Lovecraft Country continua seu passeio por convenções e temas típicos do horror. No primeiro episódio, uma história de monstros, o clímax pegava emprestado o elemento da cabana isolada do lovecraftiano Evil Dead. No segundo, foi uma história de ilusionismo e projeções materializadas pela bruxaria. Dentro dessa sequência seria inevitável em algum momento, e aconteceu em “Holy Ghost”: chegamos às mansões mal-assombradas, provavelmente o subgênero mais popular dentro do filme B de horror.
O terceiro episódio sugere uma conspiração histórica que já expande o tal território Lovecraft. Se nos livros as tramas (com exceção das mais fantásticas, nos extremos do mundo ou nos oceanos) ficavam frequentemente confinadas à região de Massachusetts onde H.P. Lovecraft passou a maior parte de sua vida - antes e depois da experiência traumática de se casar e se mudar para Nova York -, a série de TV volta a Chicago em “Holy Ghost”, e os laços da trama agora cobrem metade do território americano.
Descobrimos então que os Winthrop, família que havia sido mencionada no episódio anterior entre os fundadores da seita Filhos de Adão, tinham em Chicago uma casa na região Norte da cidade, que Letitia decide comprar - sem saber desse passado - para reformar ao lado da irmã, e transformar numa pensão. O problema é que historicamente os bairros de gueto de Chicago ficam ao Sul, e nos anos 1950 o lado Norte da cidade ainda era interditado aos negros pelo racismo local.
O nome Winthrop não tem nenhuma repercussão especial dentro da mítica lovecraftiana, mas é central para entender a história negra de Chicago. Como já é padrão dentro de Lovecraft Country, os eventos da série refletem ou comentam acontecimentos reais; o quarteirão do número 4.600 da avenida Winthrop Norte era um bolsão dentro do bairro, o único onde negros podiam comprar e alugar imóveis. O nome é associado, então, à mais antiga comunidade negra do lado Norte da cidade, que por anos transformou uma situação sitiada (conviver com o assédio e as ameaças racistas da vizinhança branca) em uma peça de resistência.
O salto arrojado que Lovecraft Country deu do segundo episódio para o terceiro não foi apenas temporal. Nas três ou quatro semanas de luto que se seguiram à violência do episódio anterior, Tic perdeu espaço como protagonista (são cada vez mais frequentes as cenas em que Jonathan Majors se escora nas paredes, cruza os braços e faz suas caretas de quem não sabe colocar pra fora o que sente) e agora, enfim, Letitia mostra a que veio e porque é tratada como a coprotagonista da história. É um salto estranho, cheio de inserções bruscas de exposição para recontextualizar tudo (não só explicar a elipse de tempo mas também colocar o espectador no meio de uma disputa entre Leti e a irmã) e a impressão que fica é que Lovecraft Country quase adotou um formato de antologia entre um episódio isolado e outro.
O efeito disso pode ser variado. De um lado, temos personagens envolvidos em silêncios constrangedores que soam mal elaborados, como as relações entre Tic, sua tia e seu pai. Ter contato com horrores monstruosos e carregar isso para o resto da vida, num ciclo sem fim de flagelos inexplicáveis, é um padrão lovecraftiano por excelência, então faz sentido que Montrose e Tic não consigam articular minimamente o que ocorreu no segundo episódio. Ainda assim pode ser frustrante ter que acompanhar protagonistas que parecem tão perdidos na reorganização da trama (espacial, temporal) quanto o próprio espectador.
O lado bom é que Jurnee Smollett não se faz de desentendida e agarra as oportunidades que lhe são dadas. Ela se mostra no papel de Letitia uma atriz muito segura de sua linguagem corporal e de sua presença de cena. As câmeras lentas nas cenas de dança e de violência são igualmente fortes, por conta dessa presença. Se o segundo episódio era um Corra! compacto com começo, meio e fim, o mesmo acontece aqui: temos uma narrativa de assombração e exorcismo bem fechada e por meio dela o seriado dá conta de toda uma formação de Leti. Clichês da mansão mal-assombrada à parte, “Holy Ghost” transcorre como uma grande jornada de vida-morte-vida para a personagem, incluindo aí ritos muito íntimos de sangue.
Vai ficando claro que Lovecraft Country é feito de episódios cheios de altos e baixos, talvez por conta do excesso de ideias que cada um deles pretende abranger, mas não dá pra dizer que é uma série que joga seguro. As escolhas são feitas pelo potencial dramático que trazem consigo, e nos seus melhores momentos esse potencial se realiza na tela com vigor.