Velma

Créditos da imagem: HBO Max/Divulgação

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Velma é tentativa frustrada de levar Scooby-Doo a público adulto

Animação de Mindy Kaling é típico exemplo de produção que confunde violência e sexualização com maturidade

Omelete
3 min de leitura
23.01.2023, às 16H53.

Era um cachorro falante, sabe? Não tinha nada mais legal que isso.” Foi assim que Freddie Prinze Jr., intérprete de Fred nos live-actions de Scooby-Doo, justificou seu amor pela animação original em uma entrevista a Rachael Fedder em 2002. Apesar de simples, a forma como definiu a história dos jovens detetives que estragam planos de adultos gananciosos é extremamente precisa e, de certa forma, resume como a Hanna-Barbera fisgou tantas gerações de crianças desde 1969. Por isso, surpreende que Velma, nova série da HBO Max criada e estrelada por Mindy Kaling, se orgulhe tanto de abrir mão do que fazia o desenho original tão apaixonante sob a desculpa de expandir o público da franquia.

De seu humor apelativo à sexualização constante de personagens adolescentes, a nova série parece escrita por pessoas que ou não entendem ou que não gostam de Scooby-Doo. Mais do que a ausência do dogue alemão mais famoso do mundo, a descaracterização geral dos membros da Mistério S/A, transformados em adolescentes odiosos e egocêntricos, mostram uma inclinação maior em imitar South Parks e Big Mouths em busca de um público mais “ousado” do que em criar uma produção engajante e divertida. Propositalmente ou não, os quatro episódios de Velma lançados até o momento da publicação deste texto se prendem a retratos rasos da Geração Z e usam de preconceitos geracionais para criar uma crítica vazia a valores e comportamentos modernos.

Após emplacar sucessos de qualidade na Netflix e na HBO Max, respectivamente, com Eu Nunca… e A Vida Sexual das Universitárias (ambas, aliás, sobre a vida de jovens zoomers), Kaling assina talvez a primeira grande bomba de sua invejável carreira, que inclui passagens por The Office e Saturday Night Live. Embora não integre a equipe de roteiristas, a atriz e cineasta permite, de seu cargo de produtora-executiva, que Velma ridicularize importantes noções feministas e desconstruções do conceito de masculinidade com piadas sem qualquer graça. Mesmo quando arranca uma ou outra risada, a série o faz por desconforto e não pela qualidade de sua comédia.

Essa insistência em um humor baseado na sexualização e violência desnecessárias faz com que até o mistério central de Velma, que acompanha a busca por um serial killer que mira estudantes de colegial, perca o interesse do espectador. Assim como Riverdale, João e Maria: Caçadores de Bruxas e várias adaptações de gibis de herói por aí fizeram com suas matérias-primas, a animação confunde choque com maturidade e acaba se tornando apenas uma comédia adolescente rasa em trama e em mensagem.

Vale pontuar que o elenco de voz, que inclui Constance Wu, Glenn Howerton, Sam Richardson, Jane Lynch e Wanda Sykes, faz de tudo para elevar o material que lhes foi apresentado. Wu, em particular, é a grande responsável por transformar Daphne em mais do que apenas uma adolescente obcecada pela própria popularidade, em uma atuação que até torna possível relevar o roteiro simplista da equipe liderada por Charlie Grandy e Akshara Sekar, parceiros frequentes de Kaling.

A animação de Velma também merece elogios. Com uma identidade única, mas apoiada no visual icônico da franquia, a série estabelece seu lugar próprio dentro da franquia Scooby-Doo, cujo fandom muitas vezes se prende ao estilo inicialmente criado na Hanna-Barbera. Criativos, os novos designs são o principal atrativo do programa e merecem ser aproveitados também em produções mais voltadas ao tom do desenho clássico.

Embora parta de uma proposta interessante, Velma começa de decepcionante, especialmente para quem cresceu acompanhando as investigações da Mistérios S/A. Claro, a animação não vai “estragar a infância” de ninguém, até porque quase todas as séries da franquia seguem disponíveis no streaming. Mas talvez ela se beneficiasse se, no futuro, abraçasse um pouco mais o que tornou Scooby-Doo tão apaixonante mais de 50 anos atrás.

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