Nos oito episódios da 2ª temporada de Chucky, o ator Brad Dourif empresta a sua voz a pelo menos uma mão cheia de versões diferentes do boneco assassino. Uma delas, o “Coronel”, tem língua presa e a entonação ultra dramática de um anti-herói de filme de guerra; outro, apelidado de “Good Chucky”, usa de maneira honesta os fraseamentos da inocência que antes foram só fingidos pelo personagem; um terceiro, versão anabolizada de Chucky, fala da maneira empolada e convencida dos vilões brutamontes dos anos 1980. É uma performance (ou seriam performances?) genial, que deixa mais claro do que nunca o quanto Dourif sempre foi o talento fundacional da franquia.
Esta é apenas uma forma na qual o segundo ano de Chucky representa o momento mais glorioso da história do personagem, no entanto. Se na primeira temporada a série deixou claro que o lugar de Chucky era na TV, onde tinha tempo para ser tão sincera em seus temas quanto subversiva em sua abordagem, desta vez Don Mancini está jogando um jogo diferente, tentando descobrir até onde pode esticar a maleável matéria-prima de sua história e quantas brincadeiras conceituais o seu público está disposto a aceitar pelo bem da continuidade dela. A resposta é uma só: em Chucky, desde que estejamos nos divertindo, tudo é possível e tudo é aceitável.
Desta vez, meses se passaram desde que Jake (Zackary Arthur) e seus amigos acreditaram ter derrotado Chucky. O retorno do boneco, no entanto, causa uma grande tragédia que acaba obrigando os jovens protagonistas a se mudarem para um internato religioso comandado com mão de ferro pelo padre Bryce (Devon Sawa), onde mais uma vez terão que lutar por suas vidas. Enquanto isso, a farsa de Tiffany (Jennifer Tilly), que sequestrou Nica (Fiona Dourif) e tem vivido no corpo de uma atriz famosa há anos, pode vir por água abaixo quando os filhos Glen e Glenda (Lachlan Watson) vêm visitá-la.
Assim como no primeiro ano, a abordagem de Mancini para esta narrativa dividida é puramente instintiva. Não existe uma separação de tempo conceitual: o roteirista e sua equipe sabem que o centro da história está em Jake e cia., mas entendem também o apelo camp, sentimental e temático da trama de Tiffany - tanto que, em “Death on Denial” (2x07), dedicam a ela um capítulo inteiro, estruturado como uma paródia de Agatha Christie e incluindo participações especiais hilárias de Gina Gershon (se divertindo à beça como uma versão de si mesma), Joe Pantoliano e Meg Tilly.
É um episódio brilhante não só por sua comédia calcada no absurdo, mas também por entender a hora e a forma certas de empurrar a história de Tiffany adiante, retomando fios há muito abandonados e encontrando uma maneira de realmente integrar a personagem que foi criada lá em A Noiva de Chucky com a versão dela que vemos agora. Mancini (que aqui assume a direção, apenas pela segunda vez na série) obviamente domina como ninguém a mitologia complicada e assumidamente boba de sua criação, mas também é expert na arte de entreter enquanto mexe com os cânones do horror para costurar uma história que engaja, emocionalmente, muito mais do que parece à primeira vista.
Isso porque se na primeira temporada víamos Chucky reconhecendo-se como um conto sobre órfãos e excluídos se unindo para derrotar um monstro que se pretendia como aliado, neste segundo ano tal união é solidificada diante do trauma. Seja no dilema romântico de Jake e Devon (Bjorgvin Arnarson), no vício que entra na história de Lexy (Alyvia Alyn Lind), no reencontro de Andy (Alex Vincent) e Kyle (Christine Elise), ou na liberação catártica de Nica e Glen/Glenda, Chucky encara de frente - ainda que com um sorrisinho sarcástico no rosto - a forma como a violência nos molda, nos afasta da humanidade que poderíamos encontrar na companhia daqueles à nossa volta.
Mancini e cia., no entanto, não estão contando uma história pessimista. Embora o ciclo de violência não possa ser quebrado em uma franquia que depende da sobrevivência do seu monstro, também é essencial para a continuidade de Chucky que o nosso vilão-protagonista seja derrotado de novo e de novo e de novo pela força da união daquelas pessoas que ele tenta tanto dividir. Como tantos povos e grupos já aprenderam através da história, poucas coisas solidificam mais uma comunidade do que um inimigo em comum - e talvez a melhor qualidade de Chucky seja entender que, justamente ao lutar tanto para isolá-los, o boneco assassino só faz as suas vítimas se sentirem menos e menos sozinhas.
Criado por: Don Mancini
Duração: 3 temporadas