The Handmaid’s Tale já foi uma das séries mais relevantes da TV. Sua estreia coincidiu com os meses iniciais da primeira administração de Donald Trump como presidente dos EUA. Os atos e discursos do líder norte-americano contra os direitos humanos e a proximidade com setores teocráticos da política tornaram a produção do Hulu um prenúncio do que o país poderia se tornar. Os avanços de governos apoiados em discursos contra direitos das mulheres e de pessoas LGBTQIA+ no mundo todo tornaram a adaptação do livro de Margaret Atwood, escrito lá trás em 1985, um fenômeno nas redes sociais e de audiência. Gilead, o Estado ficcional regido pela religião e pelo patriarcado, que surgiu após uma segunda Guerra Civil nos EUA, não parecia mais tão longe da realidade.
Quase oito anos e cinco temporadas depois, a história de June Osborne contra o sistema de Gilead finalmente chega aos seus episódios finais. E vale ressaltar aqui o “finalmente”, já que entre muitas idas e vindas, fugas e retornos, libertações e capturas, a trama da personagem de Elisabeth Moss parecia cada vez mais esgotada nos últimos lançamentos. Sua chegada ao Canadá e a vingança contra Fred Waterford (Joseph Fiennes) pareciam dar um ar de reta final para a série, mas novas reviravoltas e situações surgiam, esticando ainda mais todo o processo. The Handmaid's Tale nunca foi uma série fácil de assistir. Torturas físicas e psicológicas afastaram alguns espectadores ao longo dos anos e a falta de resolução, sempre exigindo mais dor e sofrimento da protagonista e suas companheiras, fez com que muitos cansassem de acompanhar a trama.
A boa notícia é que a sexta e última temporada de The Handmaid’s Tale sabe que o gás tá acabando e ela precisa completar essa volta final com toda a potência que a história sempre pediu. Há uma energia de reta final, de eventos que vão dar um fechamento para várias histórias e, enfim, criar a revolução esperada desde o dia 1. A série retorna exatamente de onde terminou o quinto ano: June e Nichole no trem para o Alasca após fugirem do Canadá, território que se tornou hostil contra os americanos - mera coincidência? - que escaparam dos EUA. Mãe e filha encontram Serena (Yvonne Strahovski), com seu bebê Noah, também tentando uma nova vida. A dinâmica entre Moss e Strahovski sempre foi ótima e fica ainda melhor com o ar tranquilo e imaculado de Serena. A história logo ganha contornos dramáticos quando a identidade da ex-Sra. Waterford é revelada e a série volta a trabalhar bem a ideia dos nossos instintos de proteção mais primitivos, misturados ao processo de quebra de relações sociais que ações extremas, como as cometidas em Gilead, podem provocar.
Encontros emocionantes e inesperados se juntam com resoluções fáceis - o drama de Luke (O-T Fagbenle) ser preso no ano anterior mal é falado aqui e logo ele já está solto - para dar mais ritmo à trama. O encontro de vários personagens principais com Mayday, o grupo revolucionário contra Gilead, também facilita a geografia da história. O mesmo pode ser dito do outro lado, com o maior foco em New Bethlehem, nova ideia de Gilead para produzir uma sociedade ainda teocrática, mas que fique melhor vista pelos outros países. Enquanto Mayday quer atacar o coração de Gilead - com a ajuda de June, Luke, Moira (Samira Wiley) e Mark (Sam Jaeger), em New Bethlehem os planos envolvem uma nova posição para Serena, que sempre foi uma das grandes mentes por trás da ideia de Gilead, usurpada pelos Comandantes pelo fato de ela ser mulher. Serena inclusive tem a oportunidade de um novo recomeço com a chegada do Comandante vivido por Josh Charles, o que, claro, sempre mexe com June e a lembrança de tudo o que ela passou nas mãos dos Waterford.
Se alguns personagens, como Tia Lydia (Ann Dowd), perdem espaço na história - mesmo que ela retorne com mais força nos últimos episódios - outros, como Janine (Madeline Brewer), se tornam centrais no grande plano. A temporada nos leva de volta ao Jezebel’s, o clube sexual onde os “religiosos” Comandantes vão para se divertir, e o espaço ganha mais camadas, com planos e maquinações de ambos os lados e um dos momentos mais fortes do último ano. Nick (Max Minghella), por sua vez, é um dos que mais sofre com essa história alongada da série. Claramente o personagem não tem mais para onde ir e ele acaba virando uma peça que sempre que precisa, June chama para resolver algo. É o quebra-galho de roteiro que, mesmo envolvido em um twist potente, está sobrando junto com a nova esposa.
Uma das grandes questões para a última temporada de The Handmaid’s Tale é: a série consegue chegar ao fim com a relevância que suas duas (ou três) primeiras temporadas mereceriam? Lá pelo oitavo episódio, há um ótimo monólogo de June sobre a vestimenta das aias, a cor que elas representam e todo o sofrimento pelo qual passaram. São símbolos assim, ou como quando a série mostrou o obelisco de Washington D.C. como uma grande cruz, que fizeram e ainda conseguem tornar a história potente. A última temporada recaptura a essência de torcermos contra aquele regime totalitário, de temer uma traição e de discutir o papel do Estado associado com a religião. Se os crimes de Gilead não funcionam mais aos olhos do mundo, a nova opção é uma saída mais “moderada”. Mas até que ponto? E até onde a vingança realmente é a única saída para o que precisa ser feito? As discussões entre June e Moira estão entre os pontos altos deste último ano, exatamente por mostrar que o mesmo lado pode ter visões diferentes e que não há um peso fixo para a própria dor. A temporada acerta ao diluir menos os seus núcleos e tornar o perigo e o drama mais próximo de todos ali.
Ainda que saibamos que já existe uma série em produção para dar continuidade na história - The Testaments, também baseado na obra de Margaret Atwood - e o fim da série possa parecer um gancho para a nova produção, a história que acompanhamos desde 2017 finalmente ganha um final que entrega o que os fãs sempre quiseram ver. Talvez tempo demais tenha passado para que mais gente dê importância para ele, as loucuras do mundo real neste meio tempo estão por aí martelando todos os dias. E se a vingança é um prato que se come frio, em The Handmaid’s Tale ele já estava gelado e os últimos episódios servem para dar a aquecida necessária para fazer valer a pena.
Quantos ovos?