Qualquer narrativa ficcional que aspire a reflexões políticas precisa resistir a algumas ânsias que se provam letais na hora de estabelecer uma boa relação com o público. A primeira é a de simplificar um mundo complexo e específico para uma plateia que não o conhece, suavizando o ritmo ou a linguagem usada pelos personagens - nomes de cargos e suas dinâmicas de poder são centralizados, jargões geopolíticos eliminados, e o tráfego de informações entre várias esferas de governo faz pouca diferença nas narrativas que cedem a esse impulso.
A Diplomata evita tudo isso com absoluta destreza. Na série de Debora Cahn, calejada por seus anos de roteirista em The West Wing e Homeland, diplomatas e chefes de Estado falam e agem com a objetividade informada que é esperada de diplomatas e chefes de Estado, e o público é conduzido através dos corredores impecáveis, salas luxuosas e escadas clandestinas do poder com firmeza, sem condescendência intelectual. A Diplomata não se preocupa em nos explicar tudo o que acontece - confiando na nossa adaptabilidade linguística e exigindo nossa completa atenção, a série é mais um amigo dando aquele empurrãozinho encorajador nas costas do que uma figura materna nos levando pela mão.
Por isso, somos jogados de paraquedas no mundo da diplomata de carreira Kate Wyler (Keri Russell). Prestes a assumir um posto de embaixadora no Oriente Médio, ela é convocada pelo presidente para uma posição muito diferente: a de representante americana em Londres, no Reino Unido, posto considerado largamente cerimonial. O cargo se transforma em estratégico, no entanto, quando um ataque terrorista atinge um porta-aviões britânico e o Irã é apontado como responsável. Além de um primeiro-ministro impulsivo (Rory Kinnear) e colegas inicialmente indispostos a trabalhar com ela, Kate precisa lidar com o marido, Hal (Rufus Sewell), estrategista da velha guarda que está mais acostumado a concentrar os holofotes do que a interpretar papel de coadjuvante no teatro político.
Aí é que entra o segundo impulso ao qual thrillers como A Diplomata precisam resistir: o de se concentrar totalmente na vida pública ou na vida privada de seus personagens. A linha entre os picos melodramáticos de Scandal e a austeridade intelectual de O Espião que Sabia Demais (ambas boas produções em suas próprias particularidades) é mais fina do que parece, e muitos roteiristas preferem escolher um lado da dicotomia ao invés de encontrar seu espaço no equilíbrio entre as duas abordagens. A Diplomata elege - como bons negociadores políticos quase sempre precisam fazer - o caminho mais difícil.
Cahn e companhia não querem fazer uma sátira, mas entendem o valor e a naturalidade dos momentos cômicos dentro da tensão constante em que os personagens vivem. Não querem, tampouco, criar uma história de romance tórrida ou prender o espectador à tela através de ganchos emocionais sensacionalistas. No entanto, sabem muito bem que uma boa reviravolta, uma provocação picante e uma dinâmica de casal complicada são elementos poderosos para a identificação do público com a humanidade por trás das engrenagens políticas. Acima de tudo, A Diplomata não vê a necessidade de juvenilizar seus personagens para torná-los cativantes - aqui, as ambiguidades dolorosas do mundo adulto são tão envolventes quanto as certezas falsas do mundo adolescente.
No centro dessa elaboração emocional está a relação de Kate e Hal, e as performances de Russell e Sewell. Ele, aliás, ganha na loteria com um personagem que capitaliza em cima de sua carreira lotada de tipos vilanescos ou ao menos moralmente duvidosos, mas que - ao contrário de boa parte daqueles em seu currículo - não cai no puro estereótipo. Hal é quase comicamente fiel a Kate, um ególatra incorrigível que, ao mesmo tempo, demonstra nos pequenos atos sua dedicação irrestrita ao bem estar da amada. Enfim, uma oportunidade de ouro para o ator expressar ambição inescrupulosa e resignação afetiva em uma mesma performance, frequentemente em uma mesma cena.
Russell encontra oportunidades similares na sua Kate de inteligência impiedosa, mas fisicalidade desajeitada, inflexível diante da enormidade do ego do marido tanto quanto indisposta a deixá-lo dominar sua existência e minar a força do seu trabalho. Em contraste com a performance acertadamente rígida - furiosa, mas reprimida - de The Americans, aqui Russell aparece como uma líder natural de elenco, em pleno controle dinâmico dos gêneros em que o texto toca e das áreas de significado pelos quais passeia. Seguindo a deixa da protagonista, cada ator se mostra capaz de dominar os personagens redondos do roteiro, plenamente compreensíveis em suas dimensões humanas, com o sorriso no rosto que caracteriza um bom profissional que recebe um trabalho à sua altura.
Por fim, o último impulso ao qual a série da Netflix precisa resistir é talvez o mais tentador: o de ser atual de uma forma tópica, retrospectiva, sem insight. A Diplomata faz alusões ao cenário político contemporâneo o tempo todo, construindo uma comunidade internacional cujas relações foram desgastadas por anos de governos isolacionistas que rejeitavam as regras mais antigas do jogo democrático, uma esfera de poder na qual a imagem pública dos líderes de nações (leia-se: o que se diz sobre eles nas redes sociais) importa muito mais do que seus ideais. Os fantasmas de Donald Trump e Boris Johnson, do Brexit e da prepotência militar russa, pairam sobre essa configuração, e há até um diálogo mencionando “aquele cara arrogante do [governo do] Brasil”.
O que a série faz, no entanto, é construir um cenário reconhecível sem se deixar datar por ele. Essa história se localiza em um mundo pós-crises de confiança na democracia, embora ainda assustado com a possibilidade da desintegração dos sistemas que há tanto governam as idas e vindas da história humana, e apropriadamente desiludido com a própria eficiência deles. O sentimento é familiar, e os humanos que tentam navegá-lo parecem palpáveis, mas tudo acontece firmemente no âmbito da ficção. A produção está interessada em nos dar o que boas histórias políticas sempre nos deram: perspectiva e identificação, comida para o cérebro e para o coração.
Separar as duas coisas, afinal, é procedimento típico de quem não está confortável com a ambiguidade. Se você é assim, talvez diplomacia não seja uma boa escolha de carreira, e A Diplomata não seja uma boa escolha de série.
Criado por: Debora Cahn
Duração: 1 temporada