Dallas Jenkins garante que nada mudou nos bastidores de The Chosen após a série se transformar em um fenômeno global. O criador, produtor e diretor do título, uma adaptação da história bíblica de Jesus Cristo que busca expandir e contextualizar, historicamente, a trajetória do filho de Deus, contou ao Omelete que essa é inclusive uma das chaves do sucesso para ele: “A série se tornou maior, mas nós não estamos maiores”.
Na conversa a seguir, realizada durante divulgação da quinta temporada - batizada de The Chosen: Última Ceia no Brasil, e prevista para estreia nos cinemas nacionais em 10 de abril -, Jenkins reflete sobre as responsabilidades de adaptar os Evangelhos, o futuro da sua criação, e o ambiente político no qual muitas das narrativas religiosas da atualidade são produzidas. Confira!
OMELETE: O sucesso que você alcançou com The Chosen é extraordinário. O projeto começou como um fenômeno online financiado coletivamente, e agora está na tela do cinema. Eu me pergunto: sua abordagem para criar a série mudou, especialmente à luz de estar na tela grande?
JENKINS: Nada mudou além de termos mais ferramentas. Este ano, por exemplo, usamos lentes mais amplas nas câmeras, porque nossa história é maior. Estamos em Jerusalém, na cidade grande, onde um milhão de pessoas se reuniram por uma semana, a semana mais importante, influente e famosa da história. Então, a história ficou maior, mas nada mudou sobre como abordamos essa história. E eu ainda estou escrevendo os roteiros no meu laptop, sentado no meu sofá. Quando estamos filmando no set, não importa se haverá uma pessoa assistindo, ou 100 pessoas, ou um milhão, ou 100 milhões, e não importa em qual país ou qual idioma, o trabalho tem que permanecer o mesmo.
Acho que essa é uma das razões pelas quais a série tem continuado a funcionar - ela permaneceu pura. Não estamos tentando agradar a todo mundo, nem estamos tentando evitar críticas. A série se tornou maior, mas nós não estamos maiores, não nos tornamos orgulhosos demais ou arrogantes. Isso é importante para nós.
OMELETE: Eu vi algumas de suas entrevistas anteriores, e você fala muito sobre querer apresentar o ‘Jesus autêntico’ às pessoas através de The Chosen. Você pode expandir um pouco sobre quem é o Jesus que você está tentando apresentar, e o que é uma representação autêntica de Jesus para você?
JENKINS: Sim, claro. Acho que tantas vezes vemos Jesus retratado em pinturas, vitrais e outros projetos, como uma figura distante e formal. E, algumas vezes, as coisas se colocam entre nós e Jesus, impõem uma distância - por vezes são nossos próprios problemas que fazem isso, nossos próprios pecados, vícios, relacionamentos, nosso ego. Por vezes, é a nossa própria religião. Nossa própria igreja pode, às vezes, atrapalhar um relacionamento pessoal entre nós e Jesus.
Então, eu acho que o Jesus autêntico é o Jesus que era, sim, Deus, que fez milagres e falou com autoridade - mas também um ser humano que viveu entre nós, que sentiu o que sentimos, que andou como andamos. E eu acho que isso significa que Jesus é alguém com quem podemos ter um relacionamento, e não alguém distante, formal e rígido, que anda por aí soando como se estivesse citando um versículo da Bíblia. Uma das chaves para The Chosen, eu acho, é que estamos tentando remover os obstáculos que se colocam entre nós e Jesus.
OMELETE: A Última Ceia é uma parte tremendamente importante do evangelho. Que tipo de preparação e pesquisa você fez para esta temporada? Foi mais intenso do que nas temporadas anteriores?
JENKINS: Cada temporada é importante, e queremos acertar sempre - mas, quando se trata de algo como a Última Ceia, é importante tratá-la como algo além de uma imagem estática. A pintura mais famosa é a de [Leonardo] Da Vinci, mas Jesus e seus discípulos não eram desenhos à óleo, e sim pessoas reais. Queremos mostrar isso.
E há muitos detalhes que queríamos acertar. Por exemplo: queríamos que a refeição da Páscoa, que eles comem na Última Ceia, fosse autêntica. No quadro de Da Vinci, eles estão comendo pão fermentado, e claramente não são judeus, sem contar que estão todos sentados de um único lado da mesa. Nós queríamos realmente lembrar as pessoas que aquela foi uma refeição de Páscoa real, queríamos que parecesse um momento de verdade, e não uma representação arbitrária.
