BBB 23: O xadrez dos kamikazes

Créditos da imagem: Arte/Omelete

Séries e TV

BBB 23: O xadrez dos kamikazes

Expulsão de assediadores faz o tabuleiro do BBB 23 se jogar inteiro no caos. A edição já é histórica por todos os motivos certos (construídos no que existe de mais errado).

Omelete
7 min de leitura
17.03.2023, às 10H05.
Atualizada em 17.03.2023, ÀS 10H53

Na história do Big Brother Brasil, a omissão era sua base primordial. Até mesmo na louca dinâmica de forçar afetos para depois obrigá-los a se excluírem, a direção do programa e seus idealizadores buscavam a observação definitiva do julgamento alheio. Alheio mesmo, nunca deles. Quem erra são os participantes, quem elimina é o público... A produção só monta o circo e coloca os personagens sob a lona. Enquanto eles se esgarçam para sobreviver, as “casas” do tabuleiro mudam de lugar, ficam movediças, abrem alçapões e estruturam o resultado do jogo: um reality show é fascinante justamente porque no meio de tanta “mentira”, a verdade força sua soberania.

Da primeira até a edição número 12, o BBB fugiu o quanto pôde de tomar partido pelo caos que criava entre os competidores. Nenhum discurso sobre toxicidade durante o relacionamento de Manuela e Thyrso (BBB 2); nenhuma conversa sobre homofobia diante do comportamento dos rivais de Jean (BBB 5); nenhuma problematização do machismo que vazava das trajetórias de Dhomini (BBB 3), Alemão (BBB 7) e Max (BBB 9)... Quando Tarciana e Jefferson protagonizaram o primeiro sexo do programa (BBB 2), o público tratou de mandar os dois para casa. Também foi o público que condenou Xaiane (BBB 1), Tessália (BBB 10), Ariadna (BBB 11) e tantas outras mulheres que refletiram uma ousadia proibida para o horário nobre brasileiro. Ou eles se expulsam ou nós expulsamos... Por muito tempo, Boninho não precisou fazer nada.

No BBB 12 aconteceu a primeira expulsão – e curiosamente, ela aconteceu também pautada em assédio. O modelo Daniel transou com a participante Monique durante a noite e o público percebeu que ela parecia estar dormindo. Ela afirmou que não houve abuso, mas diante da pressão e da incapacidade de dar uma resposta definitiva sobre o ocorrido, finalmente a produção decidiu tomar a decisão de excluir o participante da casa. Alguns anos depois, no BBB 17, outro caso de abuso colocaria para fora Marcos Harter. Vistas hoje em dia, as cenas de agressividade que ele protagonizou parecem impossíveis de levantar qualquer dúvida. Mas, houve dúvida. Houve demora. Marcos saiu, discretamente, durante a tarde, sem alarde.

Os parâmetros de interferência da produção são sempre confusos. O falso tapa de Ana Paula Renault (BBB 16) gerou a expulsão porque Renan se sentiu agredido... Paula (do BBB 19) não reclamou do empurrão de Hariany, mas a moça foi expulsa mesmo assim. A falta de clareza abre precedentes perigosos, porque, no BBB 23, Larissa passou uma madrugada dando safanões propositais nos colegas e não foi expulsa. Se o tapa foi falso, se o balde foi proposital, se o empurrão foi sem querer... nada parece passar por triagens seguras. Pyong (BBB 20) assediou mulheres tanto quanto Guimê e Sapato, mas ficou. Bruno Gaga, esse ano, foi totalmente inadequado com Gabriel Santana e não saiu. A sensação é que a produção do BBB diz que as regras são claras, mas analisam resultados caso a caso.

A edição número 23 escancarou uma postura especialmente negligente. O tabuleiro desse xadrez maluco se abriu na mesa com altas expectativas e a chefia só viu horizonte... Se Gabriel tivesse sido expulso assim que ameaçou Bruna com um soco, talvez não tivéssemos chegado até aqui. Se Key, Christian e Gustavo tivessem sido expulsos quando foram preconceituosos com Fred Nicácio, talvez não estivéssemos aqui. Se Larissa tivesse sido colocada para fora depois dos tapas nos colegas, talvez não estivéssemos aqui. Peões mereciam ser “capturados”, mas, até a noite dessa última quinta-feira, tudo era tratado com panos quentes, com “broncas” condescendentes, paternalistas, sem que o elenco de competidores sofresse qualquer verdadeira consequência. Era um xadrez de “vale-tudo”.

“Morte Súbita”

Não por acaso, quando o programa dessa quinta abriu seus trabalhos, Tadeu Schmidt disse: "Providências serão tomadas". Por quase 24 horas, a internet fervia a expectativa não só de uma como de duas expulsões. MC Guimê foi flagrado passando a mão na bunda de Dania e já amanheceu com sua esposa, Lexa, soltando a dele. Cara de Sapato tentou sair do zero a zero confundindo flerte com ataque e imobilizou a visitante mexicana para tirar dela alguma vantagem. Dania já tinha tido sua bolsa revirada pelo horroroso “Fredinho” sem autorização; mas o nível de descaso com sua dignidade alcançou níveis estratosféricos.

