Prestes a completar 10 anos de vida, o Monsterverse da Legendary Pictures, que junta Godzilla com King Kong, pode ser considerado um caso de sucesso. São quatro filmes lançados para o cinema que, mesmo com respostas mistas de críticas e público, mantiveram a atenção nas bilheterias. Não era difícil de imaginar que uma expansão do universo compartilhado chegasse a outras mídias, mesmo porque a empresa Monarch que está na base dos filmes sempre permaneceu nas tramas envolvida em mistério.
A série Monarch: Legado de Monstros, do Apple TV+, tem o intuito de aproveitar espaços na linha do tempo do Monsterverse que pouco foram explorados desde o lançamento de Godzilla, em 2014. Dentro da mitologia, se o ataque do lagartão serviu como um ponto de virada para a humanidade, que descobriu a existências dos kaijus para além dos mitos, a presença de uma entidade que estudava esses monstros décadas antes de sua primeira aparição pública era um prato cheio para o estúdio criar novas histórias.
É com essa premissa que Monarch se estabelece dentro do Monsterverse, ao investigar o que aconteceu com o mundo após a batalha entre Godzilla e os titãs, que destruiu São Francisco no primeiro filme da saga. Situada em 2015, a série explora a jornada de dois irmãos distantes que tentam lidar com o trauma causado pela destruição dos monstros gigantes. A dupla de showrunners Matt Fraction e Chris Black divide a trama em duas linhas do tempo distintas para justificar como uma empresa secreta especializada em estudar monstros poderia ser um legado de família.
Nos anos 1950, a dupla de cientistas Bill Randa (Anders Holm) e Keiko Miura (Mari Yamamoto), aliados ao jovem tenente do exército Lee Shaw (Wyatt Russell, na versão jovem do personagem) começa a trilhar um caminho que daria origem à organização. Já no “presente”, em 2015, os irmãos Cate (Anna Sawai) e Kentaro Randa (Ren Watanabe) descobrem a existência um do outro quando seu pai, um cientista da Monarch, desaparece logo após a destruição de São Francisco.
O caos envolvendo as jornadas de Cate e Kentaro traz um frescor ao Monsterverse. As tentativas até agora de criar vínculos emocionais com os humanos nos filmes sempre gerou mais reticências do que recompensas (muita gente não supera que o primeiro filme descarta Bryan Cranston e Juliette Binoche sem pudores para acompanhar Aaron Taylor-Johnson). Ver agora então um drama familiar mais bem focado, sobreposto à história de catástrofe, soa bem-vindo. O mesmo vale para a trama situada em 1950, na qual Randa, Miura e Shaw protagonizam um triângulo amoroso carismático.
Era de se esperar que uma série de 10 episódios tornasse seus humanos o foco principal da história. O problema é que, mesmo com tanto tempo à disposição, Fraction e Black parecem não saber o que fazer com estes personagens durante quase 10 horas de história. Passadas as introduções iniciais, a sensação é de que Monarch dá voltas sem saber onde chegar. Mesmo com o fio condutor claramente representado em Shaw, que retorna no presente na pele de Kurt Russell para ajudar os irmãos Randa a descobrir o que aconteceu com seu pai, a série perde tempo demais em mistérios pouco interessantes sem que os protagonistas do núcleo de 2015 tenham qualquer tipo de desenvolvimento.
Quem mais sofre com essa instabilidade é May, personagem interpretada por uma Kiersey Clemons no automático. Introduzida como interesse romântico de Kentaro e hacker talentosa, a jovem cai de paraquedas na trama envolvendo a Monarch e passa diversos episódios à deriva, tudo para ter seu passado nebuloso explicado - e solucionado - em meia dúzia de diálogos. Em tempos de Godzilla Minus One, um longa que primou por tratar seus dramas humanos com protagonismo e gravidade, um erro desses é quase fatal.
Quem sofre menos com essa queda de qualidade é o núcleo dos anos 1950. Com menos tempo de tela, o trio encontra objetividade narrativa e se torna o alicerce da série, preparando o terreno para as reviravoltas finais que, mesmo após tantos percalços pelo caminho, ainda conseguem criar um interesse para saber para onde essa história vai nos levar.
Apesar do gosto agridoce deixado na boca, Monarch: Legado de Monstros consegue justificar a sua existência ao criar uma boa conexão com as obras anteriores e preencher lacunas que, talvez, muitos nem repararam que estavam incompletas. Tratando-se do Monsterverse, ainda há um mundo enorme para ser explorado. O que nos resta é torcer para que, no futuro, os humanos sejam tão interessantes quanto os kaijus.
Monarch: Legado de Monstros
Em andamento (2023- )
Criado por: Chris Black e Matt Fraction
Duração: 1 temporada