Somando humor caótico e metalinguagem com pitadas de filosofia, Rick and Morty se tornou uma das grandes animações dos últimos anos. Não é exagero afirmar que as aventuras da dupla formada por um cientista genial e seu neto atingiram o status de cult, o que gera ansiedade por parte do público a cada nova temporada. Para saciar aqueles que já estão em dia, a decisão da equipe foi dividir o 4º ano em duas partes exibidas entre 2019 e 2020. Porém, a primeira metade que chegou à Netflix neste domingo (22) sofre com humor inconsistente e se mostra um dos pontos baixos na trajetória da dupla.
Chega a ser estranho fazer essa constatação tendo em vista o impacto de Edge of Tomorty: Rick Die Rickpeat, o episódio de estreia do novo ano. Com um roteiro bem costurado, o capítulo repercute os eventos da temporada anterior, faz piadas com grandes obras da cultura pop e ainda reserva um espaço para fazer uma sutil, mas contundente, crítica ao extremismo que aos poucos foi ganhando voz pelo mundo nos últimos anos. Reunindo todos os ingredientes que tornam Rick And Morty tão aclamada por fãs e crítica, o início do novo ano aumentou a expectativa pelo que viria a seguir, mas a qualidade foi se diluindo a cada novo capítulo.
The Old Man and the Seat já demonstra uma pequena queda. Sua trama principal narra a jornada de Rick pra fazer cocô em seu lugar especial, o que desemboca em uma inesperada rivalidade com Tony e revela camadas mais profundas da psique do cientista, fazendo um grande estudo sobre sua solidão a partir de uma necessidade fisiológica. Porém, a trama paralela, que envolve a criação de um aplicativo de namoros por parte de Jerry e o simpático ET Glootie não tem a mesma sorte. O enredo é pouco inspirado e não lembra a complexa relação familiar da família Smith estabelecida ao longo dos anos, soando tão superficial quanto qualquer animação que tentou copiar Os Simpsons sem sucesso.
A leve queda, porém, precede uma sequência de episódios que podem facilmente entrar na lista dos menos inspirados na história de Rick and Morty. Em One Crew Over the Crewcoo's Morty, a dupla monta um esquadrão para cometer roubos inspirados em filmes como 11 Homens e um Segredo. Como era de se esperar, essa inspiração é absorvida pelo episódio, que caçoa de clichês desse gênero, com destaque para o velho truque de basear suas reviravoltas em planos mirabolantes que o público só conhece no último minuto. Porém, o desenrolar da trama é tão exagerado que se torna inverossímil - até mesmo para os padrões da animação. A estrutura baseada em guinadas inesperadas até lembra M. Night Shaym-Aliens! - episódio da primeira temporada em que Rick e Jerry ficam presos em uma simulação criada por aliens inimigos do cientista -, mas falta o capricho, tornando a experiência apenas exagerada e enfadonha.
Sensação que se mantém em Claw and Hoarder: Special Ricktim's Morty, que leva a dupla a uma aventura fantástica no melhor estilo RPG. Essa temática poderia ser um prato cheio para o humor ácido da animação, já que é de se esperar que uma produção tão dedicada a caçoar da cultura pop tivesse um arsenal de piadas para esse cenário. Porém, o resultado é um emaranhado de clichês mal amarrado que está mais interessado em chocar através de um humor apelativo. Fazendo questão de esfregar a conotação sexual da relação entre os dragões, o capítulo descamba para uma sucessão de obscenidades que não causa nada além de vergonha alheia. E pensar que a série já havia feito piada com o assunto em Lawnmower Dog, o episódio em que invadem um sonho repleto de sadomasoquismo com a ajuda de Scary Terry. Daquela vez, entretanto, as piadas iam além de nomes sacanas e criaturas mágicas oferecendo sexo sem parar.
Porém, nem tudo está perdido. Rattlestar Ricklactica fecha a primeira parte da quarta temporada com tudo o que faltou nos episódios anteriores. O episódio se mostra corajoso ao tocar em um tema tão sensível quanto viagem no tempo, já que esse tipo de enredo tem o poder deixar as coisas tanto interessantes quanto bagunçadas. Somando Exterminador do Futuro a uma Terra alternativa povoada por cobras, o humor afiado retorna e traz com ele um novo fôlego para um ano inconsistente.
A nova leva de episódios indica que Rick and Morty começou a sofrer com os frutos do próprio legado. Por um lado, a produção parece confiante demais da própria esperteza e menos interessada em tomar certos cuidados. Há pouco desenvolvimento dos personagens, que sofrem por não ter arcos interessantes quando estão longe do Rick. Em contrapartida, a série voltou consciente que se tornou tão importante para a cultura pop quanto aquelas que se dedicou a parodiar. Demonstrando carinho com a própria mitologia ao revisitar piadas e trazer de volta personagens queridos, a animação revela que está bem consciente de onde veio. Resta esperar que a metade final abandone o humor fácil e retome a coragem para desafiar a si mesmo e ao espectador.