Há gerações os leitores brasileiros se encantam com as aventuras de um garoto criativo que insiste em andar por aí com uma panela na cabeça — ou, como o próprio Ziraldo primeiro (e melhor) o descreveu, “um menino com o olho maior que a barriga, fogo no rabo e vento nos pés". Quer você o tenha conhecido primeiro pelo livro, pelas HQs ou pelos filmes, nos anos 1980, quando ele nasceu, ou já entrando no século XXI, é inegável que O Menino Maluquinho deixou uma marca com seu humor, seu espírito sonhador e sua inocência. Agora, uma nova geração de espectadores se prepara para conhecê-lo como o protagonista da mais nova animação na Netflix, a primeira do streaming aqui no Brasil.
Antes da estreia da série, marcada para o dia 12 de outubro, o Omelete conversou com a showrunner e produtora Carina Schulze e o produtor Rodrigo Olaio para entender como é o Menino Maluquinho que pretendem apresentar para crianças do Brasil e do mundo em 2022, o envolvimento do Ziraldo com o projeto e até se já pensam em uma segunda temporada depois destes primeiros 26 episódios; confira:
OMELETE: Dá para perceber que vocês fizeram essa animação com o coração. Queria começar, inclusive, por isso. Qual é a relação pessoal de vocês com a obra original? Vocês eram leitores?
CARINA SCHULZE: Sim, eu era muito! E é engraçado, porque eu tenho uma memória muito vívida de ter lido o livro na infância e acho que essa é a genialidade do Ziraldo, [porque] eu tenho as imagens cravadas na minha cabeça. Por mais que eu tenha ficado sei lá, uns 10 anos sem ver o livro, eu lembro das imagens, do texto... Então é muito especial. E é um livro que me incentivou muito a abraçar a minha imaginação, a ser criativa, a virar roteirista! Por isso que ele é muito importante para mim.
RODRIGO OLAIO: Também! É o primeiro livro de que eu tenho lembrança. Eu era muito fã. Tenho muita clareza daqueles macaquinhos da cabeça, daquele olho no meio das pernas, lembro daquela montagem... Quando a gente começou a falar da animação, foi um pouco emocionante e deu até um frio na espinha. Para todo mundo.
Então, como surgiu o projeto dessa animação?
CS: Como a gente já tinha esse desejo e essa paixão pelo livro, começamos a conversar com a Netflix. Conversa vem, conversa vai, a coisa começou a tomar forma. Foi um processo bastante demorado, né? A gente começou em 2017...
RO: Esse começo foi super trabalhoso, porque a gente teve que sentar com bastante gente para entender o que já estava sendo feito de Menino Maluquinho, organizar o projeto para que a gente conseguisse trabalhar no formato de franquia. E esse desenvolvimento antes de entrar em produção também demorou anos, porque precisamos mesmo desse tempo. A gente fez três diferentes desenvolvimentos tanto de história, quanto de visual, mas não completamente diferentes. A essência ali do que a Carina e o Arnaldo [Branco] criaram se manteve, mas a gente foi testando novas artes. Para o primeiro desenvolvimento de arte que a gente fez, a gente contratou seis artistas e falou "bom, faz o Menino Maluquinho que você quiser, a gente não vai se meter". A gente deu só uma sinopse do que seria esse nosso projeto. E veio de tudo! Vieram coisas respeitando muito a obra do Ziraldo e outras muito disruptivas, e a partir disso a gente começou a construir até a gente entrar em produção, ali em novembro de 2020.
Posso perguntar qual era a sinopse que vocês deram para eles?
RO: Você lembra, Ca? Era alguma coisa de que tinha a separação dos pais, né?
CS: É, acredito que foi isso mesmo. Esse elemento sempre foi muito importante para a gente. No livro, os pais do Maluquinho se separam, e eu sempre achei isso muito especial, muito [moderno] para a época... E, hoje, a gente achou que seria essencial, porque é a realidade de muita gente. As famílias hoje em dia tem várias configurações diferentes, então para as pessoas se sentirem representadas isso foi muito importante. Mas a gente também falou para os artistas trazerem seu Menino Maluquinho interior, e acho que esse foi um dos grandes desafios da série, porque cada pessoa tem uma memória afetiva específica do que é esse personagem e do que era esse livro. Todo mundo lembra uma coisa um pouquinho diferente, mas tem ali uma mesma essência, que é ser criança. E acho que é isso que está dentro de cada um de nós.
Nesse sentido, O Menino Maluquinho é um personagem que foi passado de geração em geração. Então queria entender com vocês como foi equilibrar a essência de um personagem criado nos anos 1980, mas se comunicando com esses novos espectadores?