E aí? A produção faria alguma coisa? Para a maioria dos tuiteiros, não. E a culpa dessa falta de credibilidade é do próprio programa. Contudo, quando os patrocinadores começaram a postar mensagens de repúdio, o terremoto estava sendo anunciado. Mexer no bolso é complicado... Uma bronquinha não seria mais suficiente dentro de uma edição sem favoritos na qual nenhuma das empresas podia contar com um rosto comercialmente vantajoso. Já é difícil estar atrelada a uma edição sem pessoas “gostáveis”, quanto mais a uma edição em que assediadores saíam livres.

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Boninho deve ter tentado, mas não dava mais para garantir que os alçapões do tabuleiro se manteriam fechados. E era necessário exibir essa expulsão em praça pública, garantir que ninguém entendesse a discrição como uma tentativa de amenizar os estragos. Guimê e Sapato precisavam ser expulsos ao vivo, especialmente nessa edição cheia de negligências. Se eles tivessem sido expulsos no meio da tarde, os mesmos tuiteiros que reclamaram que “tudo foi muito exposto” estariam tuitando que “os abusadores foram protegidos”. O trauma de Dania começou quando ela foi tocada sem permissão, e seria o mesmo no meio da tarde ou no ao vivo (afinal de contas ela está num reality show com dezenas de câmeras por toda parte). No ao vivo ao menos ela teve amparo.

Cara de Sapato virou o “Cara de Caneca”, perdido, sem entender como tinha estado no programa até agora sem nunca nem ter consumado nada com Amanda, e agora estava sendo expulso por conta de uma noite com uma visitante (eles nunca entendem o que fizeram). Já MC Guimê não reagiu... e nem contestou. Deve ter deixado sua indignação voar para cima de Boninho. Saiu sem alarde, sem emoção, porque, provavelmente, em sua cabeça estava sendo muito esperto passando a mão na bunda de Dania por um ângulo em que não estaria sendo visto. Era o rei do tabuleiro e se estabacou quando tentou se mover sobre a dama.

O Big Brother Brasil 23 tem sido essa rinha latente de egos, cheia de jogadores ambiciosos, mas incapazes de construir narrativas afetivas. Eles são surpreendentes... Jogam lado a lado com parceiros que logo adiante serão sacrificados; mentem, enganam, fingem que acreditam em reis que logo serão depostos; convencem rainhas que elas são imprescindíveis enquanto planejam golpes; atravessam as trincheiras do tabuleiro jogando pesado, mas se jogam no precipício da borda porque não sabem a hora de parar. Sem favoritos, sem torcidas, semana após semana, o reality exibe a derrocada de seus participantes como nunca vimos antes no programa. Eles se derrubam como peões confusos. É uma edição voraz, sangrenta, impressionante.

É impossível dizer quem ganha. Em uma semana heróis viram vilões, mocinhos viram bandidos; ninguém está a salvo. Mas, é necessário admitir: a edição 23 tem feito história (a briga geral no jogo da discórdia antes da eliminação de Key foi outro exemplo disso). O BBB 23 por pressão executou as expulsões; mas executou. Esse foi um momento histórico; e NECESSÁRIO tanto para nossa televisão quanto para nossa sociedade. Reality Show é diversão, farra, mas é REALIDADE sim!! Homens destilando machismo, uma mulher abusada de todas as formas em menos de 24 horas, uma esposa traída nacionalmente, carreiras potencialmente destruídas, anos e anos de constantes explicações (e uma boa e providencial manutenção de danos). Olha aí para ela, a realidade, na nossa cara.

O Big Brother Brasil é do jeito que são seus jogadores: complexo, omisso, fingido, oportunista e mágico... E é incrível... Incrível.

Está definido que...

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... estamos vivendo um momento em que Domitilla, Black e Ricardo tomaram as primeiras posições. Ricardo é o candidato mais provável de seguir a cartilha kamikaze do jogo, mas Black tem pouco discernimento e acho que não fica muito tempo no topo. Domitilla é provavelmente quem tem mais condições de se manter equilibrada. Ela cresceu muito durante os últimos dias e especialmente com a chegada de Dania.

Está a definir...

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... se Bruna Griphao tem condições de sair do limbo em que se coloca toda vez que tem um de seus rompantes de criança mimada que não sabe ouvir não. Ela tem momentos de grande lucidez (foi uma das vozes de sensatez da noite dos assédios), tem afetos sinceros pelos colegas (e até pelos rivais), mas enquanto estiver ao lado de Fred, mantém-se na beira do precipício.

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