Pachinko faz poesia visual e narrativa a partir do melodrama de uma vida

Créditos da imagem: Kim Minha e Lee Minho em cena de Pachinko (Reprodução)

Séries e TV

Crítica

Pachinko faz poesia visual e narrativa a partir do melodrama de uma vida

Direção segura e roteiro sentido fazem eventuais equívocos da série ficarem pequenos

Omelete
4 min de leitura
06.05.2022, às 17H00.
Atualizada em 28.02.2024, ÀS 00H46

Os últimos 10 minutos da primeira temporada de Pachinko (não se trata de spoiler, não faz parte da trama) consagram o flerte que a série realiza, durante todos os seus oito episódios, com o folhetim: no melhor estilo Páginas da Vida, cortamos da dramatização da história de Sunja e sua família para uma coletânea de depoimentos, contados diretamente para a câmera, de mulheres reais que emigraram da Coreia do Sul para o Japão durante o período colonial, no início do século XX - e que, como a série mesmo coloca, se tornaram “um povo sem pátria” ao decidirem ficar por lá após a Segunda Guerra Mundial.

O profundo senso de deslocamento geográfico e cultural que essas mulheres expressam, a separação dolorosa de entes queridos, as marcas inapagáveis da opressão étnica… tudo isso rima de forma elegante com a história de Sunja, que acompanhamos nos capítulos anteriores. Além de firmar Pachinko como um “novelão” de respeito, portanto, esse último segmento também consagra o que a série faz de melhor: usar o melodrama para criar poesia narrativa, e complementá-la brilhantemente com poesia visual.

Como toda boa rima, as de Pachinko não fazem só repetição, mas esclarecimento. Nas mãos da showrunner Soo Hugh, o épico familiar originalmente contado no best-seller de Min Jin Lee é transformado em uma jornada em direção à alteridade, à compreensão verdadeira do outro. Partimos de um olhar opaco, resvalando em místico, do mundo e das escolhas desses personagens, e chegamos ao final percebendo-os como cristalinos. Que essa transformação se complete justamente nos últimos segundos do último depoimento no finale de Pachinko é mérito de uma equipe de roteiro excepcional.

A produção começa com Sunja ainda criança, na Coreia ocupada pelo Japão, mas se concentra mesmo em duas épocas: quando ela é uma jovem adulta, interpretada por Kim Minha, e tem seu destino alterado por um encontro com o sedutor e perigoso Hansu (Lee Minho); e quando ela já é uma avó dedicada, encarnada por Youn Yuh-jung (vencedora do Oscar por Minari), lidando com múltiplas crises em sua família no Japão dos anos 80, especialmente aquelas causadas pelo ambicioso neto Solomon (Jin Ha).

Pachinko costura com firmeza a sua trama expansiva, cheia de pulos temporais e geográficos. O espectador nunca se vê confuso, mas tampouco tem a sensação de estar sendo subestimado, principalmente porque os diretores Kogonada e Justin Chon se esforçam muito para expressar que, apesar de suas múltiplas locações, linguagens e épocas, esta é apenas uma história. Muito se fez da diferença de estilos entre os dois cineastas, expoentes importantes do cinema ásio-americano, antes do lançamento da série, mas eles se entrelaçam e se influenciam aqui de maneira espetacular.

Isso quer dizer, principalmente, que Kogonada absorve um pouco da urgência de Chon, deixando que mais do que emoções mudas se infiltrem pela sua fotografia classicamente bela e sua encenação ensaiada; e que Chon deixa que a preocupação estética de Kogonada contamine o seu estilo instintivo e sensorial, encontrando muito valor nos silêncios (os entre os personagens e os dos cenários) e no posicionamento cuidadoso dos atores. É claro que ainda é possível notar, mesmo sem olhar os créditos, qual episódio é assinado por quem, mas não há choque de tons em Pachinko. Ela é, como deveria ser, a expressão em melodrama do ritmo da própria vida, uma estrofe ininterrupta de poesia.

É curioso notar, inclusive, como não há uma preocupação tão aguda com continuidade quando se trata das duas performances centrais, das duas Sunja’s de Pachinko. Elas são, de fato, opostos complementares: enquanto Kim Minha explode em comovente vulnerabilidade na tela, se entregando totalmente às emoções fortes da vida de uma mulher jogada aos leões antes de sequer entender quem eles eram, Youn Yuh-jung traz uma dureza única à versão mais velha dessa mesma mulher, que não só sobreviveu aos leões como aprendeu a se fortalecer nas cicatrizes com as quais saiu desse embate. A jornada faz sentido, embora elas sejam mulheres tão diferentes.

No fim das contas, o trunfo de Pachinko, como o de toda novela, é que nós nos reconhecemos nela com muita facilidade. As questões de sangue, pátria, preconceito e autonomia que a série aborda são extremamente específicas, mas os sentimentos que elas levantam são irremediavelmente universais. Os oito capítulos dessa primeira temporada estão repletos de luto e desamparo, sim, mas também da alegria incomparável de construir algo novo e precioso onde antes não havia nada, da necessidade gritante de autodeterminação diante da injustiça, da sobrecarga sensorial de redescobrir um lar que você não vê ou sente há muito tempo.

Os escorregões da série pelo território do cruel ou do inconsequente (uma subtrama envolvendo HIV é particularmente instrumentalizada) não são inteiramente irrelevantes, mas se tornam menores diante das verdades gigantes que ela expressa, e do cuidado óbvio com o qual ela foi feita em todos os outros sentidos. Exatamente como faz o coração de mãe, o espectador vai chegar ao fim de Pachinko mais do que disposto a perdoá-la por suas imperfeições.

Nota do Crítico
Ótimo
Pachinko
Pachinko

Criado por: Soo Hugh

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