CS: A gente estudou muito. Lemos o livro e as HQs, vimos os filmes, estudamos o Ziraldo... Fizemos um super trabalho para buscar qual era a essência do Menino Maluquinho, e a gente descobriu que era isso: alguém que realmente tem uma imaginação sem limites, uma criança. E como o Menino Maluquinho do livro é muito doido, ele tem asas nos pés, a gente trouxe essa mesma energia para o personagem de hoje. Mas aí, sim, a gente teve todo um processo para fazer uma série de animação para esse público. Porque o ritmo é diferente, as piadas... A gente trabalhou com uma equipe de roteiristas que também são comediantes, então tem muita piada e muita piada atual, com memes e com o Brasil. [A série] tem uma identidade brasileira muito forte, né? Por conta da pandemia, a gente também pode trabalhar com pessoas do Norte ao Sul do país. Então todo mundo trouxe um pouquinho de si para dentro da série, na roupa, no estilo, nas falas... E se a gente fez nosso trabalho bem feito, o que eu acredito que sim [risos], a gente tem essa pluralidade que vai conversar com o público brasileiro de hoje.
Falando nisso, o fato de O Menino Maluquinho sair na Netflix significa que ela não é só para as crianças brasileiras. A gente está falando de praticamente o mundo inteiro tendo acesso a esse personagem. Então, o que era importante para vocês traduzir dessa brasilidade?
RO: Entre 2017 e 2020, ou seja, antes da série entrar em produção, tiveram vários momentos desse processo criativo. Foi curioso, porque óbvio que a gente sempre soube que essa seria uma série brasileira, mas a gente também tinha dúvidas do que viaja bem, né? Tanto é que a gente contou com a ajuda de duas pessoas: um consultor de arte chamado Craig Kelman, um ilustrador muito famoso que ajudou a trazer outro ponto de vista; e a Jenny [Keene], roteirista de Os Vizinhos Green e Phineas e Ferb, que também trabalhou com a gente discutindo alguns materiais. Além do próprio time da Netflix, que metade era gringo, né? A gente teve uma reunião específica para falar um pouco de cenário e cenas, e trouxemos alguns memes brasileiros. Tinha um executivo que era indiano, um produtor da Netflix que era da Armênia, e todo mundo se identificou muito com aquele cachorro vira-lata, com aquelas crianças brincando na rua, com aqueles mascotes de qualidade estética duvidosa [risos]... Então, assim, foi muito legal ver que quanto mais a gente abrasileirava a série, mais funcionava também para o mercado internacional. E, com a Netflix, a gente também entendeu que o mercado internacional não era necessariamente os Estados Unidos e o Canadá. Então a gente focou muito na brasilidade também para fazer sucesso internacionalmente.
O Ziraldo esteve envolvido desde o começo do projeto? Ou ele deu a benção e vocês foram daí?
RO: Desde o começo. Ele é o dono do Menino Maluquinho, né? A gente não negociou com ninguém, a gente negociou com o Ziraldo [risos]. É óbvio que a gente tinha os nossos interesses, e a gente foi diversas vezes lá na casa dele no Rio para sentar e discutir. E ele falava "isso para mim é razoável, isso não". E no processo de animação também tem isso: a gente tem um envolvimento muito grande com o processo criativo no começo, quando você aprova os primeiros roteiros, a bíblia [da série], o design dos personagens principais... Quando começa a animar, aí é um ano disso. Então, ele e a família estiveram muito mais envolvidos no começo do projeto, nessas estruturações de tom de humor e tipo de direção, e mais para o fim eles assistiram aos episódios prontos. A gente teve o Antônio Pinto [filho do Ziraldo] que fez a música também! Então a família estava envolvida para trazer essa perspectiva deles.
A animação ainda não foi lançada, mas vocês já pensam em uma segunda temporada?
RO: A gente pensa na segunda temporada desde que a gente começou... A gente tem, sei lá, 10 temporadas pensadas! [risos] Mas a gente tem que esperar lançar, né? Não temos nem cabeça para isso. Igual jogador de futebol: tem que ganhar esse jogo, e depois a gente vai para o próximo.
Hipoteticamente, o que vocês gostariam de fazer?
CS: Tem alguns personagens que estão na série, tipo o Lúcio, a Carol, a Shirley Valéria... A gente ama muito esses personagens, mas, como são 26 episódios divididos em três blocos, a gente não teve ainda chance de mergulhar tanto em todos eles. Então, seria muito legal expandir o universo e entrar mais nesses personagens, porque eles são maravilhosos e acho que as pessoas iam amar também!