desafio da nova adaptação: a violência gráfica. Quem conhece Cavaleiros do Zodíaco sabe que a série é violenta: desde o primeiro episódio, temos orelhas decepadas, rios de sangue jorrando dos corpos dos guerreiros, braços cortados fora, entre outras representações de degradação física do ser humano, tanto no mangá quanto no anime clássico.
A violência que quase fez a série não passar na televisão brasileira em 1994 teria ainda menos chances de ir ao ar em 2017, se a adaptação não estivesse nas mãos da Netflix, que dá mais liberdade aos criadores de animações. A versão de Castlevania produzida pelo serviço de streaming deu certo justamente por isso, nas palavras do próprio Adi Shankar, criador da série.
Entretanto, existe uma diferença fundamental entre Castlevania e Cavaleiros do Zodíaco: a composição da equipe criativa. Enquanto a série baseada no game da Konami era majoritariamente ocidental, a animação de Cavaleiros conta com uma divisão inusitada: o diretor, os animadores e designers de personagens são japoneses (Yoshiharu Ashino, Terumi Nishii - que é fã do mestre Shingo Araki, artista principal do anime clássico - e Takashi Okazaki, respectivamente), e a equipe de roteiristas é inteiramente ocidental.
O principal escritor é Eugene Son, de Avengers: Secret Wars, animação da Marvel que já está em sua quarta temporada e traz aventuras dos Vingadores. Confira uma cena da série abaixo:
Os outros roteiristas do projeto são Benajmin Townsend, Shannon Eric Denton, Thomas F. Zahler, Joelle Sellner, Travis Donnelly, Thomas Pugsley, Sandra Hall, Shaene Siders e Patrick Rieger. Todos têm experiência em séries voltadas a um público mais jovem, como Justice League Action, Ultimate Spider-Man, Ben 10: Omniverse e Thunderbirds Are Go. A Toei Animation é o estúdio responsável pela animação (o que nos leva a crer, inclusive, que este é um dos três projetos citados pelo presidente Kozo Morishita na CCXP 2016).
É aqui que se concentra a maior interrogação desta nova adaptação. Como essa união de culturas e experiências vai moldar a série de Cavaleiros da Netflix? O serviço de streaming olha para o público ocidental na hora de expandir seu catálogo, e quem conhece a saga de Seiya e seus amigos é o público latino, não o americano, onde a série foi exibida com vários cortes - no primeiro epísódio, o sangue de Cassius, inimigo de Seiya pela armadura de Pégaso, virou azul.
A ideia de se adaptar Cavaleiros do Zodíaco para um público mais jovem pode ser vista com ainda mais apreensão se levarmos em conta que a própria Toei já tentou essa estratégia em 2012, com a série derivada Ômega. Espécie de continuação da série original e situada em um futuro mais distante, o novo anime flertou com conceitos de franquias mais jovens, como Harry Potter, e o tiro saiu pela culatra, de modo que a série só engatou de vez quando resgatou um arco clássico: a subida dos heróis pelas 12 Casas no Santuário.
É claro que toda essa especulação pode estar errada e que, apesar da expertise em séries para um público mais jovem, a nova série dos Cavaleiros retenha suas raízes quando chegar a Netflix, em um futuro breve. E você? O que acha desta adaptação? Deixe sua opinião nos comentários.