Ademais, os relacionamentos naquela mesa também são reais. Tudo aconteceu quando Jesus estava prestes a morrer, então como seria passar tempo com seus melhores amigos e seus seguidores nesse contexto? E que verdade você teria que transmitir a eles, antes de morrer? Pela Bíblia, sabemos o que Jesus disse naquela refeição, mas como tornamos as palavras d’Ele pessoais? Como as tornamos reais para os espectadores?
OMELETE: Você disse anteriormente que quer terminar The Chosen em sete temporadas. Pode desenvolver isso um pouco? Como planeja dividir o restante do evangelho pelos próximos dois anos? E sabemos que cada evangelho termina de uma maneira ligeiramente diferente - você já decidiu como The Chosen vai acabar?
JENKINS: Oh, boa pergunta. Eu não quero revelar o final em detalhes, é claro, mas desde o começo temos um encerramento em mente. Sabemos que Jesus ascende aos céus e deixa os apóstolos com um chamado à ação, dizendo para eles irem espalhar Sua mensagem no resto do mundo. É mais ou menos aí que a série vai terminar - e depois disso esperamos fazer outra série, talvez, mostrando os discípulos cumprindo esse pedido.
OMELETE: Na verdade, essa era a minha próxima pergunta. Conforme o final de The Chosen se aproxima, você já está pensando adiante, nas próximas histórias da Bíblia que quer contar? Ou pretende tentar um formato diferente, um tipo de trama diferente?
JENKINS: Sim, já estamos desenvolvendo outra série, uma prequel focada em José. Também sei que quero contar a história de Moisés, e os livros dos Atos. Mas, honestamente, tenho muita coisa com o que me preocupar no momento - estamos lançando a quinta temporada, começamos a filmar a sexta em um mês, e já estamos escrevendo a sétima. O trabalho não pára. Então, não sei exatamente como vai ser o futuro - isso está nas mãos de Deus por enquanto.
OMELETE: Quero fazer esta última pergunta de um ponto de vista muito pessoal - sou uma pessoa de fé, mas sinto que muitas das produções religiosas que vemos hoje em dia se voltam muito para a política, e isso faz com que eu me afaste delas. The Chosen parece ter se distanciado disso. É algo que você fez propositalmente? Há alguma mensagem social que você quer passar com a série?
JENKINS: Eu não estou tentando evitar ou me distanciar de nada, intencionalmente. Estou apenas tentando contar as histórias autênticas de Jesus. Quando ele veio à Terra, as pessoas esperavam que Ele liderasse uma guerra, que Ele dissesse e fizesse certas coisas que um Messias supostamente deveria fazer. Mas Ele contrariou isso, e disse: ‘Quero um relacionamento pessoal com vocês, estou aqui pelos seus corações’.
Ele disse diversas vezes que a pobreza sempre vai existir, que os governos sempre estarão oprimindo alguém, que sempre haverá guerras, que sempre teremos que pagar impostos. Ele não se preocupou em tentar mudar a política social de sua época, se importava apenas com o relacionamento pessoal. Ele falava sobre ‘dar a outra face’, sobre amar e servir aos outros mesmo quando não parecia justo. Essa é a mensagem do evangelho, sobre como viver de acordo com os ensinamentos d’Ele.
Eu acho que é comum projetar em Jesus, na Bíblia, certas ideias políticas - e todo mundo faz isso. Algumas pessoas dizem que deveríamos ter saúde pública universal, porque a Bíblia diz para se importar com os pobres, certo? E é claro que devemos nos importar com os pobres. Outros dizem que temos que derrotar todos os nossos inimigos, porque a Bíblia fala sobre justiça, acabar com o mal. Mas Jesus dizia que sempre seríamos perseguidos, que sempre teremos problemas - apesar de tudo isso, você pode me seguir? Você pode se entregar a mim? Pode focar em Jesus, e não em questões terrenas, mesmo quando está experimentando provações e dificuldades?
Isso é autêntico. Não estou mudando nada, não estou tentando evitar nenhuma mensagem política. Não acho que os evangelhos têm uma mensagem política. Os evangelhos dizem ‘siga-me’. Independente das coisas ao redor.