Dois anos atrás, quando falei da segunda temporada de Yellowjackets aqui no Omelete, elogiei a série por ter a fibra de não se render ao próprio hype. Eis aqui um fenômeno cultural que poderia herdar a faixa que um dia foi de Lost e, antes dela, de Arquivo X: o de série de mistério favorita do público, cuja mitologia rocambolesca inevitavelmente decepcionaria na resolução. Ao invés disso, os showrunners Ashley Lyle e Bart Nickerson pareciam determinados a contar uma história que trata o suspense e o sobrenatural como brincadeira estética, e como espelho para entender as psiques fragmentadas pelo trauma de suas protagonistas – um retrato que, como eu argumentei lá atrás, acertava nos tons de sátira, permitindo que ele se estendesse bem para o mundo real, aqui deste lado da tela.
Bom, cá estamos nós, na linha de chegada da terceira temporada… e sinto dizer, mas parece que Yellowjackets se rendeu um pouco, sim, ao hype. Talvez esmagados pela pressão de esticar a história que estão contando um pouquinho além do crível - um problema recorrente na Showtime, emissora que exibe Yellowjackets nos EUA -, Lyle e Nickerson enchem uma parte não negligenciável dos dez episódios deste terceiro ano com um teste de paciência para o público. Em ambas as linhas narrativas que compõem a série, presente e passado, um padrão se revela mais transparente a cada episódio: decisões são tomadas pelos personagens e caminhos começam a ser trilhados por eles de maneira determinada, só para serem revertidos por uma mudança de humor, um empecilho humano ou uma fatalidade.
O flerte com o sobrenatural vai se tornando uma relação mais séria, assim como o whodunnit. Esta temporada multiplica as cenas de visões e delírios antes mais raras em Yellowjackets, desenha com mais força a linha dos fenômenos inexplicáveis que ligam passado e presente, lança mão com mais frequência das criaturas e ideias que definem a mitologia criada pelas personagens na floresta. Como se não fosse o suficiente, ela ainda inclui um assassinato misterioso para as protagonistas resolverem. Natural que isso aconteça quando os roteiristas estão preocupados em, essencialmente, encher linguiça. Manter a fidelidade de um público de cultura pop a cada dia mais disperso não é fácil quando ele está disposto a abandonar uma série que não dê algum choque de adrenalina excepcional a cada mão cheia de episódios.
E, veja bem, não é que Yellowjackets não seja boa em jogar esse jogo de mistério labiríntico. O bom time de diretores da temporada (incluindo Jennifer Morrison, mais conhecida por atuar em House e Once Upon a Time) aprende rápido a andar na linha entre suspense suburbano, aventura de sobrevivência e sátira social. De um lado, Yellowjackets está sempre sublinhando a banalidade deste mundo para o qual as meninas retornaram, e a humanidade das relações que elas estabeleceram ao redor de si; de outro, tanto a floresta quanto o “mundo real” escondem um lençol subterrâneo de perturbações assustadoras, reprimidas com dureza pelas protagonistas, que vão se revelando de maneiras violentas. É sempre um choque quando Shauna (Melanie Lynskey) deixa escapar algo da garota selvagem que ela foi por alguns anos na floresta, e isso só acontece porque a série é ótima em estabelecer a normalidade enervante do mundo que a cerca.
Concomitantemente, a equipe de roteiristas liderada por Lyle e Nickerson não deixa a peteca cair quando se trata do desenvolvimento dos personagens. Yellowjackets é o tipo de narrativa que sempre tem algo novo a dizer, ou ao menos a revelar, sobre as criações no seu centro. Essa terceira temporada encontra entrelinhas surpreendentes, por exemplo, na forma como a vida de Shauna vai desmoronando de dentro para fora enquanto ela se confronta com a perspectiva assustadora de ter passado “genes psicopatas” para a filha, Callie (Sarah Desjardins). Conforme o roteiro vai questionando se uma de suas protagonistas é capaz de amar algo ou alguém diante de sua compulsão pelo caos, o questionamento das relações de Shauna com a família, de Shauna com Misty (Christina Ricci), de Shauna com Melissa (Jenna Burgess), e por aí vai, é penetrante como drama.
E se o drama continua penetrante, é claro que o elenco de Yellowjackets também continua se deliciando nele. Lynskey e Ricci sempre foram os destaques óbvios do núcleo adulto, mas aqui voltam a provar que têm um arcabouço sólido onde podem buscar as expressões corretas para as movimentações emocionais excêntricas de Shauna e Misty - duas personagens tão profundamente engessadas pelos próprios traumas que parecem feitas uma para a outra. Conforme a temporada desenha um conflito entre elas, as atrizes vão intensificando esses pontos de tensão que as definem, que um dia se encaixaram tão bem uns com os outros, e que agora se chocam com eletricidade inegável. No fim das contas, elas estão se movendo em direções opostas, mas o grande barato da terceira temporada de Yellowjackets é ver como isso é difícil diante do magnetismo entre as duas.
A série do Paramount+, enfim, continua sendo um ótimo pedaço de televisão. Eventualmente, até, um pedaço excelente de televisão - episódios como “12 Angry Girls and 1 Drunk Travis” (3x03), “Thanksgiving (Canada)” (3x06) e “Full Circle” (3x10) estão aqui para provar. Mas, conforme Yellowjackets vai desperdiçando nosso tempo num vai-não-vai agravante para amealhar alguns pontos a mais de audiência, é natural que tudo que ela continua fazendo muito bem vá ficando cada vez mais difícil de apreciar.
Yellowjackets
Criado por: Ashley Lyle, Bart Nickerson
"testa lealdade do público" define meu sentimento com algumas séries. Hoje já consigo abandonar quando chega a este ponto. Olá, "From"! É com você que eu to falando.