Na coletiva de lançamento da nova série do Globoplay, Encantado’s, a atriz Vilma Melo deu uma declaração emblemática. Ela disse: “É a primeira vez que eu vejo corpos pretos longe do estereótipo da violência, do sexo... Pode ser que já tenha acontecido antes, mas eu não me lembro”. E pode ter acontecido mesmo... Eu poderia citar Ó Paí Ó, como uma peça de valorização da rotina cultural (mais que de estereótipos) ou mesmo O Sexo e as Negas, a comédia que emulava Sex And The City cheia de boas intenções, mas que foi esmagada pela falta de cuidado sociopolítico.
Ambos são exemplos do que Luís Miranda – protagonista de Encantado’s – aponta como um cenário dramatúrgico ideal: “Não me interessa mais fazer preto levando tiro e fugindo da polícia. Eu não quero fazer mais isso, a gente precisa de novas narrativas”. Nos EUA o protagonismo da comunidade preta dentro das comédias já é uma realidade há muito tempo. Séries como Eu, A Patroa e as Crianças, Black-ish, Todo Mundo Odeia o Cris, entre outras, ainda tocam em questões delicadas, mas têm como princípio básico falar de relações.
Renata Andrade e Thais Pontes criaram a série dentro de um processo de oficina de dramaturgia; e volta e meia se perguntavam se aquele projeto com pretos sendo felizes ia mesmo seguir adiante: “Eu ligava pra Renata e a gente se perguntava quais as chances de aquilo realmente acontecer. 10%? 20%? A gente não queria falar de dor, a gente não queria isso. A gente é legal sendo feliz, pô”. Inclusive, assim como nos modelos internacionais, ainda que essas relações interpessoais não sejam entre pessoas ricas, o otimismo e o afeto são o DNA principal de todas elas.
E as escolhas de Renata e Thais não poderiam ser melhores. Encantado’s é o nome de um Supermercado regional, desses de bairro mesmo, que de dia se debate para se manter de pé e de noite vira palco para os ensaios da escola de samba Joia do Encantado. Enquanto o local é um supermercado, quem dá as ordens é Olympia (Vilma Melo). Ela tenta segurar as pontas dos delírios do irmão Eraldo (Luís Miranda), que usa os recursos do negócio da família para manter a escola de pé. A ideia não é nem mesmo sonhar com os desfiles da Sapucaí e sim só continuar fazendo um carnaval decente. “Trouxemos o carnaval para deixar o supermercado mais louco ainda”, disse Renata. “Mas, queríamos um carnaval do povo, sem os holofotes da Sapucaí”.
Encantadores
Não é necessário mais que 5 minutos para entender que estamos diante de uma exceção ao vasto limbo de produções nacionais genéricas e mal roteirizadas que enchem os catálogos do streaming. A direção de Henrique Sauer compreende imediatamente que é hora de ritmar cortes e ângulos, deixando a narrativa dinâmica, frenética, mas ao mesmo tempo apaixonada por cada quadro que passa pelo caminho das lentes. Situada quase que inteiramente nas dependências do supermercado, Encantado’s é um desfile de carisma e inteligência.
Na fórmula de uma boa comédia, a primeira coisa que precisa funcionar é o grupo de protagonistas e a segunda, o grupo de coadjuvantes. Luís Miranda e Vilma Melo são líderes dramatúrgicos irretocáveis. Junto deles, os coadjuvantes surgem em pequenos trechos do texto com tiradas sagazes e tipos encaixados no que todos nós conhecemos como centros da beleza suburbana. Nenhum tipo foi esquecido... o locutor das ofertas, o açougueiro paquerador, os clientes folgados e a maravilhosa caixa de péssimo humor que arranca as melhores gargalhadas. Até mesmo o romance entre FlashBack (Digão Ribeiro) e Pandora (Dandara Mariana) acontece de maneira especialmente sensível.
Para deixar tudo ainda mais substancial, Tony Ramos foi convidado e topou a empreitada de dar voz ao bicheiro Madurão, que com sua peruca ridícula arma situações para conseguir comprar o negócio dos irmãos carnavalescos. “Eu quero fazer parte disso, eu quero fazer parte dessa mudança”, contou Tony sobre o pedido pessoal que fez à cúpula da Globo para conseguir liberação. “A gente não tem garantia de audiência, mas a gente tem a vontade de contar boas histórias. O nosso papel é justamente esse... começar esse processo”.
O processo, enfim, já começou. Encantado’s chega ao Globoplay hoje, dia 18. O carnaval de alegria criado por Renata e Thaís é muito melhor do que você pode imaginar. É espetáculo para o Grupo Especial... E com nota 10.
Está definido...
... que o cuidado com bons roteiros será o futuro de produções nacionais que visem o sucesso e o prestígio nas plataformas de streaming. O Globoplay acertou em cheio com Sob Pressão, Cine Holiúdy e Encantado’s. Infelizmente, investimentos faraônicos com Ilha de Ferro e Desalma apontam muita atenção com estética e pouca supervisão de texto.
Está a definir...
... se a terceira temporada de Desalma, inclusive, sofrerá consequências caso o comportamento errático de Cássia Kis resulte em seu afastamento da emissora. A segunda temporada da série de mistério já passou completamente irrelevante pelo circuito midiático e esse dado pode atrapalhar ainda mais seu desempenho.