A adaptação do videogame The Last of Us para outras mídias não é nada surpreendente, e não só porque a adaptação de qualquer coisa que é sensação hoje em dia é absolutamente previsível. Mas porque a simples premissa de The Last of Us, para além de uma relação singela entre dois sobreviventes, é invejável para qualquer empreitada de trama zumbi. O apocalipse causado pelo fungo Cordyceps é uma base perfeita para inovar em um cenário sempre tão tradicional. Amedrontador, coletivo e, mais importantemente, absolutamente real, o fungo zumbi traz novas regras ao universo, e supera a expectativa do público geral para uma produção do tipo.
E a série de The Last of Us tenta fisgar com isso em seu episódio inaugural por quase cinco ótimos minutos antes de passar para aquele familiar cenário de cataclisma. Ela remete ao estilo que Craig Mazin exibiu em Chernobyl em sua cena inicial, em que cientistas debatem os diferentes possíveis tipos de apocalipse em um programa de TV de 1968. É um aviso, que poderia funcionar muito bem em uma produção que pretendesse seguir estes passos, de debate científico, mas The Last of Us da HBO rapidamente corta o clima para rumar à trama do jogo de Neil Druckmann.
Não vamos entrar em spoilers aqui, claro, mas o mesmo tipo de contraste acontece também no segundo episódio de The Last of Us. O início no passado, um relance ao começo do apocalipse, uma tentativa de puxar para o olhar biológico que vai além dos passos do jogo - tudo isso em uma curta introdução. Pela duração de seus dois primeiros capítulos, The Last of Us batalha entre uma narrativa original e uma familiar, e nada disso é exatamente surpreendente. É claro que o produto de uma sensação tão grande, com uma base de fãs tão adoradora, vai demonstrar receio em se distanciar do material base. Mas é irresistível imaginar o que poderia ser da produção se ela apenas usasse a premissa de The Last of Us para seguir um novo rumo.
A construção de um universo e o excesso de fidelidade
Por conta da base de fãs tão devota, ou talvez pelo selo de qualidade que uma produção da HBO sempre tem, The Last of Us toma todo o tempo do mundo para se estabelecer, sem parecer precisar convencer ninguém de suas qualidades. Somos introduzidos a Joel (Pedro Pascal), Sarah (Nico Parker) e Tommy (Gabriel Luna), uma família de Austin, Texas, no fatídico dia que determinaria o fim da humanidade como conhecemos. E aqui viramos testemunhas do passo a passo básico para qualquer produção de fim do mundo - as notícias na TV, a tradicional ignorância geral, as primeiras vítimas. É fácil, mas funciona. A introdução do apocalipse para Joel - até o momento decisivo que determina sua existência pós-apocalíptica - é eficiente, mas chama mais atenção pelo ótimo design de produção (que, aliás, se destaca durante a duração dos dois primeiros episódios) do que por sua originalidade.
E uma vez que pulamos vinte anos para o futuro, The Last of Us decide revelar tão pouco de seu universo que a produção acaba deixando na mão qualquer espectador não familiarizado com o jogo. Os elementos, nomes e regras são insistentemente jogados, sem vontade de resposta, muito porque a produção parece querer estabelecer seu universo ao mesmo tempo que procura manter muito mistério. Mas o novo governo da FEDRA, seus guardas, a resistência dos Vagalumes, e a nova vida de Joel - que agora se baseia em encontrar seu irmão -, são muitos elementos confusos para apresentar de uma vez só. É só na introdução da curiosa Ellie, um respiro no meio disso tudo, que The Last of Us nos convence a ficar, porque logo de cara a performance de Bella Ramsey se mostra a maior carta que a série tem em mãos.
Por sorte, The Last of Us encontra a saída de seu arrastado quebra-cabeças na personagem de Marlene (Merle Dandridge), líder dos Vagalumes e responsável por explicar tudo e todos ao espectador desavisado. É expositivo, sim, mas em um universo novo é difícil não achar reconfortante uma personagem que pega na nossa mão e nos leva pelos acontecimentos e regras do apocalipse. E enfim, temos nossa trama - e, junto com ela, o principal deslize da reta inicial de The Last of Us.
A entrega de Ellie a Joel e o segredo sobre a peculiaridade da garota são mantidos tanto da audiência quanto do próprio personagem, sem absolutamente nenhum motivo. A ideia, claro, é seguir os passos e detalhes já determinados pelo material base, mas na narrativa televisiva a não-revelação soa simplesmente absurda. Mais do que isso, o momento evidencia a oportunidade que a série teria de resolver aspectos questionáveis da trama, e o desfecho do primeiro episódio acaba por gritar pelo desperdício de originalidade.
Ignorado o bizarro deslize do piloto, The Last of Us segue a jornada de Ellie, Joel e Tess (uma ótima Anna Torv como companheira de Joel) pelas ruas do apocalipse em um segundo episódio muito mais bem desenvolvido. Isso porque passado o fraco estabelecimento do universo, a série da HBO passa a se preocupar com a relação entre os personagens, e a dinâmica entre os três no segundo capítulo funciona muito bem. Ver Ellie criando um laço com Tess e as primeiras trocas entre Joel e a garota é o que aquece o cenário zumbi. E por falar em cenário, toda construção de Boston devastada é admirável de ver, principalmente embalada pela trilha sonora de Gustavo Santaolalla.
Isso acontece também porque por mais que Pedro Pascal seja instantaneamente convincente, sua faceta de carrasco não conquista até servir como contraponto para Ramsey. Carismática desde a primeira cena, a atriz não para de crescer até a conclusão do segundo capítulo, construindo uma personagem tão cativante que conseguiria sustentar sozinha a produção inteira.
Seria esperto se a HBO lançasse os dois primeiros episódios de The Last of Us de uma vez só. Se o primeiro episódio arrasta em um estabelecimento de universo e ainda peca no desenvolvimento de sua trama, o segundo capítulo introduz criaturas e entrega mais ação, mais emoção e mais importantemente, mais Bella Ramsey, além de encerrar uma jornada em si, lapidando o tabuleiro para o que parece ser a trama real de The Last of Us. E se Mazin continuar ganhando espaço para criar as bases do apocalipse em cenas introdutórias mais aprofundadas, a série da HBO só tem a ganhar com a liberdade criativa e o distanciamento do jogo. Querendo ou não, o início de The Last of Us arrasta porque sabe que pode, mas precisa demonstrar mais vontade para conquistar um público novo se pretende seguir em frente.