“Eu não estou dizendo que te amo incondicionalmente”, aponta Marty Byrde (Jason Bateman) para a esposa, Wendy (Laura Linney), em uma cena do capítulo final de Ozark. “Mas nós passamos por uma porrada de condições, e eu ainda estou aqui.” Se a série da Netflix surpreendeu, na primeira parte de sua temporada final, com o cinismo saboroso de seu olhar sobre a hipocrisia americana, esta segunda parte faz outra virada inesperada: em meio a muito sangue, drogas e falcatruas políticas, ela é essencialmente uma história de amor.
Não digo isso baseado em um único diálogo, inclusive. A ligação de afeto inquebrável entre Marty e Wendy, e mais tarde entre eles e seus filhos, é sublinhada de maneira forte durante todos os sete capítulos que fecham Ozark. Em um dos melhores momentos da temporada (e da série toda), Marty dá uma surra em um motorista que xingou a mulher, meros momentos depois de ela revelar mais uma movimentação política potencialmente mortal que realizou sem consultá-lo. Em outro, ele afirma a Wendy que ela não é “difícil de amar”, frase cunhada pelo sogro (Richard Thomas, perfeitamente odiável) para machucá-la.
É uma manobra habilidosa que o showrunner Chris Mundy faz aqui, porque o arco maior de Ozark durante suas quatro temporadas foi baseado na inversão da dinâmica de poder entre Marty e Wendy. Se começamos a série com o personagem de Bateman sofrendo as consequências de suas ambições criminosas e arrastando a família pelo perigo de trabalhar para um cartel de drogas, terminamos com a personagem de Linney recusando-se a entregar os pontos e tomar a saída mais segura, puxando o marido e os filhos à força, quando preciso, para uma posição de poder que só pode ser alcançada com muito risco pessoal.
Começamos com Marty sobrevivendo, e terminamos com Wendy exigindo viver - mais do que isso, reinar. Que um tenha seguido o outro em sua respectiva jornada, e que eles tenham lutado com unhas e dentes para saírem dessa juntos e com os filhos, não importa que tenha custado a própria alma de toda a família, é bizarramente… romântico. Em um sentido literário, até mais do que puramente sentimental. O romantismo de Ozark é o romantismo do “independente das consequências”, o romantismo do “nós contra o mundo”, o romantismo do final feliz (para os apaixonados) apesar dos pesares. É como se uma tragédia de Shakespeare terminasse sem a morte do casal principal.
Afiadíssimos em seus personagens a essa altura, Jason Bateman e Laura Linney entregam performances definidoras para as suas carreiras. Ele, que sempre usou a rigidez natural de sua persona cômica para expressar a tensão absurda sob a qual Marty vive o tempo todo, quebra aos poucos essa fachada de nervosismo para mostrar um homem em intenso conflito com os próprios sentimentos, do qual transborda uma compaixão insuspeita. Ela, sempre expert em construir e desconstruir a imagem da rainha gelada, trabalha as perturbações de Wendy com audácia revelatória, retratando uma mulher reduzida aos seus instintos intelectuais mais básicos, determinada a conjurar algo concreto a partir de virtualmente nada.
Enquanto isso, a efetiva terceira protagonista da série segue sendo Julia Garner, que reafirma sua posição como a melhor atriz da sua geração ao entregar um retrato admiravelmente vulnerável do luto. Uma bola de nervos em tela na maior parte do tempo, a atriz faz da sua Ruth o fio condutor perfeito para a eletricidade emocional da série, empurrando-a quase na marra para o território mais sentido, menos intelectual, que ela quer habitar nesses últimos episódios. É muito apropriado que seja ela quem dá o tom para a cena final de Ozark, mesmo que a tal sequência não seja focada em Ruth.
A série acaba, de fato, com a família principal reafirmando sua lealdade a partir de um ato de violência perverso. O showrunner Mundy, que assina o script final de Ozark, é inteligente o bastante para conjugar a sua história de amor com a crueldade quase satírica do mundo que escolheu retratar, onde “fazer bem” e “fazer mal” são indistinguíveis diante da hierarquia artificial e sem consciência criada pelo poder e pelo dinheiro. Para alguns é impossível vencer, e para outros é impossível perder. Só o que temos a escolher, no final das contas, é se ficamos juntos até o último instante.
Criado por: Mark Williams, Bill Dubuque
Duração: 4 temporadas