Sintonia estreou e já movimentou bastante as redes sociais. Idealizada por KondZilla, uma das figuras mais importantes para cena funk, a série aborda a história de três jovens da periferia de São Paulo que se conhecem desde criança e começam a encarar a vida adulta. Tudo isso com a quebrada de cenário. Como alguém que também cresceu na periferia, se enxergar numa produção tão gigante, e com a possibilidade de exibição em mais de 190 países pela Netflix, é uma felicidade enorme.
A série ainda conta com uma comunicação inovadora para o público de periferia, que vai muito além das ações publicitárias. Montou, por exemplo, uma barbearia com corte de graça no centro da cidade com a participação de Ariel Barbeiro, um dos grandes nomes do corte conhecido como blindado; disponibilizou o primeiro episódio de forma gratuita no canal KondZilla no YouTube; e até mesmo apostou na divulgação para assinatura com compras de cartão pré-pago simples para atingir quem não tem como fazer uma assinatura do streaming por não ter um cartão de crédito (depois de comprar o cartão, basta inserir o código no aplicativo e usar tranquilamente por um mês).
Para divulgar Sintonia, a Netflix montou barbearia com corte de graça no centro de São Paulo.
Um dos pontos altos da produção é a forma como a quebrada é apresentada. Seja na trilha sonora, nas casas ou nas ruas. Sintonia ainda traz um elenco com pessoas que se identificam e vivem a própria periferia, como é o caso do Paulo Bronks, que atua na série e é uma figura muito conhecida na internet e na cena do funk. Além de ser um personagem, Bronks teve um papel importante como consultor de roteiro. Esse tipo de preocupação em como transmitir algo que o público possa não só se identificar, mas consumir e interagir nas redes sociais, é um avanço na discussão de como a periferia é um público que precisa ser atingido e encarado como consumidor — são 11,4 milhões de pessoas vivendo em favelas, segundo dados do Banco Nacional da Habitação (BNH).
Vamos então falar um pouco sobre o roteiro da série. Com uma linguagem carregada de gírias típicas das favelas paulistas, a produção não é uma série só sobre funk. Na verdade, o funk é só um dos panos de fundo de uma narrativa sobre jovens de periferia e suas histórias. Ao contar a trajetória desses moleques com originalidade, quando se propõem a mostrar a favela a partir das visões diferentes dos três protagonistas, a produção mostra sua genialidade rompendo um longo e estabelecido padrão de narrativas repetidas no cinema: de que a periferia é feita de pessoas iguais.
A Netflix tambéma postou na divulgação de Sintonia promovento a assinatura do serviço de streaming com cartão pré-pago.
Quem é quem na quebrada
Vamos, entào, aos protagonistas: Começamos com MC Doni (Jottapê). Mesmo sendo de periferia, ele teve acesso a determinadas coisas, como escola particular, por conta do pequeno negócio do pai. Jotapê tem um núcleo familiar estruturado e isso destaca uma diferença muito forte em relação aos outros personagens. Já Rita (Bruna Mascarenhas) é uma jovem órfã muito madura, que se vira marretando (gíria para quem trabalha vendendo produtos no transporte público). Nando (Christian Malheiros) apresenta uma outra faceta, que sempre é retratada, mas pouco discutida abertamente na mídia: o lado do crime. Só que aqui a apresentação de Nando não cai no mesmo clichê — um homem negro que vive o crime e representa a masculinidade tóxica. Nando se importa, está sempre falando em “fazer o certo” e se “preocupar na família”. O fato desses moleques terem direito a sonhar, seja lá qual for o sonho, é algo que merece atenção.
A importância da produção de uma série que retrata a favela está em colocar no centro do debate a necessidade de chegar a públicos jamais alcançados em outras peças midiáticas. Mais do que avançar produzindo conteúdo de qualidade, é preciso que as pessoas se vejam nele sem reproduções dos mesmos velhos clichês e estereótipos. E a Netflix conseguiu trazer tudo isso. Apesar da série retratar apenas uma favela e a cultura do funk ostentação de São Paulo, já é um momento único na construção visual das favelas. As cenas nos deixam com a sensação de que estamos assistindo à nossa quebrada, o que só é possível com a preocupação de representar todos os lados da periferia, com diversas histórias que se cruzam e se contam partindo de diferentes lugares.
Sintonia é um presente para quem é de favela e não vejo a hora de rolar a 2º temporada!